Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

NÃO DÁ PARA ESQUECER

ZERO HORA 27 de fevereiro de 2013 | N° 17356

EDITORIAIS


Nada vai atenuar a dor dos pais e mães que ficaram órfãos de seus filhos em Santa Maria naquele domingo trágico de janeiro.

Palavras, homenagens, manifestações, reportagens e até mesmo eventuais responsabilizações dificilmente reduzirão o sofrimento e a saudade de parentes, amigos, professores, colegas ou mesmo simples conhecidos dos jovens que tiveram suas vidas interrompidas de forma tão brutal.

Mas a Justiça precisa ser feita, porque ela é a única maneira de se dar sentido para um acontecimento tão estúpido e desconcertante. E basta um breve olhar para as causas da tragédia para se ter certeza de que não foi uma fatalidade – foi, isto sim, um crime inominável, conjugação de desleixos, ganâncias, desprezo às leis e às normas de segurança, exibicionismo irresponsável, negligência do poder público, leniência dos órgãos fiscalizadores e total falta de memória de todos em relação a sinistros semelhantes que ocorreram em outras latitudes.

Não pode acontecer mais, nem aqui, nem em qualquer outra parte do mundo. Por isso, se registram o fato, a dor e o andamento das investigações um mês depois da sua ocorrência. Por isso, se exigem apuração rigorosa e punição exemplar para os culpados. Por isso, estamos voltando a um assunto que preferíamos nunca ter noticiado. Dói relembrar o que muita gente gostaria de esquecer. Mas doerá mais se fingirmos que nada aconteceu, pois assim os erros não serão corrigidos e logo teremos outras desgraças para chorar. Não vamos nos omitir. Não vamos esquecer. Não vamos deixar que os responsáveis fiquem impunes.

Porém, da mesma forma como procuramos tratar do infausto acontecimento com total respeito às vítimas, a seus familiares e amigos, queremos continuar acompanhando com atenção e responsabilidade as investigações e as providências que estão sendo tomadas pelas autoridades. Neste sentido, estamos registrando hoje, em reportagens especiais nos nossos veículos, não apenas as homenagens de Santa Maria pela passagem do primeiro mês da tragédia, mas também o estágio da investigação policial, das ações judiciais e das demais iniciativas relacionadas ao caso.

Mais: na próxima sexta-feira, apresentaremos o programa multimídia Painel RBS com a participação de representantes da Secretaria de Segurança, do Ministério Público, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, da prefeitura de Santa Maria, da associação de familiares das vítimas e de especialistas que possam lançar luzes sobre as investigações e a prevenção de novas tragédias. Nosso propósito é contribuir, por meio de um debate civilizado e consequente, para o aperfeiçoamento da legislação e para a disseminação de comportamentos que efetivamente protejam a vida.

Um mês, ainda que carregado de perplexidade, é um período muito curto para todas as mudanças que o país precisa fazer para garantir a segurança de seus cidadãos. Mas é um período suficiente para evidenciar as lições que precisam se aprendidas.

Uma dor dessas não pode ser esquecida em um mês. Nem em 10 anos (como mostra emblemático artigo publicado ao lado). Nem nunca.

Mas pode ser transformada em ações práticas para que jamais volte a dilacerar os corações de pais e mães que geram os seus filhos para o sublime dom da vida.

Vamos fazer isso.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

ESTUPIDEZ FATAL


ZERO HORA, 21/02/2013

EDITORIAL

Os danos causados pelo uso irresponsável de fogos de artifício não podem ser considerados fatalidade, mas sim a consequência de uma estupidez. Da mesma forma, não é inteligente nem aceitável a omissão das autoridades na vigilância e no controle de instrumentos que podem provocar mortes e tragédias, como ocorreu na última quarta-feira no episódio que vitimou um torcedor boliviano e como já havia ocorrido no terrível incêndio da boate de Santa Maria.

Quando alguém aciona um sinalizador pirotécnico num ambiente fechado ou em meio a uma multidão, está assumindo o óbvio risco de causar danos. Não existe outra possibilidade, pois esses artefatos têm potencial para queimar, ferir e até mesmo para matar, como se constatou tristemente na cidade de Oruro, onde torcedores brasileiros provocaram a morte de um jovem boliviano de 14 anos. No Brasil, o uso de fogos de artifício é proibido em estádios de futebol, mas todas as torcidas levam para as arquibancadas os chamados sinalizadores pirotécnicos, criados para emitir luz ou fumaça colorida com o propósito original de facilitar a localização de pessoas em situação de isolamento.

São igualmente perigosos, pois na maioria das vezes possuem material inflamável e explosivo. Portá-los ou acioná-los no meio de uma multidão são atos absolutamente irresponsáveis, que merecem repreensão e punição.

Mesmo em celebrações tradicionais, como as festas de fim de ano, o uso de fogos de artifício tem que ser rigorosamente controlado. Existe legislação específica para isso _ o que não existe é fiscalização suficiente nem uma cultura de segurança por parte da população, que deveria denunciar abusos e riscos, até mesmo para sua própria proteção. Na realidade, porém, há pessoas que usam até mesmo armas de fogo para fazer barulho e chamar a atenção em momentos de celebração coletiva.

A única explicação para este comportamento deletério está na frase célebre do cientista Albert Einstein: "Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta". Somos falíveis, cometemos erros, muitas vezes calculamos mal os movimentos de nossas vidas. Mas nada justifica a exposição gratuita e irracional a situações capazes de provocar tragédias e causar danos irreparáveis a terceiros.

Para isso, para prevenir que indivíduos com comportamentos desviantes causem prejuízos à sociedade, existem as leis e as autoridades. A responsabilização posterior se impõe, até como forma de atenuar o sofrimento dos familiares e amigos das vítimas da insensatez. Mas o importante é prevenir, é evitar que fatos deploráveis se repitam _ e não há outro caminho senão o da fiscalização implacável e proibição de uso de equipamentos potencialmente causadores de danos.

Fogos de artifício, bombas, foguetes, sinalizadores explosivos não combinam com o futebol, nem com qualquer espetáculo que reúna grande público. Se a estupidez humana é infinita, como alertou o cientista, que pelo menos se tente torná-la menos letal.

ALÉM DOS ALVARÁS

ZERO HORA 23 de fevereiro de 2013

EDITORIAL


O reduzido número de casas noturnas e bares de Porto Alegre que apresentaram alvará de prevenção contra incêndio no prazo exigido pela administração municipal _ 21, de um total de 102 estabelecimentos _ é chocante e consistente para reforçar no nível de preocupação em relação a essa ameaça. Ainda assim, a irregularidade precisa ser tratada com pragmatismo, que congregue rigor e sensatez. Em nova ofensiva realizada ontem, a Prefeitura da Capital fez uma série de interdições, num indicativo de que não está disposta a transigir neste momento. É preciso muito mais do que ações desse tipo, porém, para a sociedade voltar a se sentir tranquila em relação à sua segurança física em espaços públicos de lazer.

Mesmo que as inspeções venham a ser realizadas de forma rotineira daqui para a frente, devido ao temor da repetição de tragédias como a de Santa Maria, ainda há muito a ser feito. Por falta de servidores em número suficiente, por exemplo, as investidas são feitas por amostragem. Além disso, há divergências entre as leis estadual e municipal até mesmo quanto à capacidade máxima de pessoas por metro quadrado. E, para complicar mais ainda, a validade dos documentos exigidos vence em prazos diferenciados e, em alguns casos, há margens para ambiguidade.

O fato é que, se a documentação não está em dia devido à burocracia dos órgãos públicos, os comerciantes devem receber prazo para se adaptar _ a não ser quando a fiscalização constatar riscos efetivos para os frequentadores. Da mesma maneira, casas que estiverem em dia com a documentação, mas que sofreram alterações com potencial para comprometer de alguma maneira a segurança, precisam ser autuadas.

O essencial é que, daqui para a frente, prevaleça o bom senso nesses casos. A advertência vale tanto para órgãos públicos quanto para responsáveis por casas noturnas, que na medida do possível precisam ter sua atuação vigiada de perto pela clientela.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - As mortes de jovens na tragédia de Santa Maria vêm servindo para  escancarar as mazelas da Defesa Civil no Brasil, onde atos de descaso, deszelo, negligência, imperícia e  improbidades colocavam a vida de todos em perigo. Além dos entraves promovidos para aqueles empresários verdadeiramente responsáveis, a existência de autoridades lenientes, leis fracas, justiça tolerante. burocracia e interesses privados por lucro abriam locais de risco para as vida e saúde de pessoas que buscam o lazer e a diversão, o relacionamento e a convivência em sociedade.  

SOBRE OBVIEDADES

ZERO HORA 25 de fevereiro de 20130

Se obscurecermos o óbvio pelo
temor à simplicidade, entraremos na
fila de suas próximas vítimas

JAYME EDUARDO MACHADO*

Há uma óbvia identidade entre as tragédias na boate de Santa Maria e no estádio de futebol da Bolívia: o fogo como brinquedo. Até seria possível afirmar _ embora sem qualquer possibilidade de prova _ que dentre os três chamados elementos naturais, nem o ar nem a água contabilizam mais tragédias do que ele. Exatamente porque é com ele que o homem mais gosta de brincar. Desde que o suposto primata das gravuras que nossos professores nos mostraram na escola acocorou-se para friccionar aqueles pauzinhos aquecendo-os até a incandescência. A continuação daquela imagem mítica _ que seria o nosso ancestral instintivamente atirando a água do riacho ao lado para apagar o incêndio e resfriar a queimadura nos dedos _ nunca foi mostrada talvez por pertencer ao mundo das obviedades. Que geralmente não são mostradas para não ferirem a inteligência de quem não as percebe (?).

Uma delas é que as grandes tragédias, por produzirem muitas vítimas, exigem custosas investigações. Também para que o rigor que faltou na prevenção, apareça na fase persecutória e repressiva, recuperando, em parte, um pouco da imagem das autoridades responsáveis. E, no modelo da característica contemporânea de vida que o escritor Mario Vargas Llosa rotulou de "civilização do espetáculo" _ tomando-se todo o cuidado para não ser autuado pelos fiscais do politicamente correto _ do inocente espetáculo de jovens festejando a vida que o fogo queimou, estamos vivenciando o que nos é proporcionado pelos que diligenciam nas apurações. O último ato _ quem sabe ainda haverá outros _ é o do promotor do norte que veio auxiliar os promotores e os policiais do sul com palestras sobre sua experiência americana(?).

Não há negar a utilidade dessa presença, se de alguma forma ela nos puder iluminar _ improbabilidade bastante provável _ da mesma forma como não há como deixar de lamentar sua inutilidade se perdermos o foco, obscurecendo o óbvio que dispensa sua visita.

É preciso aceitar que _ sem diminuir a importância de todas as apurações e de todas as questões em torno da prevenção para locais públicos fechados ou abertos, o que inclui extintores, número de saídas de emergência, bretes para apresentar a comanda, materiais isolantes, combustíveis, alvarás, projetos, malfeitos, e tantos outros aspectos e circunstâncias _ tudo será inútil se o fogo puder entrar.

Pense-se em tudo, menos em que não foi a presença do "sputnik" na boate e a do sinalizador no estádio boliviano, aliada à inconsequência de ativar o seu fogo no meio da multidão, o início e o fim de tudo. Isso é o principal, tudo o mais lhe é acessório. Por isso, ainda que a proibição dessa entrada fosse a única percepção de nossas autoridades, teriam por cumprida sua missão e, quem sabe, dispensado o americano. Mesmo não sendo a única, é a mais eficaz e a mais simples de todas as medidas, justamente por ser a mais óbvia.

Por mais que a complexidade de nossa civilização se caracterize pela necessidade do espetáculo, se obscurecermos o óbvio pelo temor à simplicidade, entraremos na fila de suas próximas vítimas.


* Jornalista ex-subprocurador-geral da República

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

TRAGÉDIA DE SANTA MARIA: LOUCO OU HERÓI


O SUL Porto Alegre, Sexta-feira, 08 de Fevereiro de 2013.

Louco ou herói?


BEATRIZ FAGUNDES

Impossível passar ao largo do desabafo de um ilustre desconhecido que, aparentemente, ousa tirar o véu dos bastidores de sua cidade

O dantesco episódio que assassinou 238 jovens na Boate Kiss, de Santa Maria, não foi apenas mais uma das tantas tragédias produzidas pela negligência, imprudência e impunidade que assolam a nossa pátria. Não! O fato nos levou ao pódio mundial da irresponsabilidade.

Demorou, para aparecer alguém se apresentando ao mundo como morador e conhecedor dos bastidores da cidade que virou manchete global se apresentar ao mundo, dando uma versão mais contundente sobre o massacre. Agora, ele já é conhecido e não poupou palavras para desabafar toda a sua raiva quanto ao episódio do último dia 27 de janeiro, que marcou para sempre a história da cidade com nome de santa.

João Batista Veras postou uma mensagem de 7min24seg, na última sexta-feira, no You Tube, segundo ele, destinada às famílias dos estudantes mortos. Até ontem à noite, cerca de 90 mil pessoas já tinham assistido o vídeo. Na denúncia, em forma de desabafo, o cidadão não se intimidou em afirmar que os esquemas que ele denuncia são conhecidos por todos na cidade. Sem controle, ele admitiu que não tem provas, mas garantiu saber como levantá-las. Louco ou herói?

O futuro responderá a esta indagação que se impõe após a audição da fala do senhor Veras. Nela, ele dispara contra os bombeiros: "O conselho não se preocupa com m... nenhuma, só em reunir os conselheiros, ir para um boteco beber, falar de futebol e cobrar mensalidade dos engenheiros." Quanto à responsabilidade da prefeitura, ele é direto: "Jogo de empurra-empurra. Quem é o responsável por liberação de alvará? Smic (Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio). Prefeito é responsável... não adianta fazer corpo mole, prefeito. O Brasil quer seu impeachment... foi negligente, imperícia e usou de imprudência. A prefeitura quebrou. O dano tem que ser reparado, e é onde vai doer na prefeitura: no bolso, 10 milhões, por vítima". Veras chegou a pedir a prisão do prefeito, do comandante da Brigada, do governador e de tantos outros.

Nos últimos dias, já ouvi dezenas de histórias envolvendo Santa Maria e outras cidades. Até mesmo histórias com relação a Porto Alegre. Ninguém desconhece, no setor, a existência de um mundo paralelo que joga um jogo pesado, perigoso, com lances de máfia. Se as prefeituras de verdade resolverem agir na noite, obrigando a todos os empresários a cumprir rigorosamente as legislações vigentes, dizem os experts, sobrarão poucas portas abertas.

Um ex-homem da noite, na região metropolitana, garantiu que teremos festas clandestinas combinadas pelas redes sociais organizadas pelas mesmas forças que mantiveram até hoje as arapucas com fachada de empreendimento legal e seguro, com responsabilidade e respeito a sua clientela. Aparências.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

ADAPTAÇÃO GRADATIVA

ZERO HORA 14 de fevereiro de 2013 | N° 17343


EDITORIAIS

A fiscalização de prédios públicos e privados que não possuem planos de prevenção contra incêndios têm que ser firme, mas não pode ser irracional. O caso da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), divulgado ontem por Zero Hora, é por demais significativo: dos cerca de cem prédios da instituição, apenas cinco têm alvará do Corpo de Bombeiros, mas a maioria está de acordo com as exigências da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Fica evidente, por aí, que o caminho mais sensato para a correção dessas anomalias é uma adaptação gradativa, com rigor e até mesmo interdição dos prédios que efetivamente oferecem riscos – caso do laboratório da Medicina Veterinária da referida universidade, que estava com extintores vencidos, mangueira anti-incêndio inutilizada, além de ter só uma porta de saída e grades nas janelas.

Com poucas exceções, as ações intensificadas nos últimos dias, particularmente em prefeituras de municípios de maior porte, vêm demonstrando que a falta de atenção às ameaças a frequentadores de prédios públicos e privados é generalizada. Tanto em administrações municipais quanto no Corpo de Bombeiros, os servidores se mostram em número insuficiente para uma fiscalização eficiente. Além disso, essas duas instâncias vitais para exigir o cumprimento de normas e conceder a autorização para funcionamento nem sempre se comunicam, reforçando a margem para descuidos por parte dos responsáveis pelas edificações.

A falta de estrutura adequada do setor público para exigir o cumprimento de normas de segurança, porém, não pode servir de desculpa para leniência. Os organismos oficiais devem ir muito além da simples preocupação com a conferência de documentos e com a cobrança permanente de taxas.

Cada vez mais, os cidadãos precisam se mostrar mais atentos à responsabilidade de cada um na redução de riscos para terceiros. Isso significa cobrar eficiência na atuação dos organismos públicos, mas sobretudo procurar agir de forma consciente em relação ao cumprimento de normas em prédios novos e à adaptação a elas nos mais antigos.

A COMANDA VIRA POLÊMICA NO BRASIL

ZERO HORA 14 de fevereiro de 2013 | N° 17343

SANTA MARIA, 27/01/2013


Os relatos das primeiras pessoas que conseguiram escapar da boate Kiss, revelando a tentativa de seguranças de impedir, nos instantes iniciais do incêndio, a saída de clientes sem o pagamento da comanda, deflagraram uma discussão nacional sobre o fim da tradicional forma de acertar a conta ao final da balada. A principal motivação é facilitar a evacuação de casas noturnas em situações semelhantes à de Santa Maria.

De Norte a Sul do país, legisladores estaduais e municipais anunciam a intenção de apresentar iniciativas para proibir o modelo de cobrança, raro no Exterior. No embalo do debate, a vereadora Séfara Mota (PRB) protocolou, na sexta-feira, na Câmara da Capital, projeto de lei para proibir o uso da comanda. Batizada de cartão balada, a proposta prevê a possibilidade de três modalidades diferentes de cobrança: pagamento no momento do consumo, venda de fichas que seriam trocadas pelo produto no transcorrer da festa ou utilização de um cartão pré-pago para o consumo. Desta forma, casas noturnas poderiam manter saídas de emergência destrancadas, sem preocupação com prejuízo em caso de saída rápida dos frequentadores.

Especialistas em direito do consumidor, porém, avaliam que o ideal seria uma legislação única para evitar dúvidas e diferentes interpretações. Para a diretora executiva do Procon da Capital, Flavia do Canto, o indicado seria um projeto que alterasse o Código de Defesa do Consumidor a partir de uma proposta da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão Ministério da Justiça.

– Isso também facilitaria muito a fiscalização. Se fosse uniformizado, ajudaria bastante – avalia Flavia.

A ideia de acrescentar a proibição das comandas no código é compartilhada pelo ex-desembargador Luiz Antonio Rizzatto Nunes, professor de direito do consumidor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Após a tragédia em Santa Maria, Nunes criou um abaixo-assinado virtual no site change.org/comandanao. A intenção é reunir adesões para sugerir mudança na legislação, que poderia ser alterada a partir de projeto de lei de deputado federal ou senador, além da possibilidade de medida provisória.

Líderes de classe defendem consenso

A sugestão de Nunes prevê o pagamento apenas no ato da entrega do produtos. Qualquer tipo de comanda, fichas ou cartões magnéticos de consumo seriam banidos. Assim, as casas do gênero não poderiam impedir ou dificultar a saída no momento desejado pelo consumidor.

Cacildo Vivian, diretor financeiro e ex-presidente do Sindicato da Hotelaria e Gastronomia de Porto Alegre (Sindpoa), não se opõe ao fim da comanda desde que se construa uma solução de consenso em todo país

– Agora, muitos legisladores, mesmo querendo ajudar, acabam atrapalhando. É melhor que não exista um emaranhado de leis – diz Vivian, destacando que o melhor substituto da comanda seria o pagamento no ato.

CAIO CIGANA

OS PRÓS E CONTRAS

- A comanda é uma forma eficiente do controle de produtos consumidos.

- A conveniência de não precisar desembolsar em espécie pequenos valores a cada pedido, às vezes com dificuldade no troco e em locais com grande número de pessoas.

- A facilidade de pagar toda a conta de uma vez só ao final, com a utilização de meios como cartões.

- Possibilidade de ser barrado por seguranças ao tentar deixar o local em caso de perigo.

- Grandes e demoradas filas quando um número maior de pessoas quer sair ao mesmo tempo do local, o que ocorre no final das festas.

- Atritos e divergências quando o frequentador perde a comanda, com casos em que o consumidor tem violado o direito de ir e vir.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

ESBARRANDO NA BUROCRACIA

ZERO HORA 11 de fevereiro de 2013 | N° 17340


EDITORIAIS


A interdição de várias casas noturnas em todo o país por falta de alvará das prefeituras ou de planos de prevenção de incêndio escancarou também uma outra mazela da administração pública brasileira: a burocracia irracional. Cobrados pela fiscalização, muitos proprietários de boates e restaurantes alegaram que só estavam operando com alvarás provisórios, ou por medida judicial, devido à demora dos órgãos públicos em liberar autorizações, mesmo quando cumpridas todas as exigências legais. Pode parecer uma desculpa, mas em algumas cidades do país a burocracia não apenas entrava o funcionamento regular de casas comerciais como também encobre falcatruas praticadas por servidores inescrupulosos.

São tantas as minúcias a serem atendidas, que o proprietário de um estabelecimento, por mais organizado que seja, fica muitas vezes sem alternativa para colocar o seu negócio em funcionamento. Para obter uma licença de operação, bares, restaurantes e casas noturnas têm que apresentar às prefeituras vários papéis, como certidão de instalação de gás, de rede elétrica, laudo de acústica, vistoria dos bombeiros e comprovantes que nem sempre dependem do proprietário. Há cidades, inclusive, que sequer contam com guarnições de bombeiros, quanto mais com soldados à disposição para fazer a vistoria.

Como a criação de entraves burocráticos facilita a venda de soluções, sempre aparece o jeitinho da liberação provisória ou mesmo da autorização verbal por parte de alguma autoridade menos responsável. Até que um dia aparece um fiscal e autua o estabelecimento, sob o pretexto de que a demora na liberação de documentos não justifica o funcionamento. E não justifica mesmo. Desde que um alvará não demore anos para ser liberado, como denunciaram recentemente comerciantes de uma grande capital do país.

As interdições feitas na véspera do Carnaval são bem-vindas, pois preservam a segurança dos frequentadores, mas isso não significa que todas sejam justas – especialmente quando a falta de alvará se deve mais à burocracia oficial do que à falta de iniciativa do investidor.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

NOTA DA ASOFBM SOBRE A TRAGÉDIA DE SANTA MARIA


ZERO HORA 10 de fevereiro de 2013 | N° 17339

INFORME ESPECIAL | TULIO MILMAN



UMA CADEIA DE ERROS E OMISSÕES

ZERO HORA 10 de fevereiro de 2013 | N° 17339

SANTA MARIA, 27/01/2013

Um documento genérico, sem assinatura de responsável técnico, deu início há quatro anos a uma série desastrosa de falhas e omissões que resultaram na tragédia da boate Kiss, em Santa Maria.

A cadeia de irresponsabilidades, escorada em leis ineficientes, inclui os donos da casa noturna, músicos e agentes públicos que deveriam garantir a segurança dos 238 jovens mortos desde a madrugada de 27 de janeiro.

O estopim da catástrofe foi aceso em 26 de junho de 2009. Naquela data, o Corpo de Bombeiros aceitou um apanhado de recomendações simplificadas como se fosse o Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) da danceteria. O documento afiançou o primeiro aval da corporação ao estabelecimento, o que, segundo o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RS), nunca poderia ter acontecido. Assinado pelo então major Daniel da Silva Adriano, hoje coronel da reserva, o alvará atestando a segurança do local foi emitido em agosto daquele ano.

Oito meses depois, em abril de 2010, a Kiss começou a funcionar com licença do município. O chefe da Equipe de Fiscalização da Secretaria Municipal de Finanças na época, Marcus Vinicius Biermann, deu a chancela para a operação com base na legislação vigente – que não obriga a prefeitura a checar as decisões tomadas pelos bombeiros.

Em mais um capítulo da série de equívocos, o alvará dos bombeiros foi renovado pelo capitão Alex da Rocha Camillo em agosto de 2011 e expirou um ano depois. Passaram-se seis meses sem que a situação fosse regularizada. Mesmo assim, a danceteria manteve as portas abertas aos clientes e ao perigo. Os bombeiros não pediram a interdição. A prefeitura, apesar da documentação vencida, também não. Seus fiscais chegaram a alertar para o fim do prazo, mas não acompanharam a situação.

Como a legislação anti-incêndio é complexa e deixa margem para interpretações, as autoridades escolheram o caminho mais cômodo e se eximiram do encargo. Com base na Lei 10.987, que rege a questão no âmbito estadual, a prefeitura atribui aos bombeiros a responsabilidade. Agora, a Polícia Civil procura esclarecer quem deveria ter agido.

– O inquérito apura o fato. Em decorrência disso, como reflexo, virão as responsabilidades de cada um com os indiciamentos – diz o delegado Marcelo Arigony, responsável pelas investigações.

O último ato da tragédia começou a ganhar forma quando, devido a reclamações sobre barulho, o Ministério Público exigiu dos proprietários a execução de obras para a redução do ruído. As alterações foram feitas em janeiro de 2012, mas Kiko Spohr e Mauro Hoffmann, donos da boate, decidiram acrescentar modificações. Entre elas, a espuma acústica apontada pela polícia como principal causa das mortes por ser altamente inflamável e tóxica.

Até agora, não está claro quem escolheu o material e de quem era a obrigação de fiscalizar especificamente o revestimento. As leis são omissas nesse ponto. Combinada à inércia das autoridades, a omissão tornou-se fatal. O comando dos bombeiros argumenta que esse item não faz parte dos elementos obrigatoriamente analisados nas vistorias. A prefeitura também rejeita o encargo. O MP encaminhou à Casa Civil um anteprojeto sugerindo melhorias na legislação, que está sob análise.

O comportamento evasivo, segundo o professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto Romano, é uma característica de autoridades brasileiras. Não deveria ser assim.

– As autoridades tinham de assumir a responsabilidade pelo ocorrido e responder à população, à Justiça e às instâncias legislativas por sua atuação – afirma Romano.

* Colaborou Lizie Antonello

JULIANA BUBLITZ E MARCELO GONZATTO*



LEIS SOBREPOSTAS


ZERO HORA 10 de fevereiro de 2013 | N° 17339

PÁGINA 10 | LETÍCIA DUARTE - INTERINA



Diante da mobilização nacional criada a partir da tragédia na boate Kiss, legisladores de todo o país despertaram para a necessidade de aperfeiçoar as normas sobre a prevenção a incêndios. A preocupação se justifica e há muito o que avançar, especialmente na padronização dos dispositivos legais. Mas, por outro lado, é preciso ter cautela: a pressa em criar novos regramentos em nível municipal e estadual também traz em si o risco de aumentar a babel das legislações que acaba dificultando a fiscalização e a identificação das competências pela sobreposição de normas.

Isso porque, em diferentes Câmaras e Assembleias, especialmente no Rio Grande do Sul, o epicentro da tragédia, proliferam projetos sobre o tema. Espelhados em falhas identificadas no incêndio de Santa Maria, surgem desde propostas para proibir o uso de fogos no interior das casas noturnas até para proibir o uso de comandas pelos frequentadores, para facilitar a evacuação dos estabelecimentos.

Na Câmara dos Deputados, a Comissão Externa criada para acompanhar as investigações do incêndio que provocou a morte de 238 pessoas na boate Kiss promete apresentar em 120 dias um projeto de lei nacional com os parâmetros mínimos de prevenção a incêndios, que deverão ser os mesmos para todo o país. Atualmente, não existe uma lei federal sobre o tema, porque a Constituição de 1988 determina que a prevenção a incêndios seja tarefa dos Estados, e a concessão dos alvarás, dos municípios.

– Em cada lugar do Brasil é sinalizado de uma forma, o que gera confusão. Precisamos de parâmetros mínimos. Os Estados Unidos criaram uma lei nacional em 1911, depois de um grande incêndio – diz Paulo Pimenta, o coordenador da comissão.

A unificação das normas deve clarear as zonas de sombra sobre as diferentes competências, que dão margem para empurra-empurras entre os envolvidos – e obrigará os Estados a se adaptarem. Mas, claro, não é por mudanças no papel que de repente tudo vai passar a funcionar como deveria. No Brasil, o maior problema não é a falta de leis, e sim o desrespeito a elas. Mais do que mexer na legislação, é preciso mudar a cultura.


ALIÁS - Espera-se que a disputa de vaidades entre políticos que se debruçam sobre as leis de prevenção a incêndios e sobre as investigações da tragédia de Santa Maria não seja maior do que a disposição comum em buscar soluções para as fragilidades encontradas.

Uma das falhas já detectadas na legislação é a ausência de punições: nada acontece com os proprietários em caso de superlotação e extintores vencidos, por exemplo. O maior risco é a interdição.

Letras esquecidas

Apesar de o governador Tarso Genro ter dito que vai determinar aos bombeiros que fechem estabelecimentos com alvará vencido ou sem plano de prevenção a incêndios “à margem da lei” , enquanto são discutidas mudanças, já existe uma legislação estadual que sustenta essa atuação.

A lei nº 10.987, de 11 de agosto de 1997, diz, no inciso 5 do artigo 2º, que “os prédios que oferecerem risco de vida aos seus usuários ou transeuntes, por apresentarem elevada probabilidade de incêndio ou desabamento, e aqueles tornados perigosos pela ausência de itens mínimos de segurança contra incêndios poderão ter sua evacuação ou interdição determinada pelo Corpo de Bombeiros”.


Colaboraram Adriana Irion e Juliano Rodrigues

TRINCADURA DA ALMA

ZERO HORA 10 de fevereiro de 2013


Esta fase do gerenciamento das perdas afetivas
é a mais difícil, até por uma questão de cultura




CARLOS AYRES BRITTO*


A tragédia atual de Santa Maria, Rio Grande do Sul, traz à tona uma expressão antiga: "há crimes que clamam aos céus e pedem a Deus castigo". O brado de indignação é tanto mais compartilhado quanto proferido por essa dimensão do ser humano a que chamamos de cidadania. No caso, cidadania que submete as coisas à lupa da razão mais dedutiva ou cartesiana para escancarar a desrazão dos causadores da hecatombe em que se traduz a morte de quase duas centenas e meia de seres humanos.

Cidadania é isso mesmo: qualidade do cidadão. E cidadão é o habitante da cidade. Mas o habitante orgânico da "cidade-estado", a se interessar por tudo que é de todos. E é claro que o habitante assim orgânico, assim militante, assim envolvido com o dia-a-dia dos seus concidadãos é o que se predispõe a chancelar as ações altruísticas, de um lado, e, de outro, a condenar aquelas socialmente danosas. Tem o direito e o dever de tudo apurar criticamente - civismo é isso - para fazer escolhas ou tomar decisões por modo consciente. No caso de Santa Maria, é o cidadão que infatigavelmente se mobiliza e mobiliza os outros para a necessária responsabilização penal, civil e administrativa de quem detonou o gatilho da tragédia. Ou por qualquer forma concorreu para essa aterradora detonação. Responsabilização que, uma vez exemplarmente efetivada, opera como uma espécie de repouso do guerreiro que não é outro senão ele mesmo, cidadão.

Não é bem assim o que sucede com o indivíduo, essa outra dimensão do ser humano. Indivíduo que, ao contrário do cidadão, é simplesmente ilha. Não arquipélago. No limite das situações mais traumáticas, só tem os próprios botões para conversar. No vórtice de uma dor que lhe trinca até o osso da alma - como a resultante da definitiva perda física das pessoas que mais lhe alentavam a própria existência -, não sabe onde buscar forças sequer para continuar a viver. Quanto mais para revolver céus e terras e assim responsabilizar terceiros! Situações de transe em que já não se vê como cidadão ou parte de um todo, mas como um todo à parte. Um atônito microcosmo psicofísico e anímico, com sua personalíssima cota de sentimentos, pensamentos e consciência. Indivíduo que certamente inspirou o compositor popular Tom Zé a dizer que "O homem é sozinho a casa da humanidade". E de quem Protágoras se referiu como "a medida de todas as coisas". E que porta consigo "todos os sonhos do mundo", como se lê em "Tabacaria", de Fernando Pessoa. 

Por isso mesmo, indivíduo que não se satisfaz totalmente com as respostas que lhe são dadas nem pela sua dimensão cidadã nem pela sua porção mental exclusivamente lógica a que, em desespero, passa a recorrer.
É para essa porção-indivíduo de nós mesmos, porção que simultaneamente é uma totalidade íntegra, que direciono estas mal traçadas linhas. Isso para lembrar que os parentes e amigos mais chegados das pessoas que foram mortalmente vitimadas no terrífico episódio da boate Kiss não podem deixar de se ver como seres humanos que, para muito além de suas perdas como cidadãos, se sentem abrupta e violentamente apartados de si mesmos. Destroçados em suas mais profundas raízes afetivas. São pais e mães, avós, irmãos e irmãs, esposos e esposas, namorados e namoradas, amigos e amigas de fé e companheiros das mais personalizadas experiências. Gente de carne e osso para quem já não há compensação possível, pois não tem sequer como descansar no conforto da responsabilização dos culpados pelo morticínio. Ainda que tal responsabilização se faça pela maneira mais cidadã, que só pode ser a de caráter tão rigoroso quanto desestimulante de recidivas.

Enfim, o que tenciono dizer é que esta fase do gerenciamento das perdas afetivas é a mais difícil, até por uma questão de cultura. Falta-nos a boa prática da fuga da mente racional ou tão-somente lógica para nos entregar de corpo e alma, silenciosa e confiantemente, aos cuidados da própria Existência. Existência ou Vida ou Universo ou Cosmos, com seu infinito cortejo de instantes tão objetivos quanto originais em conteúdos, desafios e respostas. Por isso que aptas a substituir o nosso igualmente infinito estoque de pré-compreensões e assim nos abrir os olhos para a verdade de que, se cada momento existencial é essencialmente novo, como gerenciá-lo com velhos padrões resolutórios? Que os familiares e amigos íntimos das vítimas fatais se façam esta pergunta e passem, quem sabe, à adoção da postura que é própria dos artistas e místicos: a suspensão de toda subjetividade para dar à Vida a chance de provar que ela sabe muito mais dos homens que os homens sabem de si próprios e dela também. Ela, a Vida, a concretamente demonstrar que há momentos de profunda inquietação e perplexidade em que devemos cessar todas as perguntas. Todas! Pois esse absoluto não-perguntar é que pode abrir espaço em nós para a chegada das mais adequadas respostas.

* Poeta e ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal

SEM CARNAVAL

ZERO HORA 10 de fevereiro de 2013


Os alienados são ainda mais perigosos
que os loucos, pois aparentam inocência

FLÁVIO TAVARES*

O pranto está ainda muito longe de secar. Faz agora duas semanas e a dor se aprofunda, dilacera as entranhas, entristece cada gesto e soterra qualquer alegria. Quem pode pensar em Carnaval, quando dentro de nós só há luto e a emoção da dor? Os saracoteios e a música dessa folia imposta pela convenção do calendário podem, por acaso, calar os gritos e a asfixia das vítimas ou enxugar nossas lágrimas? Uma tola marchinha carnavalesca pode apagar a indignação que habita nosso íntimo?

E, mesmo que já não houvesse lágrimas e o luto já se dissipasse, restaria a lembrança daquelas moças e rapazes a nos dizer que tinham "a vida pela frente". Por isto, festejavam com colegas de escola ou com amigos, sem saber que viviam a última madrugada. Dançavam na alegre inocência, sem saber que estavam numa ratoeira, numa câmara de gás onde seriam asfixiados.

Sim, asfixiados, como nos campos de extermínio nazistas, onde mandavam as mulheres despir-se para "um banho coletivo". Havia centenas de chuveiros no teto, mas deles saia gás. Não água. Era o assassinato deliberado, executado por gente enlouquecida pela ideologia.

Na tragédia de Santa Maria, nada foi deliberado, mas tudo foi feito para a consumação do crime pelas mãos de irresponsáveis alienados, em todas as áreas.

**

Os alienados são ainda mais perigosos que os loucos, pois aparentam inocência, dão a impressão de cordura e de que estão a servir. Os loucos são facilmente identificáveis. Os alienados são simuladores natos. Costumam ser irresponsavelmente simpáticos, maravilhosos no trato, até finos e educados. Mas não se importam com ninguém, a não ser com as pequenezes próprias, seja cobiça, orgulho, prazer ou o que for. Fingem grandeza para disfarçar o egoísmo.

Outra característica dessa gente alheia ao mundo ao redor é a amnésia. Nunca recordam o que fizeram e fingem nisto também. Entregaram a vida à fantasia e mentem fantasiando que esqueceram.

Em tempos de tragédia, a amnésia cresce, como em Santa Maria, onde os diretamente implicados esqueceram-se do passado recente. Dos donos da boate ao prefeito Schirmer, dos fiscais da Prefeitura aos inspetores bombeiros, todos recorrem à infantil tramoia do "não me lembro" para fugir às responsabilidade. 

Um dos donos da boate esqueceu-se até de que é dono e alegou ser "apenas sócio financeiro"...
Como se fosse epidemia, a amnésia se propaga por um vírus subitamente desconhecido: o vírus da culpa que escondem!

***

Para impedir que a amnésia se alastre e assassine também o nosso íntimo, em Santa Maria o povo saiu à rua, em passeata primeiro, logo em oração, pedindo forças para resistir à mentira. Em Porto Alegre, a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes nunca juntou tanta gente como agora: mais de 160 mil, unidos na dor. Em dezenas de outras cidades, o mesmo gesto. Afinal, podemos dizer numa frase simples e profunda: nem tudo está perdido!

Brutal, no entanto, é que para fazer brotar outra vez a nossa dignidade tenha sido necessário o sacrifício de duzentos e tantos jovens. São eles que guiam, agora, a nossa indignação em busca de justiça.

Querer a condenação dos responsáveis pelo assassinato coletivo não significa ódio nem vingança. A grande condenação já ocorreu, é inexorável e sem solução _ os mortos não voltarão jamais. O crime de dois domingos atrás já deixou centenas de condenados _ mães, pais, familiares, professores e amigos, sentenciados à dor da perda definitiva daquilo que mais amavam.

Só nos resta aprofundar a indignação, para que o embuste não continue a nos comandar e para que, noutros anos, haja Carnaval.

* Jornalista e escritor

sábado, 9 de fevereiro de 2013

ESPERANDO POR MUDANÇAS

REVISTA ISTO É N° Edição: 2256 | 07.Fev.13 - 23:59 | Atualizado em 09.Fev.13 - 11:04


Apesar da onda de interdições em casas noturnas no País, ISTOÉ constata que várias continuam funcionando com irregularidades. A fiscalização ainda é falha, o que pode levar a novas tragédias






Centenas de casas noturnas foram interditadas no País desde o incêndio na boate Kiss porque não ofereciam segurança a seus frequentadores. A ação do poder público, ainda que tardia, foi bem-vinda. Surpreendidos, vários empresários do setor fecharam as portas por conta própria para tentar sanar os problemas mais visíveis. Em São Paulo, a rua Augusta, por exemplo, ponto de efervescência da capital paulista, está deserta. Na noite da quarta-feira 6, apenas uma das cinco baladas conhecidas da região estava aberta. Em apenas uma semana, mudanças ocorreram em vários estabelecimentos. Com capacidade para 500 pessoas, a boate The History, na zona oeste, está com a documentação em dia, melhorou a sinalização da saída de emergência e remanejou extintores que antes não estavam visíveis, mas seu interior ainda lembra um labirinto e o afunilamento na entrada permanece. Erros graves persistem em vários estabelecimentos. Na semana passada, ISTOÉ esteve em algumas das principais casas noturnas de São Paulo e do Rio de Janeiro e testemunhou falhas que comprometem a integridade do público diante de uma emergência. Falhas que qualquer fiscalização ligeira poderia constatar. Dos 11 locais visitados, havia problema em seis.

A boate Santa Aldeia, com capacidade para 900 pessoas localizada na zona sul da capital paulista, é uma das baladas preferidas de jogadores de futebol. Lá, duas grades posicionadas em frente de duas das seis saídas de emergência, semelhante ao que havia na Kiss, dificultava a evasão do local em caso de perigo na terça-feira 5. Muito próximo ao local onde se apresentava uma banda de pagode havia um extintor de incêndio à base de água quando o correto seria um equipamento de CO2. É incrível que nenhum órgão responsável tenha visto esse problema. Situação idêntica foi detectada na casa de música latina Rey Castro, no lado direito do palco, vizinho à aparelhagem eletrônica – embora no lado esquerdo haja um extintor de CO2. Na região central, o Alberta, com capacidade para 180 pessoas, seguia funcionando apesar de ter apenas uma porta para entrada e saída que está irregular: ela abre para dentro e não proporciona plena vazão. O Ó do Borogodó, na zona oeste, frequentado por amantes do samba de raiz, corrigiu alguns problemas, mas não todos. Dois dias depois da tragédia da boate Kiss, o local funcionava com extintores vencidos desde janeiro de 2012 e uma das portas estava obstruída por uma geladeira. Na semana seguinte, todos os cinco extintores haviam sido trocados e estavam dentro da validade. Placas de sinalização de saídas de emergência também tinham sido espalhadas pelas paredes. Mas não havia hidrante e a geladeira continuava tapando parcialmente uma das portas.

Contactadas, as casas deram suas explicações e prometeram providências. O Alberta foi um dos raros estabelecimentos que admitiram a falha: “Não sabia que a norma obrigava a porta a abrir totalmente”, afirmou Noemi Rosa, que pretende fazer a mudança no Carnaval. O Ó do Borogodó preferiu não comentar, mas é um bom exemplo da inépcia do poder público na fiscalização de irregularidades. O estabelecimento possui o auto de licença de funcionamento exigido pela prefeitura para locais de reunião com capacidade inferior a 250 pessoas, o que o exclui da necessidade de um Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). O alvará municipal foi deferido em outubro de 2012. Mas, como o extintor de incêndio venceu dez meses antes, significa dizer que os fiscais não visitavam o local desde, pelo menos, 2011. Ou, se apareceram, fizeram vista grossa, o que é igualmente grave.



Ao contrário de outras capitais onde a ação das prefeituras foi implacável após o incêndio na Kiss, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, foi contido demais. Desde a tragédia de Santa Maria, 37 estabelecimentos com capacidade de lotação superior a 250 pessoas – de boates a templos religiosos – foram visitados. Quinze sofreram interdição por serem inseguros. Onze têm problemas de documentação, mas não de segurança e ganharam prazo para se regularizarem. Na cidade do Rio de Janeiro, a prefeitura, em um primeiro momento, decidiu fechar de uma vez 136 casas noturnas. Mas apenas dez permaneciam interditadas até a quinta-feira 7. A prefeitura resolveu fazer um acordo com o Corpo de Bombeiros e o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio (SindRio) para facilitar a reabertura das casas interditadas. “A prioridade é com a segurança. Não vamos abrir mão disso. Mas não queremos prejudicar o lazer, o turismo e a economia da cidade”, explicou o prefeito Eduardo Paes.

A nova regra impõe que os bombeiros vistoriem as casas fechadas até 48 horas após a solicitação. Quatro itens serão considerados obrigatórios para a liberação: extintores de incêndio, sinalização de emergência, saídas de emergência desobstruídas e avisos claros que informem a lotação do local. Agora, os órgãos municipais terão no máximo 48 horas para analisar documentos apresentados pelas casas e dar parecer, inclusive no caso de imóveis tombados ou preservados pelo Patrimônio Municipal.

No Rio, ISTOÉ esteve em cinco casas noturnas na semana passada. Algumas, que também haviam sido visitadas na semana anterior, corrigiram as falhas detectadas, mas duas seguiam com irregularidades: Gafieira Moderna, no centro, e Melt, na zona sul. A Gafieira Moderna tem apenas uma escada de ferro que serve de entrada e saída. Ao pé da escada, no nível da rua, fica a bilheteria, com uma mesa, cadeira e um engradado que obstruem parte da passagem. Nos seus dois andares de salão, não há extintores visíveis nem qualquer informação sobre como proceder numa emergência.



A Melt foi visitada por ISTOÉ logo depois da tragédia da Kiss e na semana passada. Nesse período, ela fez algumas mudanças. Retirou as grades que cercavam a casa e poderiam dificultar a evasão e, dessa vez, havia pelo menos um extintor visível. Providenciou, ainda, iluminação extra nas saídas de emergência. Mas há arremedos perigosos. A porta da cozinha ganhou uma placa improvisada com uma folha de papel indicando que ali é uma “rota de fuga”. “Não dá para entender o que seria uma rota de fuga que passa por dentro da cozinha. De qualquer forma, a sinalização com um papel colado na parede deve ter sido mais um jeitinho fora das normas básicas de sinalização e iluminação de emergência”, diz Ives de Freitas, ex-diretor do Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru) de São Paulo. Das quatro saídas da casa, a principal segue com acesso obstruído por mesa, banco e computador. O sócio da casa, Alexandre Serrado, alega que o mobiliário é fácil de ser retirado em caso de confusão. É difícil de acreditar que, em caso de pânico, haveria condições de removê-lo de forma ordenada. E para onde, em meio ao tumulto, ele seria levado? O mais espantoso é que o Corpo de Bombeiros liberou o funcionamento da danceteria nas condições atuais.

No resto do País, os empresários se apressam para regularizar a situação de forma a minimizar o prejuízo dos dias parados. Em Manaus, 27 dos 66 estabelecimentos fechados pelo poder público voltaram a funcionar. Em Fortaleza, 12 casas noturnas seguem interditadas. Em Porto Alegre, onde três foram lacradas, a prefeitura deu prazo de 15 dias para que os donos e administradores apresentem alvará de proteção de incêndio do Corpo de Bombeiros. Agora, cabe à sociedade manter a vigilância para que esse movimento não caia no esquecimento.

Fotos: Kelsen Fernandes; Divulgação


CINCO PROBLEMAS A SEREM ENFRENTADOS

REVISTA ISTO É N° Edição: 2256

5 problemas que precisam ser enfrentados

A inépcia do poder público para garantir a integridade de quem quer se divertir em casas noturnas só vai ser superada se o Brasil desatar velhos nós que impedem uma mudança de verdade nas leis e normas de segurança

João Loes



A tragédia na boate Kiss, em Santa Maria (RS) escancarou os problemas de segurança das casas noturnas brasileiras. O saldo de 238 mortos e 65 feridos hospitalizados, sendo 18 com ventilação mecânica até a quinta-feira 7, mostrou que estamos à mercê da inépcia do poder público, de empresários irresponsáveis, e atolados num emaranhado de leis e normas confusas. Desastres semelhantes em outros países, como Estados Unidos e Argentina, resultaram em mudanças importantes para garantir a integridade das pessoas que buscam diversão nesses espaços. Isso também precisa acontecer no Brasil. ISTOÉ ouviu especialistas e elencou cinco graves entraves que precisam ser resolvidos para garantir o bom funcionamento das boates e baladas no País.

1. Bombeiros

É dos bombeiros a responsabilidade de emitir o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), que garante a segurança de um estabelecimento contra incêndio. Mas com as verbas escassas e os quadros de pessoal insuficientes, a corporação não tem estrutura para dar conta de todas as obrigações que tem de cumprir. Isso explicaria, em parte, a demora para renovar AVCBs de casas como a Kiss, que funcionava com o documento vencido no dia da tragédia, mesmo tendo pedido renovação em novembro de 2012. Cobrados pela demora, os bombeiros gaúchos atribuíram o atraso às questões administrativas. “Faltam recursos que possibilitem a ampliação do efetivo e garantam uma boa estrutura de funcionamento”, resume Nelson Matter, tenente-coronel aposentado dos bombeiros em Santa Catarina. Hoje, apenas 11% dos municípios brasileiros contam com bombeiros. Para contornar o problema, os especialistas ouvidos por ISTOÉ foram unânimes: é preciso aumentar o efetivo e investir mais. Uma proposta é criar um corpo de bombeiros civil, uma vez que os bombeiros hoje em atuação no País são todos militares. Alguns Estados estão mais avançados nessa solução, como Santa Catarina. Treinar esse corpo paralelo e colocá-lo para atuar com supervisão dos militares ampliaria o efetivo sem aumentar muito as despesas. Isso, no entanto, traz novos desafios. Eles precisariam receber treinamento adequado e seria necessário estabelecer em quais situações eles podem intervir e em quais eles devem chamar o bombeiro militar.

2. Congresso nacional

Quando acontece uma tragédia da magnitude da que se viu na boate Kiss, é comum ver uma avalanche de propostas de mudanças na legislação federal para evitar que algo parecido se repita. Somente entre os dias 4 e 6 de fevereiro, por exemplo, foram propostos dez novos projetos de lei para regular o funcionamento das casas noturnas que citam o caso de Santa Maria. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que reúne o conhecimento técnico mais avançado na área de segurança contra incêndio, defende a existência de um código nacional que discipline as regras para o funcionamento de casas de entretenimento. “Falta a padronização, nossa legislação é confusa”, resume o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que está à frente de uma comissão parlamentar criada para acompanhar as investigações da tragédia da Kiss. Hoje, por exemplo, não há nada que estabeleça sequer o padrão para placas que indicam as saídas de emergência. Em 120 dias, Pimenta pretende apresentar um projeto de lei federal enxuto e direto que irá se sobrepor ao emaranhado de leis estaduais e municipais que hoje coexistem de forma caótica. É fundamental que o Congresso aproveite o momento favorável para exercer, de fato, seu papel legislador.

3. Leis estaduais

As leis sobre segurança estaduais, em várias regiões do País, são confusas ou permissivas em demasia. Mas mesmo nos Estados onde elas foram bem pensadas sua execução segue sendo um grande problema. São Paulo é um exemplo disso. “As leis paulistas chegaram a servir de modelo para os americanos depois da queda das Torres Gêmeas, em 2001”, diz o arquiteto e urbanista Ives de Freitas, ex-diretor do Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru). Segundo ele, desde que a capital do Estado foi palco de um dos incêndios mais trágicos da história do País – o do Edifício Joelma, que resultou na morte de 187 pessoas – as leis sobre o assunto vêm sendo aprimoradas pelos legisladores. Tragédias parecidas em outros Estados, como as do Edifício Andorinha, em 1986 no Rio de Janeiro, e do Edifício das Lojas Renner, em 1976 em Porto Alegre, tiveram efeito legislativo semelhantes. “Mas de que adianta uma legislação moderna se a fiscalização quase não existe?”, questiona o arquiteto. Os especialistas têm algumas sugestões para mudar essa situação. Primeiro, simplificar a legislação estadual, que é boa, mas muito extensa e um pouco confusa. O ideal é reunir as melhores ideias em um conjunto enxuto de leis mais fácil de compreender e aplicar. E dar autonomia aos municípios para que eles possam fazer adaptações limitadas a esse conjunto de leis para atender às demandas específicas de suas cidades. Por fim, investir, pesadamente, na contratação e treinamento de pessoal para fiscalizar essas leis.


TRABALHO
Bombeiros fiscalizam casa noturna: é preciso aumentar
o efetivo e uma alternativa é formar um corpo civil

4. Prefeitura

Das diferentes instâncias de atuação do governo, as prefeituras são as maiores responsáveis pelo bom funcionamento das casas noturnas em sua jurisdição. E a razão é simples: todo caminho percorrido por um empresário que deseja abrir um empreendimento dessa natureza começa e termina na prefeitura. Antes de a obra começar, é a prefeitura que determina, por exemplo, se o terreno escolhido está na área de zoneamento adequada e se a obra está alinhada ao plano diretor da cidade. Cabe também a ela e às suas secretarias emitir o alvará de construção, acompanhar a obra e, ao fim de todo processo, rever os documentos para conceder o alvará de funcionamento definitivo. “Na prática, como ela está mais próxima do cidadão, é a prefeitura quem cobra o respeito às leis e regras e regula o setor”, diz Rosaria Ono, professora-doutora do departamento de tecnologia da arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Mas, para uma instância de poder com funções tão complexas, é óbvio que faltam funcionários e investimento. Os empresários reclamam, com razão, da demora na emissão de alvarás e da indústria criada para agilizar esse processo. Com investimento e pessoal, haverá mais gente para emitir alvarás, eliminando o mercado paralelo. “Envolver os fiscais municipais na discussão das regras e legislação também é uma alternativa”, aposta o arquiteto e urbanista Ives de Freitas, ex-diretor do Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru). Quando trabalhava no Contru, Freitas viu seus fiscais trabalharem com mais afinco quando eles se envolviam em discussões legislativas.



5. Corrupção

Onde há fiscalização, as oportunidades para corruptos e corruptores se multiplicam. E onde existem dificuldades sempre aparece alguém para vender facilidades. É o caso da fiscalização das casas noturnas, uma vez que um alvará de funcionamento chega a levar cinco anos para sair e sua ausência pode resultar no fechamento do negócio. A cultura da corrupção precisa ser superada no Brasil de uma vez por todas. O País não tolera mais tanta naturalidade diante desse tipo de delito. “É com a punição severa dos corruptos, empresário e fiscal, que se desestimula a corrupção”, diz Adib Kassouf Sad, presidente da comissão de direito administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP). Enquanto isso, há algumas medidas que podem dificultar a ação de corruptos e corruptores. Uma alternativa é terceirizar o trabalho de fiscalização desse tipo de atividade, defende Percival Menon Maricato, diretor jurídico da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrase). “A prefeitura podia firmar parcerias, por meio de licitações, com associações de arquitetos e engenheiros para fazer essas vistorias”, sugere. “E todos os procedimentos de fiscalização poderiam ser feitos por duplas de fiscais, para que um acompanhe de perto o trabalho do outro.”

Foto: Tarso Sarraf/Folhapress


SAMBA MAIS SEGURO

zero hora 09 de fevereiro de 2013 | N° 17338

EDITORIAIS

Prevaleceram o bom senso e a coerência nas conversas e no desfecho do que ameaçava ser um impasse em relação ao Carnaval de rua de Porto Alegre. O bom senso esteve presente desde o início, quando da oportuna e rigorosa inspeção realizada pelo Corpo de Bombeiros no sambódromo da Capital e nos barracões das escolas de samba. A coe- rência se manifestou quando da intervenção do Ministério Público, no sentido de advertir a prefeitura para a necessidade de corrigir as falhas apontadas pelas autoridades de segurança, como fez em relação a outros casos recentes. Seria, no mínimo, uma irresponsabilidade, se o poder público, que promove o Carnaval de rua, compartilhando atribuições com as entidades, tratasse de forma negligente as informações dos bombeiros e as advertências do MP.

Todos saem ganhando com o acordo firmado ontem entre representantes do município, dos bombeiros e do Ministério Público, depois de um período de tensão, em decorrência da decisão dos promotores de fazer com que as determinações dos policiais fossem cumpridas. O episódio deixa uma lição exemplar: os governos, em qualquer esfera, devem obediência a orientações que buscam, em primeiro lugar, a segurança, como ocorreu, nesse caso, quando da intervenção dos bombeiros. É óbvio que há uma maior exigência em relação a esses cuidados depois da tragédia em Santa Maria. E também fica evidente, em meio a embates como o que envolveu o sambódromo, que a prevenção raramente era cumprida integralmente em eventos públicos, ou o local que acolhe os desfiles não teria provocado, por suas deficiências, os alertas dos peritos da BM.

Todos, mesmo os que não se interessam pelo Carnaval de rua, devem reconhecer que o entendimento tornará a festa mais segura, e que isso somente foi possível pela insistência com que bombeiros e MP defenderam seus pontos de vista. Nesse contexto, que se reconheça a atuação de promotores e procuradores que têm tentado – muito antes do incêndio na boate Kiss – fazer com que prevaleçam as medidas de segurança nem sempre levadas a sério por órgãos públicos e entidades privadas.

PRISÃO TEMPORÁRIA IRRACIONAL

ZERO HORA 9 de fevereiro de 2013 | N° 17338 ARTIGOS


Jader Marques*


A prisão provisória surge no Direito brasileiro em novembro de 1989, por obra e graça do então presidente da República, José Sarney, deslumbrado com o poder e a praticidade das medidas provisórias. Quando a OAB ajuizou uma ação para corrigir o equívoco presidencial, pois apenas uma lei federal poderia criar esse tipo de prisão, houve a edição da Lei nº 7.960/89. Assim, depois de ser rechaçada pelos governos militares de Costa e Silva e Geisel, que foram contrários à legalização da prisão para averiguações, um governo democrático institui a prisão temporária no Direito brasileiro.

Passados 25 anos da promulgação da Constituição Federal, impressiona que esta espécie de prisão ainda esteja sendo livremente aplicada nos procedimentos criminais em andamento pelo Brasil inteiro. Qualquer criança é capaz de entender a inconstitucionalidade desta espécie de prisão cautelar, que ora é inútil, ora é desnecessária, ou seja, sempre irracional.

É inútil quando os acusados utilizam o direito constitucional de permanecerem em silêncio, de não produzirem provas contra seus interesses e de não participarem de atos do inquérito policial. Trinta dias preso, mas com o direito de ficar em silêncio? Trinta dias preso para quê? Qual a utilidade da prisão, se o preso pode silenciar?

É desnecessária quando o acusado colabora com todos os atos, presta depoimento, submete-se às perícias, enfim, mostra-se cooperativo com todo o trabalho de investigação. Qual a necessidade da prisão, se o acusado colabora?

Importante lembrar que, se o acusado interferir negativamente na produção das provas ou pretender fugir do país, o caso será de prisão preventiva.

Quando o acusado fica em silêncio, a prisão temporária é inútil. Quando o acusado colabora, ela é desnecessária. Em qualquer caso, ela revela sua essência espúria de prisão para tortura, em outros tempos, do corpo, nos dias atuais, como bem lembra Foucault, da alma do processado.

*ADVOGADO CRIMINALISTA

A RATOEIRA KISS


ZERO HORA 09 de fevereiro de 2013 | N° 17338 ARTIGOS


Adroaldo Furtado Fabrício*



Um recinto retangular, encaixado (eu quase ia dizendo “encaixotado”) entre dois grandes prédios, com porta única em uma das paredes menores, palco no extremo oposto atraindo a maior concentração de público, banheiro com janelas para a rua inexpugnavelmente bloqueadas, à prova de marretas e machados. Junto à porta única, um corredor que encaminhava à caixa e impedia a saída de quem acaso pretendesse subtrair-se ao pagamento da despesa.

Perfeito para os negócios: o empresário podia estar tranquilo quanto a qualquer tentativa de calote; o dispêndio com pessoal de segurança podia ser minimizado pela desnecessidade de vigiar saídas alternativas e pontos de possível fuga; o custo de manutenção de um imóvel com porta única é certamente mais módico.

Mas, do ponto de vista dos frequentadores, uma ratoeira, um cenário pronto para a previsível tragédia. Não é preciso ser engenheiro, bombeiro ou perito em segurança para perceber isso: basta olhar, mesmo de relance, a planta baixa do imóvel para compreender sem demora ou dúvida a razão principal da catástrofe. Haverá concausas, como a inadequação do material de revestimento, o inacreditável licenciamento pelo poder público, a utilização de artefatos pirotécnicos e por aí adiante. Mas a causa primária e gritante se impõe mesmo ao olho leigo e desarmado: a configuração física das instalações da boate era um convite ao desastre.

A responsabilização de todos, absolutamente todos os que tenham concorrido para a tragédia, tem de ser levada a cabo. Não se trata de caça às bruxas ou vendeta rancorosa, mas de abertura de caminhos para que similares e tão horrendas catástrofes não se reproduzam. Conversando com frequentadores habituais desse tipo de ambiente, ouço que as condições, na maioria dos casos, pouco diferem daquelas. É preciso corrigi-las, imediata, radical e rigorosamente, com punição exemplar dos infratores.

É preciso, de outro lado, que se dê uma satisfação mínima aos inconsoláveis familiares – pais e mães sobretudo – que se veem para sempre subtraídos de uma parte inavaliável deles mesmos. Não lhes servirá de consolo, talvez, a responsabilização dos culpados, mas o saber que algo se faz para que outras pessoas não precisem passar pelo mesmo horror quiçá lhes possa dar algum conforto e força para seguir adiante.

Olhando a galeria trágica dos rostos jovens e sorridentes daqueles meninos e meninas, que mal começavam a viver, não posso deixar de pôr-me no lugar dos pais. E, a cada momento, recordar o que escreveu uma de minhas filhas, um ano depois de perder seu próprio filho na flor da idade: “Uns dizem que a vida continua. Mas, na verdade, ela termina, e é preciso inventar outra”. O que fizermos – todos nós, como sociedade – para impedir a reprodução da monstruosa tragédia talvez possa ser uma das pedrinhas de que esses pais dilacerados, órfãos às avessas, precisarão para construir uma vida nova.

*ADVOGADO

FOGOS EM SHOW NA KISS


ZERO HORA 09 de fevereiro de 2013 | N° 17338

SANTA MARIA, 27/01/2013

Sócio usou fogos em show na Kiss


Em 27 de outubro de 2012, um sábado, os mais de mil jovens que participavam da festa dos 500 Dias da Medicina na boate Kiss, em Santa Maria, levaram um susto. Um dos sócios da casa noturna, o empresário e roqueiro Elissandro Spohr, o Kiko, gravava um videoclipe da sua banda, Projeto Pantana, quando fogos jorraram do chão rumo à espuma do isolamento acústico do teto. Foram três jatos de fogo.

Três meses depois, na madrugada de 27 de janeiro, um domingo, a banda Gurizada Fandangueira fez um show pirotécnico na Kiss que teria provocado um incêndio que resultou em 238 mortes – um episódio que entrou para a galeria das grandes tragédias do mundo.

Kiko está preso. E a foto da apresentação da banda Projeto Pantana integra o volumoso inquérito policial que apura as responsabilidades pela morte dos jovens no desastre.

– Lembro que, na hora em que o fogo começou, houve um princípio de pânico das pessoas, principalmente entre aquelas que estavam perto da porta. Houve gritaria entre os que estavam na fila, próximo à porta de entrada – relatou Vanessa Vasconcellos, que, na época, era relações públicas da boate.

Ela recorda que, logo após os fogos serem acionados, o ar da boate ficou com um cheiro forte, que irritava a garganta. Para acalmar a multidão, Kiko gritou, no microfone, que estava tudo sob controle.

Testemunhas garantem que, nos meses seguintes à apresentação de outubro, o uso de pirotecnias na apresentação das bandas se tornou comum na boate. Inclusive pela Gurizada Fandangueira, como lembrou Érico Paulus Garcia, que era barman da Kiss.

Em uma entrevista para o programa Fantástico, da Rede Globo, Kiko disse que desconhecia que o grupo usava artefatos pirotécnicos. A foto de outubro, em que a banda do empresário aparece usando fogos na Kiss, e os depoimentos de funcionários no inquérito policial mostram que havia se tornado uma rotina na boate esse tipo de apresentação.

Advogado de Kiko, Jader Marques confirmou que a foto foi tirada durante as gravações do clipe da banda, mas diz que não se tratava de uma festa aberta ao público:

– Tudo foi feito à tarde, fora do horário de funcionamento da boate. Não havia clientes no local. Eram só convidados e amigos. Não era o mesmo material usado pelo músico da Gurizada Fandangueira. Era um material seguro.

Ex-funcionária afirma que festa foi à noite

A ex-relações públicas da Kiss, no entanto, sustenta que o show foi realizado em um dia de festa normal, por volta da 1h30min.

A técnica em pirotecnia Denise Nunes analisou a foto, mas, devido à distância dos fogos e pelo fato de a base do artefato não aparecer na imagem, ela não pôde identificar o tipo de produto usado pela banda.

Não é a primeira vez que surgem fotos indicando o uso deste tipo de artefato. No dia 31 de janeiro, o delegado Marcelo Arigony, responsável pelas investigações, publicou em sua página no Facebook uma foto mostrando pessoas manuseando fogos na Kiss. Na oportunidade, Arigony postou nas redes sociais:

– Tirem suas próprias conclusões.

Ontem, procurado pela reportagem, Arigony preferiu não se manifestar:

– Não temos a análise documental das provas, por isso, não posso falar sobre essa foto.

*Colaborou Patric Chagas

carlos.wagner@zerohora.com.brCARLOS WAGNER* | SANTA MARIA

QUESTÕES NA TRAGÉDIA DE SANTA MARIA

ZERO HORA 09/02/2013

Confira o que se sabe sobre alguns pontos importantes da investigação:


QUESTÕES ESCLARECIDAS

EXISTE OU NÃO PLANO DE PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIO (PPCI) DA BOATE KISS?
A Polícia Civil afirma que não existe PCCI. O oficial dos Bombeiros responsável pela assinatura do alvará da Kiss em 2009, coronel Daniel Adriano, afirma que o documento foi apresentado – mas não recorda o nome do responsável técnico.

COMO PODE SER ABERTA UMA CASA NOTURNA SEM O PCCI? DE QUEM É A RESPONSABILIDADE POR ISSO?
Se o PCCI nunca existiu ou foi extraviado, a responsabilidade por esse alvará é dos Bombeiros.

ALGUM SERVIDOR DA PREFEITURA DE SANTA MARIA COM RESPONSABILIDADE SOBRE A CONCESSÃO DE LICENÇAS OU FISCALIZAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS JÁ FOI AFASTADO COMO RESULTADO DAS INVESTIGAÇÕES?
Segundo informações da administração municipal, até o momento não houve nenhum afastamento. A prefeitura de Santa Maria apenas informou que todos os seus servidores se encontram à disposição da Justiça para eventuais esclarecimentos.

AS FALHAS NO PROCESSO DE LIBERAÇÃO DA BOATE KISS JÁ LEVARAM AO AFASTAMENTO DE ALGUM INTEGRANTE DO CORPO DE BOMBEIROS?
De acordo com a assessoria de imprensa do governo do Estado, até o momento não foi determinado nenhum afastamento de integrantes do Corpo de Bombeiros de Santa Maria.

O SARGENTO DOS BOMBEIROS APONTADO COMO SÓCIO DA EMPRESA HIDRAMIX, QUE REALIZOU OBRAS DE PREVENÇÃO A INCÊNDIO A KISS, É ALVO DE ALGUM PROCESSO DISCIPLINAR?
Mesmo antes do incêndio na boate, o sargento Roberto Flavio da Silveira foi alvo de um procedimento administrativo disciplinar. A corporação constatou, porém, que não haveria irregularidade por Souza ser sócio minoritário na empresa. O Ministério Público investiga, desde 2011, a Hidramix e empresas ligadas a bombeiros. A Polícia Civil deverá apurar essa situação.

QUEM É O RESPONSÁVEL PELA INSTALAÇÃO DA ESPUMA QUE FAVORECEU A PROPAGAÇÃO DO FOGO E A LIBERAÇÃO DE GÁS TÓXICO?
A polícia investiga a participação dos donos da boate, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann, e do engenheiro Miguel Ângelo Pedroso na escolha da espuma. Kiko sustenta que a o material foi indicado pelo engenheiro, que nega essa informação.

SE O PEDIDO O PEDIDO DE INSPEÇÃO PARA RENOVAR O ALVARÁ FOI APRESENTADO EM NOVEMBRO, POR QUE OS BOMBEIROS NÃO HAVIAM FEITO A VISTORIA NO LOCAL? ISSO NÃO EXPÕE A POPULAÇÃO A SITUAÇÃO DE RISCO?
A corporação informou que a renovação estava tramitando, o que não exige o fechamento da casa. Se o estabelecimento não estiver com plenas condições de segurança até a vistoria, porém, pode haver risco à segurança.

OS DONOS DA BOATE SABIAM OU NÃO DO USO DE FOGO NO INTERIOR DO ESTABELECIMENTO?
Eles sustentam que não, mas várias fotos publicadas na internet mostram a utilização de sinalizadores no interior da casa noturna.

NA ARGENTINA E NOS EUA, ONDE HOUVE INCÊNDIOS SEMELHANTES, MÚSICOS, DONOS DAS BOATES E FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS FORAM CONDENADOS A PENAS QUE SUPERARAM 10 ANOS DE PRISÃO. ISSO PODE ACONTECER EM SANTA MARIA?
É possível, principalmente se os réus forem enquadrados em crime de homicídio com dolo eventual (por assumirem o risco de matar). O grau de punição vai depender da conclusão do inquérito, do envio da denúncia à Justiça e do julgamento dos envolvidos.

EM BUENOS AIRES, A MORTE DE 194 PESSOAS NA BOATE REPÚBLICA CROMAÑÓN RESULTOU NO IMPEACHMENT DO PREFEITO ANÍBAL IBARRA. ISSO PODE OCORRER EM SANTA MARIA?
Uma eventual ação política neste sentido dependeria da abertura de um processo de impeachment pela Câmara de Vereadores.

PERGUNTAS AINDA SEM RESPOSTA

1) Afinal de contas, quem é o principal responsável pelo fato de uma casa noturna sem segurança estar funcionando legalmente?

2) Quem é o responsável por escolher o tipo de espuma instalado no teto da boate Kiss?

3) Se os donos da boate anunciavam publicamente que a casa recebia até 1,4 mil pessoas, enquanto o alvará dos bombeiros permite até 691, por que isso nunca despertou a atenção das autoridades?

4) Por que apenas músicos e donos da boate foram presos?

5) Se um pedido de vistoria dos bombeiros foi formalizado em novembro para a renovação do alvará, por que a inspeção ainda não havia sido feita?

MP INVESTIGA RESPONSABILIDADES

ZERO HORA 09 de fevereiro de 2013 | N° 17338

SANTA MARIA, 27/01/2013


O Ministério Público apura as responsabilidades da prefeitura de Santa Maria e do Corpo de Bombeiros, na área cível, no incêndio da boate Kiss, que deixou 238 mortos e dezenas de feridos.

Além de examinar falhas institucionais no processo de fiscalização, a investigação esquadrinha a conduta dos agentes envolvidos diretamente na liberação de alvarás que mantiveram a casa noturna aberta.

Para o promotor Cesar Augusto Pivetta Carlan, à frente do inquérito, a investigação pode gerar também consequências cíveis como ações de improbidade administrativa e de indenizações:

– Parto do princípio de que tanto Estado, por parte dos bombeiros, quanto o município tinham a responsabilidade de fiscalizar. A partir disso, tenho de ver se os documentos que estão sendo entregues vão me afastar deste norte – declarou o promotor.

No inquérito civil público, aberto em 30 de janeiro, Carlan solicitou os alvarás dos bombeiros e da prefeitura e está analisando o material e as legislações.

Para a apuração, Carlan vai aproveitar depoimentos, resultados de perícias e documentos reunidos na inquérito policial. Com isso, o MP pretende acelerar o trabalho:

– Vamos ouvir pessoas as pessoas que são chave em nossa investigação. Assim, evitamos retrabalho – explica Carlan.

No cerne da apuração está a suposta cadeia de falhas administrativas na fiscalização da boate. Se for apurado intenção ou vantagem ilícita na concessão dos alvarás, os envolvidos podem ser indiciados por improbidade.

– Vou ouvir os oficiais responsáveis pelos alvarás e funcionários da prefeitura nas próximas semanas, assim que terminar a análise de documentos.

150 pessoas já foram ouvidas

Na área criminal, o promotor Joel Dutra vai aguardar a conclusão e o encaminhamento do inquérito policial ao MP. Depois, vai analisá-lo e decidir se oferecerá ou não denúncia.

Ao fim de duas semanas de investigação, 150 pessoas ouvidas e quase 1,6 mil páginas de documentos e depoimentos recolhidos, a Polícia Civil tem algumas certezas e muitas dúvidas sobre o incêndio boate Kiss. Mesmo o que já foi apurado até o momento precisa ser provado. Para isso, os resultados das perícias serão decisivos. Os laudos vão esclarecer, por exemplo, a causa da morte das vítimas. A hipótese mais forte aponta para intoxicação por cianeto, um dos gases liberados na combustão da espuma usada no revestimento acústico.

O ponto inicial do fogo, a propagação da fumaça, o sistema de exaustão no ambiente, o número de pessoas dentro da casa noturna, a vazão da porta de saída e a existência ou não de obstáculos que podem ter influenciado na fuga das pessoas, são outras questões que serão confirmadas pela perícia. Ontem, a fachada da Kiss foi isolada para a realização de nova perícia após o Carnaval. Às 20h30min, a Rua dos Andradas, na quadra onde funcionava a boate, foi liberada para o trânsito.

De acordo com o delegado Marcelo Arigony, o inquérito deverá culminar com o indiciamento dos responsáveis por homicídio com dolo eventual (quando a pessoa assume o risco de matar).

– Vamos identificar se houve crimes e quem os cometeu – disse Arigony.


FRANCISCO AMORIM E LIZIE ANTONELLO

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

INCÊNDIO PODE LEVAR JUDICIÁRIO A FIXAR JURISPRUDÊNCIA

JORNAL DO COMERCIO - 05/02/2013

Incêndio em Santa Maria pode levar Judiciário a fixar jurisprudência . No incêndio da casa Canecão Mineiro em 2001, semelhante ao caso da boate Kiss, houve decisões divergentes


ANTONIO SCORZA/AFP/JC

Boate Kiss, em Santa Maria, pegou fogo em 27 de janeiro durante festa de universitários

O incêndio ocorrido na boate Kiss, em 27 de janeiro, poderá levar o Judiciário brasileiro a fixar uma jurisprudência sobre a responsabilidade dos municípios pelos danos sofridos por vítimas e parentes. Até agora, existem decisões judiciais conflitantes sobre a culpa do Poder Público nesses episódios. O caso mais parecido com o de Santa Maria ocorreu em Belo Horizonte, em 2001. Na ocasião, após o lançamento de fogos de artifício durante um show, um incêndio atingiu a casa de espetáculos Canecão Mineiro. Sete pessoas morreram e 300 ficaram feridas.

No Centro do Estado, até agora, foram confimadas mais de 235 mortes. O fogo começou após um sinalizador, lançado por um integrante da banda que se apresentava no local, atingir o isolamento acústico do teto da boate.

No caso mineiroCada pessoa que se sentiu lesada ingressou na Justiça com pedidos diversos de reparação. As decisões mostram que houve divergência por parte dos ministros em julgar os casos, dependendo dos argumentos usados pelos advogados.

Em um despacho do ano passado, onze anos após o incêndio em Belo Horizonte, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve uma decisão da Justiça de Minas Gerais segundo a qual o município não pode ser responsabilizado por um incêndio causado por terceiros. De acordo com o Tribunal de Justiça mineiro, não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre o fato e a suposta falta de fiscalização pelo Poder Público.

Segundo o advogado criminalista Aury Lopes Jr, no caso da boate Kiss, há uma divisão de deveres entre Poder Público e privado. “O Poder Público tem o dever de legislar, disciplinar e fiscalizar sobre como serão os instrumentos de segurança necessários, e o poder privado tem o dever de cumprir o que for necessário, embora a ausência de fiscalização do Estado não justifique a ilegalidade do particular”, explicou.

Mas uma decisão de 2009 do também ministro do Supremo Marco Aurélio Mello não admitiu um recurso do município de Belo Horizonte que pretendia se livrar de uma decisão da Justiça mineira responsabilizando a prefeitura pelo episódio. “A tentativa acaba por se fazer voltada à transformação do Supremo em mero revisor dos atos dos demais tribunais do País”, disse o ministro na ocasião. Marco Aurélio acrescentou que o julgamento pelo Tribunal de Justiça de Minas foi corretamente fundamentado por reconhecer que a prefeitura deveria ter fiscalizado a segurança da casa de espetáculos.

Entre todos os feridos e familiares dos mortos na tragédia, até agora, somente uma sobrevivente conseguiu indenização. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) condenou a prefeitura da capital mineira a indenizar uma mulher que estava na casa de shows em 300 salário-mínimos. É a primeira sobrevivente da tragédia a conseguir reparação judicial pelos danos sofridos. Da decisão não cabe recurso. A sentença já está em fase de execução, e o pagamento deve ser efetuado em 2014.

“A lei não é a tábua de salvação de todos os males, ela é uma pauta mínima de segurança”, destaca Lopes. Para ele, é preciso verificar falhas na legislação municipal, na concessão das autorizações, e se havia condições de a casa noturna atender aquele público com segurança.

FISCALIZAÇÃO SE LIMITA A DOCUMENTOS


08 de fevereiro de 2013 | N° 17337

SANTA MARIA, 27/01/2013


Os agentes da prefeitura de Santa Maria encarregados de fiscalizar boates não recebem treinamento para identificar situações de risco aos frequentadores, como a espuma de isolamento acústico colada no teto da boate Kiss.

Treinados para realizar vistorias, os fiscais limitam-se a identificar se o comércio está arrecadando a taxa correta para a atividade na qual foi licenciado. E fiscalizam as condições sanitárias das cozinhas comerciais. O salário médio líquido de um fiscal é de R$ 2 mil. Somam 126 servidores (80% estudaram até o Ensino Médio), sendo que 90 deles fiscalizam 16 mil pontos comerciais, onde se incluem os 16 bares com música e as seis boates.

A prevenção e a proteção contra incêndio são responsabilidade do Corpo de Bombeiros, observou Miguel Caetano Passini, titular da Secretaria Municipal de Controle e Mobilidade Urbana (SMU). Com 75 fiscais, Passini é o responsável pelo controle do trânsito, código de postura, patrimônio e dos alvarás de localização dos 16 mil pontos comerciais.

– O treinamento dos nossos fiscais é feito dentro da lei estipulada para a fiscalização municipal, que tem como foco a verificação dos documentos – conclui.

Em conversa com Zero Hora, o prefeito, Cezar Schirmer defendeu o atual perfil da fiscalização e afirmou que mudanças só irão ocorrer se houver uma nova legislação federal alterando as atuais obrigações do município.

Os fiscais estão preocupados com a imagem que a comunidade local tem deles, que são vistos apenas como arrecadadores.

– Muita gente acha que tudo aconteceu porque os funcionários públicos comeram bola (receberam propina), ou cometeram irregularidade. Isso não aconteceu. Temos que ter serenidade e esperar a apuração da polícia, que irá apontar as causas da tragédia. O que houve foi uma omissão de vários órgãos, em que a prefeitura é um dos elos – diz o presidente do Sindicato dos Municipários, Cilon Regis Corrêa.

CARLOS WAGNER | ENVIADO ESPECIAL, SANTA MARIA


DONOS SE QUEIXAM DE LENTIDÃO PARA LICENCIAR


ZERO HORA 08 de fevereiro de 2013 | N° 17337

SANTA MARIA, 27/01/2013

Donos de boates se queixam de lentidão


Representantes dos donos de casas noturnas afirmam que a burocracia e a lentidão para licenciar novos empreendimentos na Capital estimulam o descumprimento de normas.

O Sindicato da Hotelaria e Gastronomia de Porto Alegre (Sindpoa) sustenta que o prazo para regularizar um estabelecimento pode chegar a um ano e meio, o que leva proprietários a funcionar sem os alvarás definitivos. A entidade defende a reforma do processo de regularização para reduzir as ilegalidades.

Reportagem publicada ontem em Zero Hora mostrou que, de 46 casas noturnas consideradas regulares pelo município, seis não têm Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) e 21 estão com alvará dos bombeiros vencido ou não dispõem do documento.

Essa liberação é uma das exigências para a prefeitura conceder a licença definitiva de funcionamento. A prefeitura deu um prazo de 15 dias, na terça-feira, para as casas noturnas da Capital apresentarem os alvarás dos bombeiros.

Conforme o diretor-tesoureiro e do Sindpoa, Cacildo Vivian, há mais de dois anos a entidade defende a racionalização do emaranhado legal e burocrático que regula a abertura de estabelecimentos na Capital:

– Não queremos facilitação. Queremos um alvará único e com prazo determinado para que seja feita a análise de todo o processo. O que ocorre é que o tempo vai passando, o empreendimento fica preso, o empreendedor fica ansioso e, não raramente, acaba abrindo sem todas as devidas liberações.

Em SP, trâmite seis vezes mais ágil

O processo envolve diferentes secretarias, como Obras e Viação, Meio Ambiente e Indústria e Comércio, além dos bombeiros. Em São Paulo, segundo o Sindpoa, a tramitação é feita em 90 dias – seis vezes mais rápido.

– Nenhum empresário gosta de ficar à margem da lei. Mas aí obtém um alvará provisório, que permite ir trabalhando enquanto faz as adequações necessárias, e o provisório acaba virando definitivo pela demora do processo de licenciamento – avalia Vivian.

A assessoria de imprensa informa que a reforma administrativa em andamento prevê a racionalização do processo de abertura e fiscalização dos empreendimentos, por meio do já criado Escritório Geral de Licenciamento e Regularização Fundiária. O município informa, contudo, que a concessão das liberações parciais e da licença será incorporada “aos poucos” pela nova entidade a fim de tornar esse sistema mais ágil e confiável.

MARCELO GONZATTO