Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

terça-feira, 2 de junho de 2015

DOR E IMPUNIDADE



ZERO HORA 02 de junho de 2015 | N° 18181


LÚCIO CHARÃO




Já perdeu algum familiar próximo? Tenho 28 anos e meu pai morreu há 11. Já perdi outros parentes próximos e o luto – e suas várias fases – de dar adeus a meu pai demorou a passar. Foi cedo que ele partiu, mas, na dita lógica da vida, os filhos ficam e os pais se vão. Imagine, porém, um pai ou uma mãe que tem de enterrar um filho que morreu de forma trágica. Seria a lógica da vida? Não.

Esse foi um dos primeiros sentimentos que tive ao saber que uma boate pegou fogo e matou 242 pes- soas, a maioria jovens universitários da cidade em que nasci, cujos pais e mães tiveram de dar adeus para seus bens mais preciosos em um caixão. Reconhecê-los, deitados lado a lado, em um ginásio.

Até agora, a justiça não foi feita. A sensação de perder um ente querido é irreparável. Um alento aos familiares e sobreviventes do incêndio da boate Kiss seria ver algum dos acusados pela tragédia responsabilizado pela Justiça. Mas até agora ninguém foi.

Nesta terça, ao pensar em sentenças, há um fio de esperança no longo novelo de luto e dor que envolve centenas de familiares de vítimas de Santa Maria e outras cidades do Estado. Ao falar em impunidade, retomo brevemente três pontos:

1) Quatro meses e dois dias após a nuvem de fumaça pairar sobre a casa noturna do centro da cidade, os quatro principais réus do processo criminal, acusados de 242 homicídios dolosos e outras centenas de tentativas – foram soltos. Uma das principais alegações do magistrado, que à época vivia em Porto Alegre, ao assinar a soltura dos réus era de que a cidade não vivia mais o momento de clamor público. Não? Posso apostar que ele nunca pisou na Boca do Monte.

2) A cada mês, conforme ZH apresentou em sete páginas no dia 25 de janeiro deste ano – às vésperas dos dois anos da tragédia –, novas vítimas surgem. A fumaça ainda não cessou. Ainda espalha feridos, inocentes que queriam apenas curtir uma noite com amigos, ou até mesmo profissionais que atuaram no resgate dos que estavam dentro daquela arapuca e desenvolvem doenças como depressão ou enfisema.

3) As próprias leis, inócuas, servem para fazer perdurar o sentimento de impunidade. Ainda a velha Constituição, com raras atualizações e as normas anti- incêndio, de eficácia deficiente devido à fiscalização.

Então, que nesta semana, na Justiça Militar de Santa Maria, caso alguém – no caso, os bombeiros – saia condenado, será um breve alívio. Porque a dor e a impunidade ainda acompanharão esses pais, mães, avós, amigos, professores, todos que, de alguma forma, foram atingidos pelas chamas da Kiss.

Jornalista, editor de Zero Hora 

Nenhum comentário:

Postar um comentário