Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

KISS, DOIS ANOS E AS FALSAS LÁGRIMAS



ZERO HORA 27 de janeiro de 2015 | N° 18055


ADÃO VILLAVERDE




Simboliza, também, o egoísmo coletivo, escondido na emoção inicial conjunta do primeiro momento de ardor vertido em caudalosas lágrimas, mas que se esvai, como a fumaça do próprio sinistro, apagando-se processualmente com o passar de pouco tempo.

Não me refiro apenas à impunidade que impera até hoje, após 730 dias, soando como um deboche institucional à dor dos sobreviventes e dos familiares das vítimas.

E nem ao manto de esquecimento com que muitos veículos de comunicação cobriram as decorrências do episódio, depois da efervescência emotiva inaugural que o horror inusitado da mortalidade ampliada despertou nos seus ouvintes, leitores e telespectadores.

A própria descaracterização posterior da legislação de segurança e prevenção contra incêndios, elaborada em comissão especial do parlamento, que tive a tarefa honrosa e a responsabilidade de presidir ainda em 2013, é resultado desse sentimento, que tenta eliminar más lembranças da memória, para evitar o compartilhamento da culpa de todos pela conivência com a omissão com que se trata o caso até hoje.

Na tribuna do Legislativo, acentuei, repetida e recorrentemente – mas em vão – sobre os graves riscos da flexibilização da chamada Lei Kiss, que teve o rigor original abatido por emendas parlamentares. Sobretudo a partir de pressões de setores propondo excepcionalidades que legitimam o “jeitinho”, condenado na legislação anterior, pela defesa de interesses econômicos particularistas ou mesmo inconfessáveis. Felizmente, a última tentativa foi vetada pelo governador Tarso, mas voltará à apreciação do parlamento.

De tudo, ficou a dúvida sobre se o que importa mesmo é a preservação da vida humana.

Ou se, na verdade, ela vale menos que alguns metros quadrados de construções que revertem em tributos arrecadatórios, lucros imobiliários ou ganhos de alguns.

Professor, engenheiro e deputado

LEIS NÃO AVANÇAM PARA COIBIR REPETIÇÃO DA KISS


VEJA ONLINE 27/01/2015 - 07:49


Santa Maria. Tragédia na boate Kiss: dois anos depois, legislação não avança. E o trauma permanece. Pesquisa revela que brasileiros se sentem inseguros em boates – e não sabem como agir em incêndios. Legislativo, porém, ainda não alterou normas do setor


Eduardo Gonçalves






Familiares e amigos das vítimas do incêndio na Boate Kiss, saíram pelas ruas da cidade em caminhada até o Ministério Público, pedindo justiça pelas 242 mortes - Nabor Goulart/Agência Freelancer/VEJA

Superlotação, vistorias pendentes, alvarás vencidos, extintores quebrados, revestimento acústico altamente inflamável, ausência de sinalizadores que indicassem rotas de fuga e barras de ferro próximas à saída de emergência. A sequência de irregularidades acabou por culminar naquela que se tornaria a quinta maior tragédia da história do país: há exatos dois anos, o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, a 300 quilômetros de Porto Alegre, matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos. Passados mais de 700 dias, a legislação de prevenção a incêndios continua a mesma da época. Nos dias que se seguiram à tragédia, projetos de lei foram propostos no Congresso Nacional, numa tentativa de dar uma resposta imediata à população comovida com a catástrofe – nenhum deles, contudo, saiu do papel.

A lembrança das cenas de destruição na cidade gaúcha é ainda um trauma para muitos. Pesquisa realizada em dezembro pelo instituto internacional KRC Research com 1.001 brasileiros mostra que, para 72% dos entrevistados, as medidas de prevenção contra incêndio implantadas em casas noturnas são insuficientes – e 45% têm mais receio de frequentar boates hoje do que antes da tragédia. A pesquisa foi realizada via internet com homens e mulheres com idade entre 18 e 64 anos, e mostra também que 92% das pessoas não se sentem mais seguras hoje em casas noturnas do que há dois anos. Outros 81% mudaram seu comportamento em locais públicos após a tragédia.


O levantamento revela também que, apesar da preocupação, metade dos entrevistados não saberia como agir em uma situação semelhante à da boate Kiss. “Isso é muito preocupante. Parte dos entrevistados não sabia se teria que seguir pelas rotas de fuga. Outros relataram que voltariam ao local para buscar pertences, como celulares e computadores. O correto seria que eles saíssem o mais rápido possível e deixassem que pessoas capacitadas com equipamentos adequados voltassem para fazer esse tipo de resgate”, afirmou César Miranda, diretor de segurança contra incêndio para a América do Sul da multinacional de materiais elétricos Honeywell, que encomendou a pesquisa.

Ainda de acordo com o estudo, 67% dos entrevistados afirmaram não ter participado de nenhum treinamento contra incêndio em seus locais de trabalho. Na tragédia de Santa Maria, a maioria das vítimas morreu intoxicada porque não conseguiu escapar rapidamente da boate. Muitos tentaram sair, em vão, pela janela do banheiro e outros morreram ao retornar à danceteria para resgatar conhecidos. O incêndio, desencadeado pela queima de fagulhas de um sinalizador, transformou a casa noturna em uma verdadeira câmara de gás.

Para a maioria (cerca de 90%) dos entrevistados, a responsabilidade pela prevenção de incêndios é de competência dos governantes, donos de casas noturnas e bombeiros. Miranda avalia que existem “três pilares básicos” para reduzir as possibilidade de uma tragédia do tipo em lugares fechados: “Ter uma legislação mais moderna e atualizada; estabelecer normas técnicas bem definidas, como o tipo de equipamento e o lugar onde ele deve ser instalado; e educar e treinar a população. Apesar de alguns passos já terem sido dados, ainda há muito a ser feito”, avaliou o especialista.

Legislação - Logo no mês seguinte ao incêndio, em fevereiro de 2013, foi criada uma comissão externa na Câmara dos Deputados para acompanhar as investigações e propor medidas que evitassem a ocorrência de um novo caso do tipo. Um projeto de lei, que endurecia a fiscalização a casas de show e boates e tramitava na Casa desde 2007, foi proposto pelo grupo no mesmo ano. No entanto, só foi aprovado em abril de 2014. Atualmente, o projeto tramita no Senado, onde aguarda a disposição do presidente da Casa, Renan Calheiros, em colocá-lo na pauta para votação. Entre outras medidas, o texto responsabiliza por improbidade administrativa os servidores municipais que forem omissos na inspeção das boates, criminaliza os donos de casas noturnas que não respeitarem as determinações dos gestores municipais e do Corpo de Bombeiros, e proíbe a utilização de comandas — um dos pontos que mais sofre resistência do empresariado do ramo.

Relator do projeto, o senador Paulo Paim (PT-RS), afirmou, por meio de sua assessoria, que já pediu a Calheiros celeridade no processo, mas reclamou do "lobby contrário" movido pelos proprietários de casas de show, que têm tentado barrar a chancela da medida. Se for aprovada sem alterações no Senado, a PL seguirá para sanção da presidente Dilma Rousseff. Em meio à comoção provocada pelo segundo aniversário da tragédia, o senador prevê que a medida seja votada no início de fevereiro, quando os parlamentares voltam do recesso. Enquanto isso, a população continuará a se sentir insegura em casas noturnas.

92 POR CENTOS INSEGUROS EM BOATES

ZERO HORA 27/01/2015 | 04h01

DOIS ANOS DEPOIS. 92% se sentem mais inseguros em boates desde a Kiss, revela pesquisa. Instituto norte-americano entrevistou mais de 1 mil pessoas de diversas idades e Estados do país em dezembro de 2014

por Bruna Vargas e Mauricio Tonetto




Foto: Andréa Graiz / Agência RBS



Mesmo com o endurecimento das leis de prevenção a incêndios e aumento da fiscalização desde a tragédia na boate Kiss, que matou 242 pessoas Santa Maria há dois anos, os brasileiros se sentem mais inseguros ao frequentar casas noturnas.


É o que revela uma pesquisa da consultoria norte-americana KRC Research, realizada via internet com 1.011 pessoas de 18 a 64 em todas as regiões do país. O estudo indica que 92% dos entrevistados têm mais receio hoje de ir a boates do que antes do incêndio, e 81% admitem ter mudado de comportamento em locais públicos.

Foram consultados 494 homens e 517 mulheres entre os dias 12 e 17 de dezembro de 2014. Um em cada três brasileiros, de acordo com a pesquisa, está "muito preocupado" com sua segurança pessoal em incêndios. Além disso, cresceu o número de pessoas que acreditam que a chance de envolvimento em fatalidades é mais provável fora do que em casa.

"É preciso melhorar a preparação do público e sua capacidade de reagir a incêndios. Os brasileiros têm alterado muitos dos seus hábitos de segurança contra incêndios, mas as circunstâncias, especialmente no trabalho, estão longe do ideal", concluiu a KRC Research.



Encomendada pela empresa Honeywell Safety, especializada em soluções segurança, a pesquisa, realizada pela primeira vez no Brasil, expõe a fragilidade brasileira em quesitos fundamentais para a prevenção de incêndio, segundo César Miranda, gerente geral do negócio de Fire Safety da empresa na América do Sul e diretor do Grupo Setorial de Sistemas de Detecção e Alarme de Incêndio da Associação Brasileira da Industria Eletro Eletrônica (Abinee):

— As mudanças ainda são bastante superficiais. Alguns dos estados, com a tragédia, começaram a fazer projetos de lei específicos, mas isso ainda é pouco. Deveríamos tentar seguir para o lado de uma lei nacional — avalia.

Há duas semanas, a reportagem de Zero Hora visitou sete casas noturnas de Porto Alegre, na presença de dois engenheiros do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), e verificou que algumas apresentam falhas graves. Eles sugeriram modificações — que serão discutidas pelo Crea e podem entrar na legislação — para proporcionar o mínimo de risco e, consequentemente, diminuir índices de preocupação como os divulgados nessa pesquisa.

— Na Kiss, as pessoas seguiram a luz, procurando a saída, e muitas morreram em um banheiro, que estava claro. Uma melhoria é a ligação automática da iluminação emergencial por um sistema de detecção de fumaça e pelo acionador manual do alarme de incêndio — disse o engenheiro Carlos Wengrover.



Ele ressaltou que as boates são, geralmente, fechadas para não deixar escapar o som e "em caso de incêndio, a fumaça preenche todo o ambiente em segundos. Por isso, sistemas de aberturas superiores nas paredes e/ou nos tetos seriam necessários. Os extintores devem ficar bem visíveis, em locais facilmente acessíveis pelos funcionários treinados, mas protegidos e vigiados contra irresponsáveis".

A pesquisa mostra também que os brasileiros são praticamente unânimes em afirmar que mudaram hábitos de segurança e preocupação devido ao incêndio na Kiss. Em itens mais específicos, ainda existe resistência, conforme a KRC Research. Dos 1.011 entrevistados, 45% responderam que procuram mais por saídas de emergência nos prédios, 40% evitam visitar locais lotados e 35% procuram mais por equipamentos como detectores de fumaça, extintores de incêndio e alarmes de incêndio em edifícios.

Quando perguntados sobre as políticas de prevenção, quase três quartos dos brasileiros disseram que os governos federal e estadual e os empresários e gestores são os responsáveis pela segurança, mais do que bombeiros e policiais. Além disso, 81% entendem que "o governo não está fazendo o suficiente".

"A partir de uma lista de possíveis equipamentos e procedimentos de segurança, os consultados estão mais propensos a dizer que o governo deveria exigir iluminação nas placas de saídas (80%), seguido por alarmes de incêndio (78%), sprinklers (75%) e caminhos de evacuação iluminados (72%). Menos de um por cento disse que o governo não deve exigir qualquer um dos itens listados", finaliza.


Para César Miranda, a questão da informação e educação da população sobre o que fazer em casos de emergência, deficitária, também dificulta o trabalho de prevenção. Por outro lado, o especialista vê como positiva a mudança de postura das pessoas em relação aos locais que frequentam.

— As pessoas começaram a perceber que estão expostas a um risco maior, mas não sabem o que fazer se acontecer alguma coisa. A população evoluiu de modo geral, agora precisamos de um engajamento de diversos setores da sociedade para que daqui dois ou três anos, quando a gente refizer essa pesquisa, o resultado seja diferente.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

SOBREVIVENTES DA KISS SE QUEIXAM DA FALTA DE ATENDIMENTO OU DE MEDICAMENTOS

ZERO HORA  26/01/2015

Um em cada cinco sobreviventes da Kiss procurou ajuda e parou tratamento. Especialidades como fonoaudiologia tiveram quase 40% de desistência, constata centro de atendimento às vítimas em Santa Maria

por Juliana Bublitz e Humberto Trezzi




Uma em cada cinco pessoas com sequelas provocadas pelo incêndio deixou de se tratar, mesmo após requisitar cuidados Foto: Andréa Graiz / Agencia RBS


Dos 160 sobreviventes da Kiss procurados por Zero Hora, mais de duas dezenas se queixaram de falta de atendimento ou de medicamentos. Mas, em alguns casos, as próprias vítimas largaram o tratamento pela metade, não comparecem mais a consultas e deixam de buscar os remédios requisitados.

É o que mostra um levantamento feito pelo Centro Integrado de Atenção às Vítimas de Acidentes (Ciava), criado pelo Hospital da Universitário de Santa Maria (Husm) para ajudar os atingidos pela tragédia na boate. Em 2013, 19,6% dos pacientes com consultas marcadas no Ciava faltaram aos encontros com os médicos. Em 2014, a situação praticamente se repetiu: 19,86% não compareceram. Ou seja, uma em cada cinco pessoas com sequelas provocadas pelo incêndio deixou de se tratar, mesmo após requisitar cuidados.


É gente que procura auxílio de diversos tipos. Na neurologia, por exemplo, 24,9% dos pacientes não apareceram nos consultórios do Ciava em 2013. Isso representa o cancelamento de um em cada quatro agendamentos — por parte do convalescente, não dos profissionais. Em 2014, o índice de não-comparecimento foi de 25%. Mesmo em pneumologia — uma das áreas mais procuradas por conta das lesões decorrentes da inalação da fumaça tóxica —, o índice de faltas preocupa: 15,2% em 2013 e 24,9% no ano seguinte. O mesmo ocorre em especialidades como fonoaudiologia e oftalmologia.



Os especialistas não estranham o sumiço dos sobreviventes. A médica Elaine Resener, superintendente do Husm, diz que o resultado, em parte, é decorrência da melhora gradual dos doentes.

— Eles sentem que estão mais saudáveis e simplesmente abandonam o tratamento. Quando fazem isso, muitos esquecem de desmarcar as consultas agendadas. O problema é que o envenenamento por fumaça é crônico. A pessoa precisa monitorar por toda a vida seu quadro clínico, que pode piorar de uma hora para outra. Tenho um filho que também estava na Kiss e reluta em se tratar — lamenta Elaine.

Outra explicação para as ausências relaciona-se à faixa etária predominante entre as vítimas. Quase todas são jovens e tendem a "se sentir imortais", diz Elaine. Visando a reverter as taxas de abandono, o Ciava passou a telefonar para as vítimas e seus familiares, a fim de que voltem ao tratamento.

— Mas muitos dizem: 'Me deixa em paz, não quero mais saber disso'. São casos de pessoas com depressão, que ainda não se deram conta (da doença). Nosso desafio é superar o problema — conclui Elaine.

Medicamentos, a principal queixa

Entre os sobreviventes que sofrem com doenças físicas e psíquicas decorrentes do incêndio, a principal queixa envolve contratempos na obtenção de alguns medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É o caso da estudante Shelen Rossi, 21 anos.

Ela conseguiu escapar da morte na danceteria, mas não sem sequelas. Sofreu queimaduras nos olhos e desenvolveu problemas pulmonares, neurológicos e psicológicos. É uma das pacientes que dizem enfrentar dificuldades para obter medicação no Centro Integrado de Atenção às Vítimas de Acidentes (Ciava).

— Tenho crises de enxaqueca e preciso de um remédio que não está disponível. Sou obrigada a gastar R$ 80 por mês. Também preciso de um antidepressivo, mas só consigo graças a um vizinho que é médico e que me dá amostras grátis — diz Shelen.

Outro problema relatado é a demora na marcação de algumas consultas. O sobrevivente Laurício da Fonseca, 22 anos, diz ter feito um exame no hospital universitário que detectou manchas em seus pulmões. Para ver um médico e saber de que se tratava, teria de esperar 40 dias. Desistiu.

— Fiquei muito preocupado e decidi procurar um médico particular, porque não queria esperar. Por sorte, não era nada grave — afirma Fonseca.

A gerente de Atenção à Saúde do Hospital Universitário de Santa Maria, Soeli Guerra, encara as queixas com serenidade. No caso dos fármacos, reconhece que nem todos os rótulos prescritos são oferecidos de forma gratuita, mas garante que as medicações padronizadas são disponibilizadas — e chegam até a sobrar, porque muitos pacientes não comparecem para retirar.

Quanto às consultas, Soeli afirma que cada caso é classificado conforme a gravidade, e isso determina a frequência das consultas. É por isso, argumenta a gerente, que algumas vítimas conseguem ser atendidas com presteza e outras não.

Os processos na Justiça

Menos de dois meses depois da tragédia, a Polícia Civil indiciou 28 pessoas como responsáveis de alguma forma pelo incêndio. Dias depois, o MP denunciou oito pessoas. No momento, ninguém está preso. Confira como estão os processos.

22/3/2013
Inquérito policial responsabiliza 28 pessoas.

2/4/2013
MP denuncia à Justiça oito pessoas: quatro (sócios e integrantes da banda) por homicídio doloso qualificado por fogo, asfixia e motivo torpe e tentativa de homicídio de 636 feridos e quatro por fraude processual e falso testemunho.

3/4/2013
A Justiça aceita a denúncia e começa a tramitar o processo criminal.

26/6/2013
Começa a fase de instrução do processo com as acusações de homicídio. Ao todo, 114 sobreviventes são chamados a depor, inclusive em audiências realizadas fora do Estado.

22/5/2014
Inicia-se a segunda fase do processo, com 16 testemunhas de acusação.

16/9/2014
Escolhidas pelos advogados dos réus, 51 testemunhas de defesa são convocadas para depor. Essa é a fase atual do processo e deve ir até março, mas pode se estender.

5/12/2014
MP denuncia 43 pessoas por falsidade ideológica e falso testemunho.

Ainda sem data prevista
Quando forem concluídas as audiências com as testemunhas de defesa, será o momento de ouvir 24 peritos e, por último, os réus. Na sentença, o juiz escolherá uma entre quatro opções: a pronúncia (que leva a júri popular), a impronúncia (o processo é encerrado por falta de materialidade do crime), a desclassificação (de doloso para culposo e julgado pelo juiz) ou a absolvição sumária.

DOIS ANOS DE BOATE KISS, SEQUELAS E LENIÊNCIA DA JUSTIÇA

G1 FANTÁSTICO Edição do dia 25/01/2015

Sobreviventes e parentes das vítimas da Boate Kiss vivem com sequelas. Sem que haja nenhuma condenação dois anos depois do incêndio, a queixa maior é pela demora do julgamento.



As sequelas de uma tragédia. O Fantástico foi a Santa Maria, no Rio Grande do Sul, reencontrar os sobreviventes do incêndio da Boate Kiss.

São mais de 800 pessoas que carregam, no corpo e na alma, o trauma daquela noite. A maioria vive escondida e se recusa a pedir ajuda. Na terça (27), uma das maiores tragédias da história do Brasil completa dois anos: 242 jovens morreram e até hoje ninguém foi condenado.

“A impressão que eu tenho é que eu vou olhar pra rua e vou ver ela chegando,” diz Marilene dos Santos, mãe de vítima do incêndio da Boate Kiss.

Como se não bastasse a falta, o trauma.

Essa outra mãe, Teresinha Chagas, conta:
“Eu não consigo dirigir mais no movimento, quando tem muito carro. Se eu vejo barulho de sirene, ambulância, alguma coisa, eu passo mal.”

Os pesadelos.

Juliano, sobrevivente: São uns sonhos bem fortes assim, não acreditava naquilo ali.
Fantástico: Sonhos envolvendo morte e incêndio?
Juliano: Morte. Eu vi coisa que eu não vi na hora lá.

Os ecos de uma noite terrível: “As vozes, as vozes. De pedido de ajuda, de choro, enfim, de desespero”, conta Camille Kirinus Reghelin.

“A pessoa pode ter uma revivência, um flash back dessas alucinações. São vozes que ficaram na memória de forma traumática e que, em determinados momentos, ainda a atormentam”, diz o psiquiatra Gustavo Salvati.

Dois anos depois, uma fachada lacrada e vigiada é apenas a lembrança mais visível das dores de que a cidade ainda tenta se curar.

“Esses filhos, esses jovens, não eram filhos apenas destas famílias, eram filhos e habitantes de Santa Maria. Eles estudavam na cidade, eles locavam imóveis, eles faziam compra no comércio”, comenta o psicanalista Volnei Antônio Dassoler.

Foi na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Um domingo. A maior tragédia da história do Rio Grande do Sul. O incêndio da Boate Kiss matou 242 jovens.

No mesmo dia, em meio ao caos e à comoção, começava a ser montado um atípico serviço de saúde em que os profissionais tinham de lidar com sua própria perplexidade.

“Quando aconteceu o desastre, nós nos vimos atordoados sem ter muitas direções de como seguir”, lembra Volnei.

A experiência acumulada por centenas de profissionais em dois anos de atendimento a parentes de vítimas e sobreviventes resultou no Acolhe, um serviço público de saúde mental como nenhum outro.

“A gente tinha pouca literatura sobre um desastre humano. Foi um conhecimento construído a partir da prática de outras experiências”, conta o psiquiatra Gilson Mafacioli.

Entre as estratégias, reuniões informais de parentes das vítimas, onde há busca de conforto em quem se reconhece na mesma dor.

“Eu fico com saudades de estar com eles. Como se eles me aproximassem do meu filho até mesmo”, diz Marise Dias, mãe de uma vítima.

Sem que haja nenhuma condenação dois anos depois do incêndio, a queixa maior é pela demora do julgamento.

“Nós somos seres iguais e individuais. Cada um tem sua crença, cada um pensa de uma forma. Um quer Justiça, o outro não quer. Ao mesmo tempo que você não quer Justiça, você não pode dizer que eu não posso procurar. Sou um cidadão, pago minhas contas, não devo nada a ninguém. Então eu vou cobrar Justiça”, explica o pai de uma vítima, Sérgio da Silva.

Apesar disso, o Acolhe reúne pequenas vitórias entre os quase mil pais, mães e irmãos das vítimas.

“Conseguiram retomar sua rotina. Trabalham, estudam, viajam, namoram, saem, criam seus filhos, casam. Mas isso ainda é feito, por muitos, com um certo peso, com um certo fardo”, conta Volnei.

O fardo de Sérgio é brigar por Justiça. Consertar carros ajuda a ocupar a cabeça. Mas a pergunta de um cliente o tirou do sério: “Aonde é que nós queríamos chegar com isso? Eu disse assim: Se tu tivesses perdido um filho, tu ias saber, eu disse para ele”, conta Sérgio Soares.

A última lembrança da filha são as fotos que ela mesma tirou dentro da boate minutos antes de morrer. Sérgio e a mulher não abrem mão da visita ao Acolhe.

Fantástico: Toda semana?
Marilene de Oliveira dos Santos: Toda semana. Se não fosse, para mim, psicólogo e psiquiatra, acho que eu não tava aqui.

Livrar-se da sensação de apatia exigiu esforço tremendo de Teresinha Chagas: “Parece que eu tava dentro de uma caixa de vidro. Eu via as pessoas, eu via tudo passar, e parecia que eu não tava ali, dentro do mundo.”

Com a ajuda do psiquiatra, ela passou a lidar de outra forma com a memória do filho:

“Eu estou pela metade de mim. Mas eu acho que eu ainda estou aqui, eu estou vivendo, eu preciso fazer alguma coisa por mim, pela minha vida, pela vida das pessoas que estão ao meu lado.”, resume.

Mas se os parentes das vítimas procuram ajuda, falar com um sobrevivente é tarefa dificílima.

Manoela Lüdtke: Sim, eu sei que é difícil para vocês. Então está bem, não tem problema. Um abraço então, até sexta. Um abraço. Tchau.
Fantástico: Ele não quer?
Manoela: Não. Ele não quis. Ele disse que é uma história bem difícil pra família dele e ele prefere não se expor agora.

Alguns recebem o Fantástico, sob condições.

Fantástico: Ela está aí?
Mirela Sanfelice, psicóloga: Sim.
Fantástico: Ela aceita conversar com a gente?
Psicóloga: Aceita, mas sem a câmera.
Fantástico: Ela não quer gravar?
Psicóloga: Não.
Fantástico: Posso entrar?
Psicóloga: Sim.

No consultório, uma moça com queimaduras severas pelo corpo diz que prefere o silêncio.

“Não se mostram, não falam que são sobreviventes, e eles não conseguem se expor na cidade. Porque, às vezes, as perguntas, ou a comoção, ou os colocarem no lugar de vítima acaba sendo muito invasivo”, explica a psicóloga Maria Luiza Pacheco.

A estratégia do Acolhe foi mapear todos os sobreviventes: 866 foram identificados; 469 foram localizados. Ainda que não queiram ajuda, o serviço já sabe onde cada um deles mora. Se mudarem de ideia, podem ser imediatamente atendidos pelas Unidades de Saúde Básica de cada bairro.

Essa equipe de agentes de saúde pertence a uma unidade de atendimento da periferia de Santa Maria responsável pelo acompanhamento de dez sobreviventes. O papel dela é ver como eles estão. É um trabalho difícil, que encontra muita resistência, mas a orientação é respeitar o direito que essas pessoas têm de, inclusive, não se submeter a tratamento algum.

Mas se há recusa, há também adesão e cura. Juliano e a namorada estavam na boate na noite do incêndio. Cada um encara de um jeito.

Fantástico: Você acha que ela lida com isso tão bem quanto você?
Juliano da Silva, sobrevivente: Olha, eu acho, é que ela é muito fechada, sabe? Ela não é muito de falar, ela não gosta. Nem de ir nesses locais, assim, às vezes tem missa, dos familiares que perderam, ela não gosta de ir porque é triste.

Juliano estuda e trabalha. Passou quase dois meses no hospital. A terapia o fez aceitar as queimaduras de seu corpo.

Fantástico: Tem gente que não gosta de mostrar. Muitos dos queimados botam camisa de manga comprida. Você não. Está usando, normal, manga curta.
Juliano: É, eu até tenho a opção de fazer a cirurgia pelo hospital lá. Mas eu optei por não fazer. É uma opção de estética. Não me incomodo nada.

Camille Kirinus Reghelin ficou em coma e teve lesões pulmonares. “Existe um divisor de águas, da Camille antes e depois da Kiss”, diz.

A Camille de depois sente até hoje os efeitos da fumaça tóxica. “Deixa eu respirar um pouquinho”, pede.

Mas o pior para ela, era enfrentar o pânico de lugares fechados. “Eu queria interromper aquele sofrimento. E eu reconheci que sozinha eu não ia conseguir”, conta.

Procurou o Acolhe, fez terapia. Mas o grande teste foi a câmara escura de uma aula da faculdade de biomedicina.

“Eu fiquei com muito medo de entrar. Mas eu pensei: se eu não encarar isso eu não vou seguir adiante. E eu pensei: a minha vida não pode parar. Lá dentro, nos primeiros momentos, eu senti todo aquele medo, aquele pavor. Mas depois foi amenizando, e eu consegui racionalizar, consegui pensar: não, eu estou na minha aula, eu quero me formar, e eu preciso fazer essa disciplina. E eu enfrentei. E aquilo me ajudou muito. E aquilo, eu decidi, depois que eu saí daquela aula, eu decidi que eu ia fazer isso com tudo, todos os desafios que viriam. Encarar, fechar os olhos e enfrentar”, conta Camille.

Na faculdade inteira, teve a solidariedade dos colegas, até o dia da formatura.

“Foi muito emocionante! Eles foram mais que amigos, foram irmãos”, conta Camille.

Camille já está trabalhando como biomédica. A história dela e dos outros pacientes do Acolhe vão virar um livro que será publicado no fim do ano e que vai servir de referência para tratamento de vítimas de tragédias.

“Como se trabalhar, como se produz conhecimento, e como se produz vida a partir de algo tão difícil que é a morte,” resume a psicóloga Maria Luiza Pacheco.

“O que aconteceu ninguém vai esquecer. As perdas, as pessoas, não, isso nunca será esquecido. Mas o sentimento que tu tens pode ser transformado,” conclui Camille.

domingo, 25 de janeiro de 2015

APÓS DOIS ANOS DE KISS, LEIS ESBARRAM NA BUROCRACIA, BRECHAS E ENGAVETAMENTO

ZERO HORA 24/01/2015 | 13h02

por Adriana Irion

Kiss, 2 anos. Leis criadas para prevenir incêndios como o da Kiss ainda não trazem resultado. No Estado, aprovada às pressas em dezembro de 2013, legislação esbarra em burocracia e há brechas para interpretações. No Congresso, norma federal está engavetada



Após limpeza da boate, em 2014, familiares pintaram fachada de preto e mantiveram porta branca Foto: Andréa Graiz / Agencia RBS


Ela foi a primeira a sentar no banco dos réus como culpada pelas 242 mortes no incêndio da boate Kiss. Mal a tragédia completara 24 horas e autoridades apontavam em entrevista coletiva, em Santa Maria, a legislação de prevenção a incêndio como responsável. Ou melhor, irresponsável. Assim, o então governador Tarso Genro (PT) definiu a lei em vigor: débil e irresponsável.

A partir da célere definição, desencadeou-se um longo processo de discussão para criação de novas leis – uma estadual e uma federal. Dois anos depois, a norma feita em Brasília e aprovada na Câmara – do deputado Paulo Pimenta (PT) – em abril do ano passado está em uma gaveta no Senado, esperando acordo da presidência da Casa com líderes para entrar em pauta de votação.



– Não chamo de tragédia. Foi um ato criminoso, e dois anos se passaram sem que a lei seja aprovada. Só posso acreditar que tem algo errado. Que atuaram forças ocultas, o lobby de grandes empresas do setor – indigna-se o senador Paulo Paim (PT), que foi relator da lei na Comissão de Direitos Humanos do Senado e faz pressão pela votação.

No cenário estadual, a chamada Lei Kiss, do deputado Adão Villaverde (PT), foi aprovada na Assembleia no apagar das luzes de 2013, às pressas, para marcar presença quando as homenagens de um ano pela tragédia ganhassem as ruas. Sofreu reformulação em julho de 2014, vista por alguns como uma “flexibilização” forçada por prefeituras e empresas. Em novembro, houve outra mudança aprovada no Legislativo, mas vetada por Tarso. O veto ainda tem de ser apreciado pela Assembleia.

Hoje, na prática, a nova lei ainda pouco interfere no tão buscado processo de prevenção para prédios já existentes. Isso ocorre porque os prazos dados pela lei para adequação são longos, chegando a 60 meses para que todos os itens de segurança previstos estejam contemplados no imóvel. Além disso, o Corpo de Bombeiros calcula que só em Porto Alegre existam até 120 mil prédios que deveriam ter Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio (PPCI), mas apenas 32 mil estão regularizados.

– Os sistemas previstos na nova lei para prédios que estão sendo construídos estão valendo, podemos cobrar 100%. Mas para os prédios existentes, que são a maioria, não. A lei fracionou os prazos. Somente a partir da conclusão de resoluções técnicas é que vamos conseguir cobrar. Para casas noturnas, não há exceção. O rigor com essas já está valendo – afirma o tenente-coronel Adriano Krukoski, comandante dos bombeiros em Porto Alegre e membro técnico do Conselho Estadual de Segurança, Prevenção e Proteção contra Incêndio.

O conselho é o órgão com responsabilidade por criar as resoluções técnicas que vão orientar a aplicação do que diz a legislação. Até o momento, cinco resoluções foram colocadas no papel e aprovadas pelo conselho, mas nenhuma foi publicada para entrar em vigor.

A questão do "preferencialmente"

Fácil lembrar de uma das mais debatidas falhas encontradas na Kiss: a falta de saída de emergência. O Corpo de Bombeiros defendia ter dado liberação para a boate com base na norma que diz que as portas de emergência devem “preferencialmente” estar em lados opostos. O raciocínio era simples: preferencialmente não é igual a obrigatoriamente. Então, a Kiss estava, para eles, adequada com uma única porta. Já a investigação do incêndio, baseada em minuciosas perícias, apontou a falta de mais portas como uma das razões para tantas mortes terem ocorrido.

– Isso (a tragédia) pode se repetir se medidas rápidas não forem tomadas não somente pelas prefeituras na fiscalização como também reformas normativas importantes, para deixar claras as responsabilidades. Onde diz coisas dúbias, como por exemplo “preferencialmente”. Uma norma nunca pode dizer isso, porque o “preferencialmente” já é uma oportunidade de evasão para o administrador – afirmou Tarso em janeiro de 2013.

Dois anos depois, ainda está em vigor o “preferencialmente”. A resolução técnica que trata do tema das saídas de emergência ganhou 87 páginas de sugestões do conselho estadual e ainda não está valendo.

Outro longo capítulo de debates jurídicos e políticos deve ocorrer se a lei nacional for aprovada como está. O texto remete a resolução para normas brasileiras, que estariam acima das estaduais. Desta forma, todo o trabalho que vem sendo feito para moldar resoluções técnicas para a nova lei estadual cairia por terra. E o tempo de mudanças normativas urgentes, a fim de evitar novas tragédias, vai se alongando.

A CRONOLOGIA DA LEI KISS ESTADUAL

- A Lei Kiss foi aprovada pela Assembleia Legislativa em 11 de dezembro de 2013 e sancionada dia 26, um mês e um dia antes de a tragédia completar um ano.

- Passou a vigorar em meio às férias e à Operação Verão, quando os efetivos são reduzidos.

- Em fevereiro 2014, para não parar o trabalho de prevenção, os bombeiros emitiram instrução normativa com orientações sobre como aplicar a nova lei. Também criaram grupo de trabalho para formular as resoluções técnicas necessárias para regulamentar a lei, mas as resoluções precisavam ser aprovadas por um conselho que sequer existia.

- Em maio de 2014, foi criado por decreto do governador o Conselho Estadual de Segurança, Prevenção e Proteção contra Incêndio, composto por 10 representantes do Executivo e nove de outras entidades. O conselho se reúne uma vez por mês. Ocorreram cinco reuniões, e cinco resoluções aprovadas aguardam publicação pelo governo.

- Em junho de 2014, a lei foi alterada. Houve quem considerasse que foi “flexibilizada” por pressão de empresas e de prefeituras.

- Em setembro de 2014, foi publicado decreto para regulamentar os dispositivos da Lei Kiss, mas até hoje ainda não há resolução técnica nova sendo aplicada.

- O item “saídas de emergência” foi um dos mais debatidos depois da tragédia na Kiss, pelo fato de a lei em vigor remeter para uma norma da ABNT (9077) que diz que as portas devem ser “preferencialmente” em lados opostos. Ou seja, a lei deixa brecha para interpretações, não obriga que as portas sejam opostas. Na Kiss, não eram. E hoje, dois anos depois da tragédia e mesmo existindo uma nova lei, ainda está em vigor essa norma (menos em cidades que tenham uma lei com determinação mais rigorosa em relação às portas). A lei de Porto Alegre, por exemplo, determina portas em lados opostos ou separadas por uma distância de três metros.

- Em novembro passado, nova alteração na lei foi aprovada pela Assembleia, permitindo que estabelecimentos com mais de 750 metros quadrados pudessem ter apenas PPCI simplificado. Pelo projeto, ginásios e CTGs seriam beneficiados. O projeto foi vetado pelo então governador Tarso Genro. O veto tem de ser apreciado pela Assembleia a partir de 1º de fevereiro, pois tranca a pauta.

ENTENDA CADA PASSO PARA A LEI FUNCIONAR

Lei
- A legislação diz os itens que os estabelecimentos devem ter. Por exemplo: extintor.

Regulamentação
- Diz que o extintor vai ser do tipo e instalado da forma que a Resolução Técnica determinar.

Resolução Técnica
- Detalha o tipo de extintor, quantidade e distâncias para ser instalado em cada estabelecimento, por exemplo. É a resolução que dá todas as orientações sobre cada item previsto na lei.

- A lei Kiss, aprovada e sancionada em dezembro de 2013, ainda não tem resoluções técnicas próprias valendo. Ela funciona com remissões a resoluções já usadas à época da tragédia (normas brasileiras) ou a resoluções dos bombeiros de São Paulo.

DEMANDA PARA ANÁLISE DE PPCIs

- A nova lei criou exigências sem que o efetivo dos Bombeiros aumentasse. Com isso, é maior o tempo de análise de documentos e vistorias.

- Em Porto Alegre, para quem já tinha PPCI e precisava apenas renovar alvará, o prazo era de 20 dias. Agora, é de dois meses. Para quem nunca teve PPCI, o prazo que era de 20 dias passou para seis meses.

A LEI NACIONAL

- Em 29 de janeiro de 2013, foi anunciada criação de uma comissão na Câmara dos Deputados para discutir a legislação sobre prevenção a incêndio.

- Em julho de 2013, o projeto de lei 2.020/07, com alterações, foi proposto pela Câmara e aprovado em plenário em abril de 2014.

- Tramita no Senado Federal desde 16 de abril de 2014.

- Em 13 de novembro, foi para a Comissão de Direitos Humanos e, em 10 de dezembro, aprovado.

- Agora, aguarda inclusão em pauta para votação no plenário.

- Se aprovada como está, a lei deve interferir na nova legislação estadual: uma vez que prevê que a regulamentação deve ser feita com base em normas brasileiras e não estaduais. Dessa forma, todo o trabalho que está sendo feito no Estado para aprovação de resoluções seria perdido.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

HERÓIS E ANTI-HERÓIS



ZERO HORA 22 de janeiro de 2015 | N° 18050


HUMBERTO TREZZI*



Eu vi um bombeiro chorar. Foi em Santa Maria, na semana passada, às vésperas dos dois anos da maior tragédia gaúcha, o incêndio na boate Kiss. O sargento embargou a voz e fechou o semblante, deixando as lágrimas escorrerem pelo rosto. Queria desabafar aos jornalistas.

Chorou pelas 242 vítimas, que não pôde salvar. Por nunca ter recebido agradecimento. E por ter sido um dos crucificados no festival de irregularidades que marcou essa tragédia.

O bombeiro que chorou não é um dos que vistoriaram e liberaram a boate para funcionar, mesmo ela sendo uma armadilha, um bloco de concreto com uma só saída que virou túmulo de centenas. Não. O sargento estava na linha de frente do combate ao fogo, mas acabou sob suspeita de não ter feito tudo o que podia. De não entrar na boate nem ter impedido que voluntários corressem risco de vida (alguns morreram ao ingressar no inferno da Kiss).

Você entraria, sabendo que ninguém saía consciente dali? Com a fumaça tóxica desencadeando tosse e atordoando quem a desafiava? Sei bem como é, fui treinado em brigada de incêndio.

Alguns bombeiros entraram em meio ao breu e à fumaceira, vi os vídeos. Outros ficaram no apoio, fornecendo água. Faltou equipamento para tanta tragédia. Era época de férias e o contingente estava reduzido. Humanos, os bombeiros não barraram voluntários: ficaram gratos diante de tanta ajuda inesperada e bem-vinda. Não sabiam até que ponto a Kiss era arapuca mortífera.

O militar que entrevistei abriu buracos no prédio, foi engolfado pela nuvem química e ainda ajudou a carregar corpos. Dias depois, ao ouvir na TV que bombeiros se omitiram no cumprimento do dever, o filho do sargento – esse do desabafo – perguntou:

– Pai, você deixou mesmo aquelas pessoas morrerem?

Então o sargento viu que de herói virara anti- herói. Chorou várias vezes desde então. Mesmo depois de ser inocentado, quando o Ministério Público considerou que ele não cometera delito. Faltava o desagravo da opinião pública, que aqui está. Isso não significa igualar todos os bombeiros. Alguns deixaram que a danceteria funcionasse, mesmo sem saídas de emergência, com espumas inflamáveis inadequadas, janelas vedadas, extintores vencidos e luzes de emergência apagadas. Outros tinham firmas para fazer laudos técnicos a quem pagasse (a Kiss pagou e permaneceu aberta). Esses ainda devem muita explicação. Especialmente aos familiares dos 242 mortos.

*Jornalista, repórter especial de ZH