Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

JUSTIÇA SEM CONSOLO



ZERO HORA 05 de junho de 2015 | N° 18184


EDITORIAIS



A primeira sentença de réus do incêndio na boate Kiss absolveu seis bombeiros e puniu dois com penas leves, decepcionando parentes das vítimas e reacendendo o debate sobre a impunidade em torno da maior tragédia da história do Estado. Foi uma tragédia, mas não foi um simples acidente. Para o infortúnio que vitimou 242 pessoas, a maioria jovens, concorreram a ganância de empresários, a omissão de órgãos públicos, a leniência de autoridades e a irresponsabilidade de alguns protagonistas que tiveram participação direta na ocorrência de 27 de janeiro de 2013.

Mais de dois anos se passaram sem que familiares e amigos dos mortos e feridos tivessem uma resposta capaz de atenuar-lhes o sofrimento. Os julgamentos reabrem a esperança de um pouco mais de consolo. Ainda que a Justiça Militar tenha seguido critérios técnicos, pois os próprios promotores pediram a inculpabilidade da maioria dos réus, as absolvições e as penas brandas dos primeiros condenados aumentam a sensação de impunidade e de desamparo da lei.

Nada será capaz de compensar as perdas de tantas vidas, mas a busca de Justiça tem que ser obsessiva, não apenas para que os coautores do grande crime sejam devidamente responsabilizados, mas também para que as ações delituosas que levaram os jovens à armadilha fatal não voltem a se repetir. Como o julgamento continua, tanto em decorrência dos recursos interpostos para as sentenças da Justiça Militar quanto pelos processos em andamento na esfera criminal, ainda há tempo e oportunidade para um desfecho mais digno para o mais triste episódio da história de Santa Maria.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

CASO KISS, JUSTIÇA MILITAR CONDENA DOIS BOMBEIROS E ABSOLVE SEIS


Justiça Militar condena dois bombeiros e absolve seis por fiscalização da boate Kiss, Réus responderão em liberdade até julgamento de recursos em segunda instância

Por: Caetanno Freitas, Juliana Bublitz e Liciane Brun


ZERO HORA 03/06/2015 - 19h42min

Justiça Militar condena dois bombeiros e absolve seis por fiscalização da boate Kiss Ronald Mendes/Agencia RBS
Moisés Fuchs (esquerda) e Alex da Rocha Camillo (direita) foram condenados Foto: Ronald Mendes / Agencia RBS

A Justiça Militar concluiu, por volta das 14h40min desta quarta-feira, o julgamento em primeira instância dos bombeiros acusados de responsabilidade no incêndio da boate Kiss, que causou a morte de 242 pessoas na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Dois dos bombeiros — Moisés Fuchs, tenente-coronel da reserva e ex-comandante do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o capitão Alex da Rocha Camillo — foram condenados pelo crime de inserção de declaração falsa, relativo à assinatura do segundo alvará da Kiss.

De acordo com a juíza Viviane Pereira, cujo voto foi seguido pelos demais magistrados, o segundo alvará foi emitido de forma ilegal, pois não havia um plano de prevenção contra incêndio (PPCI). Fuchs também foi condenado por prevaricação — crime praticado por servidor contra a administração pública, cumprindo ato de ofício indevidamente para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.


Os demais réus — o tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano, os soldados Gilson Martins Dias, Vagner Guimarães Coelho, Marcos Vinícius Lopes Bastide, o sargento Renan Severo Berleze, o primeiro-tenente da reserva Sérgio Roberto Oliveira de Andrades — foram absolvidos.

As penas de Fuchs e Camilo, porém, podem ter a execução suspensa. A substituição está prevista no Código Penal Militar para crimes com pena inferior a dois anos e que não tenham restrição ao benefício, como crime de violência a um superior, por exemplo. Além disso, só têm direito os réus sem antecedentes. Dessa forma, eles terão de se apresentar a cada dois meses na auditoria militar.

Não podem frequentar determinados locais e não podem se afastar sem aviso prévio.

O Ministério Público e as defesas de Fuchs e Camillo já anunciaram que vão recorrer da decisão, tomada por maioria de votos dos cinco juízes presentes. Os réus aguardarão em liberdade até julgamento em segunda instância no Tribunal de Justiça Militar, em Porto Alegre, em data ainda não definida.

Veja, réu a réu, como foi o julgamento da Justiça Militar:

Tenente-coronel da reserva Moisés Fuchs — ex-comandante do 4º Comando Regional dos Bombeiros
Condenado por: inserção de declaração falsa e prevaricação
Absolvido por: falsidade ideológica
Pena: um ano de reclusão pela inserção de declaração falsa e seis meses pelo crime de prevaricação, que podem ser substituídas por suspensão da execução da pena. No período da pena, o condenado terá de se apresentar a cada dois meses na auditoria militar. Não pode frequentar determinados locais e não pode se afastar sem aviso prévio.

Capitão Alex da Rocha Camillo — responsável pelo segundo alvará da casa noturna
Condenado por: falsidade ideológica
Pena: um ano de reclusão, que pode ser substituída por suspensão de execução da pena. No período da pena, o condenado terá de se apresentar a cada dois meses na auditoria militar. Não pode frequentar determinados locais e não pode se afastar sem aviso prévio.

Tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano — comandante da Seção de Prevenção a Incêndio (SPI) na época da concessão do primeiro alvará para a boate
Absolvido por: falsidade ideológica

Marcos Vinícius Lopes Bastide — soldado dos bombeiros que inspecionou a Kiss
Absolvido por: inobservância da lei

Gilson Martins Dias — soldado que realizou a última vistoria na Kiss, em 2011
Absolvido por: inobservância da lei
Vagner Guimarães Coelho — soldado que realizou a última vistoria na Kiss, em 2011
Absolvido por: inobservância da lei

Renan Severo Berleze — sargento dos bombeiros que atuava na análise dos Planos de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) que chegavam à Seção de Prevenção a Incêndio (SPI)
Absolvido por: inobservância da lei

Sérgio Roberto Oliveira de Andrades — primeiro-tenente da reserva que atuava na Seção de Prevenção a Incêndio (SPI)
Absolvido por: inobservância da lei

MP retira denúncia contra cinco réus e revolta familiares de vítimas

Pela manhã, o promotor Joel Dutra, do Ministério Público, pediu a absolvição dos cinco réus julgados nesta quarta-feira — os soldados Marcos Vinícius Lopes Bastide, Gilson Martins Dias e Vagner Guimarães Coelho, o sargento Renan Severo Berleze e o primeiro-tenente da reserva Sérgio Roberto Oliveira de Andrades. De acordo com Dutra, os bombeiros teriam sido induzidos ao erro, o que tiraria qualquer espécie de negligência. A reação de parentes das vítimas presentes no recinto foi imediata: revoltados, deixaram a sala. Do lado de fora, pais e mães protestavam, alguns chorando.

— O que eles estão pensando? Só porque têm estrelinhas acham que são mais que alguém? — dizia aos prantos Maria Aparecida Neves, que perdeu o filho, Augusto Cezar, na Kiss.

Aos juízes, a advogada de defesa, Taís Martins Lopes, criticou a sociedade e a mídia:
— Dois anos sendo pisoteados para agora, no final, se entender que eles não agiram com dolo.

Entenda o segundo dia de julgamento

Os soldados Gilson Martins Dias e Vagner Guimarães Coelho foram responsáveis pela última vistoria na casa noturna, em 2011. Marcos Vinícius Lopes Bastide também inspecionou o local. Já o sargento Renan Severo Berleze atuava na análise dos PPCIs, e o primeiro-tenente da reserva Sérgio Roberto Oliveira de Andrades trabalhava, à época da tragédia, na Seção de Prevenção a Incêndio.
Segundo a denúncia inicial do MP, os cinco teriam deixado de observar determinações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e do Decreto Estadual 37.380, de 1997, que também lista regras de prevenção de incêndio, ao avaliar as condições da Kiss.

terça-feira, 2 de junho de 2015

DOR E IMPUNIDADE



ZERO HORA 02 de junho de 2015 | N° 18181


LÚCIO CHARÃO




Já perdeu algum familiar próximo? Tenho 28 anos e meu pai morreu há 11. Já perdi outros parentes próximos e o luto – e suas várias fases – de dar adeus a meu pai demorou a passar. Foi cedo que ele partiu, mas, na dita lógica da vida, os filhos ficam e os pais se vão. Imagine, porém, um pai ou uma mãe que tem de enterrar um filho que morreu de forma trágica. Seria a lógica da vida? Não.

Esse foi um dos primeiros sentimentos que tive ao saber que uma boate pegou fogo e matou 242 pes- soas, a maioria jovens universitários da cidade em que nasci, cujos pais e mães tiveram de dar adeus para seus bens mais preciosos em um caixão. Reconhecê-los, deitados lado a lado, em um ginásio.

Até agora, a justiça não foi feita. A sensação de perder um ente querido é irreparável. Um alento aos familiares e sobreviventes do incêndio da boate Kiss seria ver algum dos acusados pela tragédia responsabilizado pela Justiça. Mas até agora ninguém foi.

Nesta terça, ao pensar em sentenças, há um fio de esperança no longo novelo de luto e dor que envolve centenas de familiares de vítimas de Santa Maria e outras cidades do Estado. Ao falar em impunidade, retomo brevemente três pontos:

1) Quatro meses e dois dias após a nuvem de fumaça pairar sobre a casa noturna do centro da cidade, os quatro principais réus do processo criminal, acusados de 242 homicídios dolosos e outras centenas de tentativas – foram soltos. Uma das principais alegações do magistrado, que à época vivia em Porto Alegre, ao assinar a soltura dos réus era de que a cidade não vivia mais o momento de clamor público. Não? Posso apostar que ele nunca pisou na Boca do Monte.

2) A cada mês, conforme ZH apresentou em sete páginas no dia 25 de janeiro deste ano – às vésperas dos dois anos da tragédia –, novas vítimas surgem. A fumaça ainda não cessou. Ainda espalha feridos, inocentes que queriam apenas curtir uma noite com amigos, ou até mesmo profissionais que atuaram no resgate dos que estavam dentro daquela arapuca e desenvolvem doenças como depressão ou enfisema.

3) As próprias leis, inócuas, servem para fazer perdurar o sentimento de impunidade. Ainda a velha Constituição, com raras atualizações e as normas anti- incêndio, de eficácia deficiente devido à fiscalização.

Então, que nesta semana, na Justiça Militar de Santa Maria, caso alguém – no caso, os bombeiros – saia condenado, será um breve alívio. Porque a dor e a impunidade ainda acompanharão esses pais, mães, avós, amigos, professores, todos que, de alguma forma, foram atingidos pelas chamas da Kiss.

Jornalista, editor de Zero Hora