Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

domingo, 29 de dezembro de 2013

BÊBADO NA AREIA DÁ TRABALHO

FOLHA.COM 29/12/2013 - 02h00

Bêbado na areia dá trabalho aos salva-vidas de Santa Catarina


NATÁLIA CANCIAN
ENVIADA ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS




Do alto do posto dos salva-vidas, o paulista Igor Garcia Peres, 24, tenta manter os olhos fixos no mar -mas sem descuidar da areia.

A cena se passa em Jurerê Internacional, badalado destino de Santa Catarina e uma das poucas praias onde o mar não é o principal desafio da equipe de salva-vidas.

Lá, a maioria dos salvamentos ocorre em terra firme: na temporada, são até três ocorrências diárias, segundo a equipe que trabalha no local. No mar, o índice é de só uma ocorrência -por mês.

"Aqui o pessoal bebe demais. Já peguei casos de cortes por garrafas [na areia], quedas, insolação", diz Peres, que atuou na mesma praia na última temporada.
Caio Cezar/Folhapress

Posto de salva-vidas em Jurerê Internacional (SC); frequentadores bêbados na areia dão mais trabalho que banhistas


CHAMPANHE

O lugar é conhecido pelos beach clubs, por festas disputadas durante o verão e por bares "pé na areia", onde o champanhe é hit em parte da praia, frequentada por turistas de alto poder aquisitivo.

"Aqui é mais complicado que no mar. As pessoas bebem e esquecem de comer", afirma o salva-vidas Odemar Silva Filho, 24.
Frequentadores e veranistas reclamam do número de garrafas "abandonadas" após as festas de Ano-Novo.

"A praia fica um horror, com muita sujeira. Minha amiga cortou o pé depois do último Réveillon porque tinha uma garrafa quebrada no mar", conta a fazendeira Kadine Lisboa, 31, que descansava na praia com a família.

Embora não tenha dados oficiais sobre o número de ocorrências por praia, o comandante do grupo de busca e salvamento, tenente Bruno Azevedo Lisboa, confirma a troca do mar pela areia.

ATÍPICA

Para ele, a situação em Jurerê Internacional é atípica.

"É uma praia que não tem correntes de retorno, e o mar não oferece tanto perigo. Além disso, é muito movimentada. Há vários casos de mal súbito, queda de pressão", relata o comandante.

Segundo Lisboa, no posto salva-vidas da praia há kit de primeiros socorros e também cilindros de oxigênio.

"A pessoa acaba ingerindo bastante bebida alcoólica, depois fica no sol, na água, e aí tem queda de pressão."

Em outras praias movimentadas de Florianópolis, como Ingleses, tanto o mar quanto a areia são desafios.

"Vigiar" a areia, porém, é quase impossível na alta temporada, que reúne milhares de pessoas –daí a recomendação de que os turistas procurem apoio dos salva-vidas em caso de necessidade.

"O foco ainda é o olho no mar", diz o comandante.

CHUVAS FAZEM 24 MORTES NO ESPIRITO SANTO

CORREIO DO POVO 28/12/2013 19:03

Sobe para 24 número de mortos por chuvas no Espírito Santo. Defesa Civil ainda procura por seis pessoas desaparecidas


Subiu para 24 o número de mortos por causa das chuvas que atingem o Espírito Santo desde o dia 19. De acordo com boletim divulgado neste sábado, pela Defesa Civil, seis pessoas continuam desaparecidas em Baixo Guandu. A chuva diminuiu no Estado, mas o Rio Doce voltou a encher, afetando o Pontal do Ipiranga, em Linhares, onde uma ponte ficou danificada.

Localidades que estavam completamente isoladas são agora atendidas por tratores, barcos e helicópteros, principalmente Itaguaçu e Baixo Guandu, mas continuam sem energia elétrica e com riscos de novos deslizamentos de terra. Em todo o Estado, mais de 60 mil pessoas precisaram sair de suas casas e ainda não puderam retornar - 7.396 pessoas foram acolhidas em abrigos e 52.641 continuam em casas de parentes e amigos. O número de feridos chegou a 583. Dos 78 municípios capixabas, 54 foram afetados pelas chuvas. A Secretaria Nacional de Defesa Civil cessou os alertas de enxurrada. Entretanto, foram emitidos alertas de risco de deslizamento de terra.



Fonte:

MORTES POR AFOGAMENTO NO RS CHEGAM A 133 NO ANO

CORREIO DO POVO 28/12/2013 20:26

Mortes por afogamento no Estado chegam a 133 no ano. Maioria das vítimas estava em áreas não cobertas pela Operação Golfinho



Maioria das vítimas estava em áreas não cobertas pela Operação Golfinho
Crédito: André Ávila


Um levantamento do Corpo de Bombeiros revelou que, desde o início do ano e até o último dia 26 de dezembro, 133 mortes por afogamento foram contabilizadas pela corporação no Rio Grande do Sul. A maioria, 65, morreram em rios e todas em áreas não cobertas pela Operação Golfinho, que iniciou oficialmente há uma semana.

“Os salva-vidas da Brigada Militar se prepararam durante o ano todo para, neste momento, auxiliar e salvar vidas. Nós chamamos a atenção para o pessoal se banhar próximo da casa de salva-vidas pedindo orientações sobre repuxo ou correnteza”, alertou o coronel Evilton Pereira Diaz, comandante do Corpo de Bombeiros do Estado.

sábado, 28 de dezembro de 2013

MORTES E DESABRIGADOS PELA CHUVA NO ESPÍRITO SANTO




Sobe para 27 o número de mortes em decorrência das chuvas no ES. Mais de 60 mil pessoas tiveram que deixar suas casas

REDAÇÃO ÉPOCA, COM AGÊNCIA BRASIL E ESTADÃO CONTEÚDO
26/12/2013 19h00



A Defesa Civil do Espírito Santo confirmou nesta quinta-feira (26) que chega a 27 o número de mortos em consequência das chuvas que atingem o Estado.

O maior número de mortes (nove) ocorreu em Baixo Guandu. Em seguida vêm Colatina, que registrou oito óbitos. Também foram registradas mortes em Itaguaçu, Domingos Martins, Barra do São Francisco e Nova Venécia.

Nesta tarde, subiu para 61.379 o número de pessoas que ainda estão em abrigos ou casas de parentes e amigos em decorrência das chuvas. Destas, 5.689 pessoas foram acolhidas em abrigos e 55.690 estão em casas de parentes e amigos. O levantamento das pessoas afetadas continua prejudicado pela dificuldade de acesso a muitas localidades, algumas totalmente isoladas pela intensa inundação, sem comunicação, água potável e energia elétrica.

Conforme o balanço, chega a 52 o número de municípios afetados pelos temporais no Estado. O governo decretou situação de emergência em todas as áreas atingidas por desastres decorrentes das últimas chuvas. Foram considerados com situação mais crítica os municípios de Colatina, Itaguaçu, Baixo Guandu, Santa Leopoldina, Santa Maria de Jetibá.

Reforço

Os bombeiros do Espírito Santo estão recebendo a ajuda de 78 bombeiros militares da Força Nacional e 24 do Rio de Janeiro, além de 150 fuzileiros, também do Rio, equipados com embarcações para resgate de vítimas. Sete aeronaves das Forças Armadas também estão colaborando no socorro às vítimas, assim como quatro profissionais da Força Nacional de Saúde.

O Exército está desde quarta-feira (25) apoiando os trabalhos da Defesa Civil do Estado do Espírito Santo no auxílio às vítimas das chuvas.

Segundo informações dadas pelo Exército, o socorro às vítimas está sendo prestado nas áreas alagadas da Grande Vitória e em cidades do interior. Os engenheiros do Exército estarão, ainda, trabalhando na construção de uma ponte a partir de estrutura metálica na Rodovia ES-080, entre as cidades de Vila Velha e Pancas.

Foram deslocados para a região, até o momento, 273 militares, 43 dos quais lotados no 38º Batalhão de Infantaria, sediado em Vila Velha, no próprio Estado; e 230 militares deslocados de unidades militares instaladas no Rio de Janeiro.

Bairro Pontal das Garças alagado por águas da chuva, em Vila Velha, Espírito Santo. (Foto: Vitor Jubini/ A Gazeta)

DILMA SOBREVOA ÁREAS ATINGIDAS PELA CHUVA EM MG

G1 MINAS 27/12/2013 12h54

Mais de dez mil pessoas tiveram de deixar suas casas em todo o estado. No total, 18 pessoas morreram vítimas da chuva e outras 60 ficaram feridas.

Do G1, em São Paulo



Dilma Rousseff e o governador de Minas, Antonio Anastasia, sobrevoam cidades do leste do estado atingidas pelas chuvas. (Foto: Gil Leonardi/Imprensa MG)

A presidente Dilma Rousseff sobrevoou as regiões atingidas por temporais no leste de Minas Gerais na manhã desta sexta-feira (27). Ela partiu em um helicóptero do aeroporto de Governador Valadares, cidade que está em estado de emergência por conta dos estragos causados pelos temporais. O governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia, acompanha a presidente, entre outras autoridades.

De acordo com a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil de Minas Gerais, 18 pessoas morreramno estado vítimas da chuva e outras 60 ficaram feridas. Em todo o estado, 34 cidades estão em situação de emergência .Mais de sete mil casas foram danificadas e 116 destruídas.

Mais de dez mil pessoas estão fora de casa por causa da chuva. Segundo o boletim da Defesa Civil divulgado na tarde de quinta-feira (26), são 6.959 pessoas desalojadas e outras 2.460 desabrigadas.

Férias interrompidas
Dilma partiu para Minas Gerais da base naval de Aratu (BA), da Marinha, para onde viajou nesta quinta (26), a fim de passar um período de férias. As férias da presidente na Bahia devem terminar no dia 5, data em que está previsto o retorno para Brasília. Ela viajou para a Bahia acompanhada da filha, Paula, do neto, Gabriel, e do genro, Rafael Covolo.

Antes, no dia 24 de dezembro, ela havia sobrevoado o estado do Espírito Santo, que também foi bastante atingido por temporais.

Mortes

A última morte em Minas Gerais foi registrada no dia 26 de dezembro, quando foi encontrado o corpo de uma mulher em Juiz de Fora (MG). Ela estava dentro de uma casa que desabou.

A 17ª morte foi a de um menino de sete anos encontrado após um desabamento de terra em Sardoá, no leste do estado. Outras seis pessoas da mesma família morreram no incidente, que ocorreu no dia 17.

No dia 24 de dezembro morreu a 16ª vítima da chuva em Minas. Um homem de 48 anos atingido por um deslizamento de terra em Itabira, na região central do estado.

Em Belo Horizonte, um homem que estava se afogando dentro de um carro morreu no dia 23 de dezembro. Ele chegou a ser resgatado, mas não resistiu. Ainda na segunda, em Itanhomi, no Leste do estado, uma casa desabou e matou uma mulher. A idade não foi confirmada, mas ela teria aproximadamente 60 anos.

Em Governador Valadares, duas crianças morreram na noite de 22 de dezembro, após um deslizamento no Bairro Vera Cruz. De acordo com o Corpo de Bombeiros, a terra deslizou em cima do muro da casa em que elas estavam, arrastando o imóvel. As crianças de três e 11 anos chegaram a ser resgatadas com vida, mas não resistiram. No mesmo dia, em Ipatinga, um homem de 33 anos morreu soterrado ao tentar salvar o cão de estimação. No dia 20 de dezembro, em Timóteo, um idoso também foi vítima de soterramento, após deslizamento de terra em um lote.

No dia 19 de dezembro, um homem de 30 anos morreu ao tentar atravessar o Córrego Bebedouro, em Francisco Sá. No dia 18, uma mulher de 61 anos morreu após o deslizamento de uma encosta sobre a rodovia MG-474, em Aimorés.

Os dois primeiros óbitos foram registrados em Caratinga, Astolfo Dutra, na Zona da Mata. No dia 6, uma adolescente de 12 anos morreu depois de um desmoronamento de uma casa, no município da Zona da Mata. No dia 4 de outubro, um homem de 22 anos foi atingindo por um raio enquanto trabalhava em uma área rural de Astolfo Dutra.

MG TEM 21 MORTES POR CAUSA DA CHUVA

G1 MINAS GERAIS 27/12/2013 21h56

Defesa Civil confirma 21 mortes por causa da chuva em MG. Cinquenta e uma cidades estão em situação de emergência. Mais de 10 mil pessoas tiveram que deixar suas casas.

Do G1 MG



Seis pessoas morreram após um deslizamento
em Sardoá no dia 17 de dezembro
(Foto: Reprodução / Inter TV)

A Defesa Civil informou na noite desta sexta feira (27) que o número de mortos por causa da Chuva em Minas Gerais subiu para 21. No levantamento, foram contabilizados duas mortes de pessoas arrastadas pela enxurrada em Virgolândia, no Vale do Rio Doce, nesta quinta-feira (26); e uma em Buritizeiro, no Norte do estado, onde um jovem de 17 anos morreu em um acidente provocado após quedas de árvores em um vendaval nesta sexta-feira.

Uma pessoa está desaparecida em Virgolândia, segundo a Defesa Civil. O órgão contabiliza 51 cidades em situação de emergência nesta temporada de chuva, que começou em outubro.

Ainda conforme o relatório da Defesa Civil, quase 10 mil pessoas – 6959 desalojados e 2460 e desabrigados – precisaram deixar suas casas. O órgão contabiliza 116 imóveis destruídos e 7.099 danificados. Cento e doze obras de infraestrutura foram destruídas no estado e 229, danificadas.

As últimas cidades a decretarem situação de emergência são Angêlandia, Aricanduva, Buritizeiro, Capitão Eneas, Coluna, Coronel Fabriciano, Cristália, Governador Valadares, Ipatinga, Itamarandiba, Itanhomi, Itueta, Nova Belém, Pocrane, São João da Ponte, São Pedro do Suaçuíe Serro.

A maioria dos munícipios atingidos pela chuva no estado fica na região do Leste.

Mortes
Na madrugada desta quinta-feira (26) foi encontrado o corpo de uma mulher em Juiz de Fora. Ela estava dentro de uma casa que desabou. A Defesa Civil confirmou que ela é 18ª vítima da chuva no estado.

A 17ª morte foi a de um menino de sete anos encontrado após um desabamento de terra em Sardoá, no leste do estado. Outras seis pessoas da mesma família morreram no incidente, que ocorreu no dia 17.

Na terça-feira (24) morreu a 16ª vítima da chuva em Minas. Um homem de 48 anos atingido por um deslizamento de terra em Itabira, na região central do estado.

Em Belo Horizonte, um homem que estava se afogando dentro de um carro morreu na segunda (23). Ele chegou a ser resgatado, mas não resistiu. Ainda na segunda, em Itanhomi, no Leste do estado, uma casa desabou e matou uma mulher. A idade não foi confirmada, mas ela teria aproximadamente 60 anos.

Em Governador Valadares, duas crianças morreram na noite deste domingo (22) após um deslizamento no Bairro Vera Cruz. De acordo com o Corpo de Bombeiros, a terra deslizou em cima do muro da casa em que elas estavam, arrastando o imóvel. As crianças de três e 11 anos chegaram a ser resgatadas com vida, mas não resistiram.

Em Ipatinga, um homem de 33 anos morreu soterrado ao tentar salvar o cão de estimação no domingo (22). Na sexta (20), em Timóteo, um idoso também foi vítima de soterramento, após deslizamento de terra em um lote.

No dia 19 de dezembro, um homem de 30 anos morreu ao tentar atravessar o Córrego Bebedouro, em Francisco Sá. No dia 18, uma mulher de 61 anos morreu após o deslizamento de uma encosta sobre a rodovia MG-474, em Aimorés.

Os dois primeiros óbitos foram registrados em Caratinga, Astolfo Dutra, na Zona da Mata. No dia 6, uma adolescente de 12 anos morreu depois de um desmoronamento de uma casa, no município da Zona da Mata. No dia 4 de outubro, um homem de 22 anos foi atingindo por um raio enquanto trabalhava em uma área rural de Astolfo Dutra.

domingo, 22 de dezembro de 2013

A NOVA OFENSIVA POLICIAL DO CASO KISS

ZERO HORA 22 de dezembro de 2013 | N° 17652


HUMBERTO TREZZI E LIZIE ANTONELLO



TRAGÉDIA EM SANTA MARIA



Passado quase um ano da maior tragédia gaúcha, a morte de 242 pessoas no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, a Polícia Civil prepara um novo inquérito que promete apontar supostas falhas não esmiuçadas na primeira investigação, concluída logo após a tragédia.

Os policiais estão convencidos de que os donos da danceteria teriam usado de um misto de fraudes e amizade para escapar da fiscalização de graves problemas na casa noturna. E nessa nova investida dos investigadores sobrarão críticas para autoridades de diferentes escalões: bombeiros, polícia ambiental, promotores de Justiça e, com destaque, membros da prefeitura. Todos serão, de alguma forma, mencionados como supostos responsáveis por falhas que permitiram o funcionamento de uma danceteria que se revelou uma armadilha mortífera para seus frequentadores.

O novo inquérito, que já está em 12 volumes e ouviu mais de 90 pessoas, tem como base suposta fraude praticada pelos primeiros proprietários da Kiss, em 2009. O engenheiro Tiago Flores Mutti, ex-dono da boate Kiss, e o pai dele, Santiago, segundo a polícia, deverão ser indiciados por falsidade ideológica, delito supostamente cometido muito antes do incêndio que matou as 242 pessoas em 27 de janeiro deste ano. De acordo com a polícia, os dois empresários teriam organizado de forma fraudulenta uma consulta popular para o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) da danceteria, destinado a verificar se o ruído do estabelecimento estava acima do permitido por norma.

Apesar da queixa de mais de 80 vizinhos contra o ruído emitido pela boate, inaugurada em julho de 2009, Mutti e seu pai organizaram um abaixo-assinado em apoio à manutenção da danceteria naquele local, assinado por 60 pessoas. Os policiais procuraram todas as pessoas que assinaram a lista e descobriram que apenas 21 apoiadores (35% do total) residiam perto da casa noturna, condição exigida por lei. Os demais moravam longe, a alguns quilômetros dali. Outros apenas trabalhavam perto, durante o dia – ou seja, não teriam como saber o nível de ruído na boate, que funcionava à noite.

Os policiais responsáveis pelo inquérito dizem que Tiago Mutti deverá também ser indiciado porque assinou o laudo afirmando que o som da Kiss estaria dentro dos limites estabelecidos em lei. Os policiais dizem que ele jamais poderia fazer isso: apesar de engenheiro, não teria isenção, já que era dono do local.

Mas os policiais prometem ir muito mais além no novo inquérito. Em mais de mil páginas, tentam demonstrar que uma cadeia de falhas, muito maior que a simples tolerância ao ruído, teria acontecido para que a boate continuasse funcionando até o dia da tragédia.

– É como acidente de avião, um festival de falhas que levam a um desastre – compara um policial que atua no caso.

Um dos pontos importantes do inquérito é um organograma montado pelos investigadores. Ele analisa todos os quatro anos de existência da Kiss e conclui que, de 2009 a 2013 (período em que esteve aberta), a boate não teria funcionado um único mês atendendo as exigências da lei para manutenção de suas atividades. A culpa, acreditam os policiais, é sobretudo da prefeitura de Santa Maria, que teria permitido a emissão de licença sem as exigências mínimas da legislação. Isso teria aberto espaço para sucessivos crimes de ordem ambiental, aponta a investigação.


MP é outro alvo do novo inquérito


O Ministério Público é criticado, veladamente, pelos policiais por ter deixado um inquérito que investigava o barulho da Kiss “se arrastar por mais de dois anos”. Teria sido a colocação de uma espuma isolante de ruído na boate, que se comprovou tóxica, a causa da morte da maioria das 242 vítimas, segundo perícias feitas depois da tragédia.

A suposta existência de 29 irregularidades chegou a ser apontada por um arquiteto vinculado à prefeitura. O embargo da boate foi proposto por uma secretaria municipal. Outra secretaria, porém, autorizou que a Kiss continuasse funcionando, a menos de uma quadra da sede da prefeitura. Como? Tudo se deve a uma troca de endereço feita pelos donos da danceteria, temerosos de que o estabelecimento fosse fechado, informam os policiais.

Os então proprietários da Kiss ingressaram na prefeitura com o expediente 4.756, de 22/2/2010, solicitando a troca de numeração do imóvel de 1.935 (embargado por obra irregular) para 1.925 (com dívida ativa). Na justificativa para a troca de numeração, os donos da boate argumentaram que não estavam conseguindo protocolar o Alvará de Localização do estabelecimento. Apesar de o número original constar no cadastro da prefeitura como uma uma obra em aberto, ou seja, não estar habilitado para o habite-se, três dias depois do pedido a prefeitura autorizou a troca de números.

O resultado é que a boate Kiss ganhou duas pastas na prefeitura: uma com a documentação do imóvel de número 1.935, outra para o número 1.925. O curioso é que, enquanto um lote de documentos apontava inúmeras irregularidades e recomendava o embargo da boate, o outro mencionava dívidas, mas que não impediam a contínua atividade do estabelecimento.

– Fica claro que o alvará de localização não poderia ter sido emitido. E, se emitido, deveria ter sido cassado, conforme dispõe a lei. Isso nunca aconteceu – critica um dos investigadores.

Zero Hora procurou o delegado que cuida do novo inquérito, Sandro Meinerz. Nem ele e nem o delegado regional da Polícia Civil, Marcelo Arigony, quiseram se manifestar.



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

PRESERVAR VIDAS E PREVENIR RISCOS

ZERO HORA 16 de dezembro de 2013 | N° 17646

ARTIGOS

 Adão Villaverde*




No contexto da campanha Uma Vida Vale Muito, do Ministério Público e da RBS, e da definição da colunista política de ZH Rosane de Oliveira como o projeto de lei mais importante do ano, a atualização da legislação de prevenção, proteção e segurança contra incêndio no RS é resultado de um amplo processo de discussão, diálogo e construção do Legislativo com setores representativos da sociedade e contribuição fundamental de especialistas e entidades da área. As edificações urbanas e rurais representam um sistema complexo e interconexo que necessita de um funcionamento com segurança, pois é nelas que ocorrem, muitas vezes, tragédias que interrompem vidas irreparáveis e produzem perdas materiais de onerosa reposição. A inovadora legislação gaúcha busca evitar dois extremos: a leniência, de um lado, e a inviabilização do funcionamento das edificações, de outro; construindo um marco regulatório legal perfeitamente possível de ser executado nos municípios e regiões rurais de nosso Estado. Um regramento, portanto, planejado de forma criteriosa, rigorosa e justa.

Criteriosa, ao uniformizar referenciais e parâmetros técnicos locais, com os nacionais e internacionais, através de proposições de experts no tema, baseados nas legislações mais avançadas no Brasil e no mundo.

Rigorosa, ao definir, com clareza, as atribuições e responsabilidades, os prazos das inspeções, as fiscalizações e as sanções nos casos de descumprimento das regras. E não permite a autorização, pelo município, do funcionamento de nenhuma edificação sem o alvará de prevenção contra incêndio emitido pelo Corpo de Bombeiros. Nela não há dubiedade ou outras possíveis interpretações.

E justa porque supera a insuficiência de critérios da atual lei. Exemplo singelo: a lei em vigor exige o mesmo plano de prevenção para duas empresas de naturezas diversas, uma de gelos e outra de fogos de artifício, dotadas das mesmas área e altura. O grande equívoco está em exigir-se demais da indústria de gelos e ser muito flexível com a de fogos. A injustiça é corrigida agora com a inclusão nos critérios para a prevenção, além da altura e área, dos novos itens de capacidade de ocupação, do tipo de uso da edificação, do controle de fumaça e da carga de incêndio. Esta última refere-se ao potencial calorífico, a combustão da edificação, considerando tudo o que existe no seu interior, desde os materiais dos quais o imóvel é feito até o que ele armazena.

Por isso, e para que não se repitam tragédias inaceitáveis como a de Santa Maria, com perdas irreparáveis de prodigiosas vidas e sofrimentos intermináveis de suas famílias e pessoas de suas relações, é que agora aguardamos a imediata sanção, por parte do nosso governador, da nova legislação. Para que possamos ter no RS um forte instrumento de políticas públicas capaz de prevenir riscos de acidentes e, acima de tudo, preservar vidas.


*PROFESSOR, ENGENHEIRO E DEPUTADO ESTADUAL (PT)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

BOMBEIROS ALERTAM PARA A FALTA DE ESTRUTURA PARA ADEQUAÇÃO À LEI

CORREIO DO POVO 12/12/2013 23:11

Conforme Abergs, 400 municípios gaúchos não têm presença da corporação



Corpo de Bombeiros de Carazinho
Crédito: Sereno Azevedo/CP Memória


A falta de infraestrutura e efetivo é o principal obstáculo para o Corpo de Bombeiro aplicar a nova lei de incêndio no Rio Grande do Sul. A afirmação é do coordenador-geral da Associação dos Bombeiros do Rio Grande do Sul (Abergs), Ubirajara Ramos. Ele destacou que a lei aprovada na Assembleia Legislativa é positiva porque concede mais poderes para os Bombeiros. No entanto, afirmou que existe déficit de 7,5 mil policiais no Rio Grande do Sul. “Quatrocentos municípios do Rio Grande do Sul não têm o serviço de Corpo de Bombeiros.”

O coordenador-geral citou que o Corpo de Bombeiros de Gramado é o responsável por ocorrências em Picada Café, São Francisco de Paula ou Nova Petrópolis. “Enquanto atendemos a uma chamada na cidade vizinha, a outra fica desguarnecida”, lamentou. Conforme Ramos, em Porto Alegre, atuam 320 bombeiros, enquanto o ideal seriam 1,5 mil. De acordo com o coordenador-geral da Abergs, os padrões internacionais de segurança preconizam que cidades com mais de 1,5 milhão de habitantes tenham um bombeiro para cada mil habitantes. Disse que a situação da corporação é mais grave no interior do Rio Grande do Sul. “A cidade de Passo Fundo é responsável hoje pelo atendimento de 120 municípios. É impossível trabalhar nessas condições”, acrescentou.

A nova legislação foi aprovada por unanimidade no Legislativo gaúcho devido à tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, que matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos no dia 27 de janeiro deste ano. A lei estabelece sanções como a aplicação de multas e embargo do estabelecimento para quem desrespeitar a lei. A matéria foi aprovada com 37 emendas.

O tenente-coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre, ressaltou que a lei estadual aprovada nessa quarta-feira contra incêndios é adequada. Ele afirmou que as novas regras trarão grandes avanços, principalmente para os locais que recebem grande público. Krukoski adiantou que o projeto oferecerá prazo de até três anos para as adaptações necessárias às casas noturnas do Rio Grande do Sul.

Para o tenente-coronel, além de ser mais rígida, a nova legislação torna mais claras as competências de todos os envolvidos nos processos de fiscalização e de autorizações para funcionamento de diferentes empreendimentos no Rio Grande do Sul.



ALÉM DA LEI


ZERO HORA 13 de dezembro de 2013 | N° 17643


EDITORIAIS


A nova legislação de prevenção a incêndios, aprovada na última quarta-feira pela Assembleia Legislativa, é oportuna e atende a uma demanda inquestionável da sociedade, potencializada com a tragédia da boate Kiss. Mas entre a lei e a prática costuma haver uma distância muitas vezes intransponível. Para que os gaúchos possam efetivamente celebrar a normatização como um avanço, será preciso antes assegurar que haverá fiscalização adequada e que as sanções previstas serão aplicadas, não apenas para os estabelecimentos infratores como também para os responsáveis pelos serviços públicos que não cumprirem a sua parte.

Colocar no papel é sempre mais fácil do que colocar na realidade. Para que vidas sejam preservadas, como pretendem os legisladores, é impositivo que os órgãos públicos sejam aparelhados e preparados para o atendimento de todas as demandas. Não basta apenas colocar entraves à abertura e ao funcionamento de casas noturnas, clubes e outros locais com grande afluência de público. O que é preciso é dar-lhes condições de operação, sob a estrita observância das normas de segurança e conforto para os frequentadores.

Também é impositivo que se invista na construção de uma cultura de responsabilidade por parte dos cidadãos, para que as pessoas aprendam a se prevenir e a utilizar a própria legislação em sua defesa. Mais importante do que a punição depois do acontecido é a prevenção que evita riscos e perdas de vidas. Evidentemente, ter uma legislação rigorosa e bem feita já é um passo importante para o alcance dos demais objetivos.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

PARA EVITAR NOVAS TRAGÉDIAS

ZERO HORA 12 de dezembro de 2013 | N° 17642


PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA


Foi com um minuto de barulho, sugerido pelo santa-mariense Jorge Pozzobom (PSDB) e não de silêncio que os deputados estaduais homenagearam as 242 vítimas da boate Kiss na sessão em que foi aprovado, por unanimidade, o projeto de lei mais importante do ano, o que estabelece novas regras de prevenção a incêndios. O projeto é fruto do trabalho de uma comissão presidida pelo deputado Adão Villaverde (PT), que se debruçou sobre a legislação existente, ouviu especialistas e apresentou uma proposta que, em última análise, pode salvar vidas.

– Tenho certeza de que, se essa lei estivesse em vigor, a boate Kiss não teria aberto as portas – disse Villaverde após a aprovação da proposta, que ele considera “criteriosa, rigorosa e justa”.

De fato, o projeto está alicerçado em bases sólidas. O texto foi construído depois de uma série de audiências com especialistas em prevenção de incêndio e uniformiza os referenciais para todo o Estado, em consonância com a legislação federal.

O projeto aprovado na tarde de ontem e que agora será sancionado pelo governador Tarso Genro é rigoroso ao definir claramente as atribuições e responsabilidades, prevê inspeção, fiscalização e sanções, quando a lei não for cumprida. As punições começam por advertência e evoluem para multa, interdição e embargo. Nenhum estabelecimento será autorizado a funcionar se não tiver alvará de prevenção.

O grande mérito do projeto é estabelecer critérios que vão além da área e da altura do prédio para definir as medidas de segurança que terão de ser adotadas. Será preciso levar em conta o uso da edificação, o número de pessoas que ocuparão o prédio, o controle de fumaça e a “carga de incêndio”. Desde o início, Villaverde usa uma comparação didática para explicar o que é carga de incêndio e o que muda com a nova lei:

– Pela legislação atual, as exigências são as mesmas para abrir uma fábrica de gelo e uma fábrica de fogos de artifício. Pela nova, as exigências para a indústria de fogos de artifício serão bem maiores.

DEPUTADOS GAÚCHOS APROVAM MAIOR RIGOR NA PREVENÇÃO DE INCÊNDIOS


ZERO HORA 11/12/2013 | 19h48

Deputados aprovam projeto de lei que prevê maior rigor na prevenção de incêndios no RS. Proposta foi elaborada após o incêndio na boate Kiss, que deixou 242 mortos em janeiro deste ano


A Assembleia Legislativa gaúcha aprovou por unanimidade, na tarde desta quarta-feira, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 155/2013, que eleva o rigor na prevenção contra incêndios no Rio Grande do Sul.

A proposta, elaborada após a tragédia que deixou 242 mortos em Santa Maria, em janeiro deste ano, estava na pauta do dia de votações e foi aprovada com 51 votos favoráveis. Ela foi formulada pela Comissão Especial de Revisão e Atualização de Leis Contra Incêndio, presidida pelo deputado estadual Adão Villaverde.

— É o resultado de um amplo processo de diálogo do Legislativo, construído com a sociedade e com uma enorme contribuição de especialistas. Para que tragédias como essa não aconteçam (a da boate Kiss), fizemos uma legislação inovadora, que evita dois extremos: a leniência de um lado e, do outro, a inviabilização do funcionamento das edificações — afirma Villaverde.

As principais mudanças propostas pelos deputados — e discutidas em audiências públicas desde março — se referem aos itens obrigatórios a serem considerados na elaboração do projeto de prevenção contra incêndios. Hoje são levados em conta apenas a área, a altura e a ocupação (tipo de uso) do imóvel. A proposta é que se inclua na lista, também, a lotação máxima, a capacidade de controle e extração de fumaça e a carga de incêndio, ou seja, o potencial térmico da construção.

— A lei vai definir com clareza as atribuições, responsabilidades, fiscalizações e penalizações. E vai incorporar outros itens obrigatórios na elaboração do projeto de prevenção contra incêndios. Na legislação atual, a exigência é a mesma para uma fábrica de gelo e uma fábrica de fogos de artifício, que tenham o mesmo espaço — complementa o deputado.

Outra mudança central é a obrigatoriedade do alvará de prevenção contra incêndios, fornecido pelos bombeiros, como pré-requisito para o funcionamento do imóvel.

Mais de dez meses após a tragédia na boate Kiss, o projeto atrasou para sair do papel devido a um impasse com as prefeituras do Estado, que reclamavam sobre a impossibilidade de as novas exigências serem cumpridas.

No entanto, ainda que considerada tardia, a aprovação foi recebida como uma boa notícia por pais e amigos de jovens que perderam a vida na boate Kiss. As expectativas de Ogier Rosado, fundador da Associação Ah Muleke e pai de Vinícius Rosado, vítima do incêndio, vão ainda além:

— Agora vamos esperar que saia também a lei federal e torcer para que a consciência das pessoas também mude, que elas se neguem a frequentar locais e festas que não estão de acordo com as normas exigidas. Esperamos que as coisas não se repitam. Esse é o grande legado que os nossos filhos deixaram.

Sobre a lei:

— Aplica-se a todas as edificações que não sejam unifamiliares exclusivamente residenciais.

— Tabelas anexadas ao projeto de lei trazem a classificação das edificações (baixo, médio ou alto risco de incêndio) e as exigências para a edificação (itens obrigatórios de segurança conforme a classificação).

— Amplia o número de itens obrigatórios a serem considerados na elaboração do projeto de prevenção contra incêndios, em vez de apenas a área e a altura do imóvel. Incluem-se na lista, também, a ocupação (tipo de uso) da edificação, a lotação máxima, a capacidade de controle e extração de fumaça e a carga de incêndio, ou seja, o potencial térmico da construção.

— Os bombeiros só atuam até a interdição do estabelecimento. O embargo compete ao órgão municipal.

— Passa a ser obrigatória a presença de brigadistas de incêndio em eventos com mais de 200 pessoas.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

VÍTIMAS DA SECA RECEBEM ÁGUA CONTAMINADA

G1 FANTÁSTICO 01/12/2013 22h54

Vítimas da seca recebem água contaminada em caminhões-pipa. Durante dois meses, o Fantástico percorreu a região Nordeste para investigar como funcionam os programas que combatem a seca com caminhões-pipa.




Um crime contra a saúde de brasileiros carentes! Esse é o tema da reportagem especial do Fantástico deste domingo (1º). Durante dois meses, nós percorremos a região Nordeste, para investigar como funcionam os programas que combatem a seca com caminhões-pipa.

Encontramos tanques imundos, água contaminada e entregas que não chegam nunca. A reportagem é de Wilson Araújo, Alan Graça Ferreira e Maurício Ferraz.

No meio do agreste nordestino, perto de um rio seco, e de famílias que sofrem com a falta d’água, um tanque de combustíveis está à venda. O preço: R$20 mil. “Se for dinheiro, dá pra baixar. Botar em R$17 mil, R$18”, diz o vendedor.

Até um ano atrás, o tanque era usado para estocar álcool e gasolina. A lei manda que um tanque desses, quando esgota sua vida útil, seja incinerado, destruído. Não pode transportar mais nada. Mas dois homens dizem que dá pra carregar água tranquilamente.

“Tanque para combustível jamais pode ser usado para armazenar ou transportar água. Sempre vai causar problema de saúde. Inacreditável a cor da água”, afirma Anthony Wong, toxicologista da Faculdade de Medicina da USP.

Durante dois meses, o Fantástico investigou denúncias graves, envolvendo programas de distribuição de água em caminhões-pipa.

É dinheiro público que deveria atender com dignidade as vítimas da seca. Hamilton Souza, caminhoneiro, do Piauí, conhece bem a água que leva pra população.

“O senhor não tem coragem de beber?”, pergunta o Fantástico.

“Ah, eu não bebo, não. pra falar a verdade, eu compro a água. Eu compro mineral e bebo”, afirma Hamilton Souza, caminhoneiro.

Nossa equipe rodou mais de seis mil quilômetros em Alagoas, Pernambuco, Piauí e Bahia. E constatamos que a má qualidade da água não é o único problema. Os prazos de entrega raramente são respeitados.

“Dia 15, você não entregou. Dia 3, não entregou. Dia 10, você não entregou quase nada de água”, disse o repórter.

Uma mulher concorda que, se viesse água com frequência, quatro vezes por semana, não faltaria. “Se falta água, a gente tem que partir para os açudes. Beber essa água suja dos barreiros”, diz um homem.

O principal responsável pela distribuição de água no semi-árido brasileiro é o Exército, que coordena a "Operação carro-pipa".

São 835 cidades, em nove estados, totalizando quase quatro milhões de pessoas. Este ano, o governo federal já gastou mais de meio bilhão de reais nesse programa, que conta com cerca de seis mil "pipeiros", como são chamados os caminhoneiros que distribuem a água.

Cada um recebe do Exército um pagamento de até R$15 mil por mês.
Sem saber que era gravado, o pipeiro, contratado pelo Exército assume que o tanque dele já armazenou combustível e era subterrâneo: ficava debaixo das bombas de gasolina.

Números da Polícia Rodoviária Federal revelam: nos últimos dois anos, já foram identificados 70 caminhões-pipa suspeitos de transportar água em tanques que já armazenaram combustível.

Esses veículos prestavam serviço para o Exército e também para estados e prefeituras.

“O uso dele era de veículo de transporte de combustível. As características, a ferrugem, o desgaste do material, o tipo de corte interno”, afirma Sylvio Jardim Neto, da polícia Federal.

“Nós fizemos um relatório de todo o levantamento e encaminhamos para o Ministério Público”, diz Vera Lúcia Pretto Cella, superintendente da Polícia Rodoviária Federal de Alagoas.

Os tanques subterrâneos de postos de gasolina são geralmente cilíndricos e com divisões internas.

O que mostramos no início da reportagem e está á venda tem capacidade para 20 mil litros.

Encontramos o tanque, ainda com terra, num posto desativado, em Palmeira dos Índios, Alagoas.

Fantástico - Foi desenterrado há quanto tempo?
Dono do tanque - há uns oito meses.
Fantástico - ficou quanto tempo lá embaixo?
Dono do tanque - lá embaixo, acho que foi, mais ou menos, um ano e meio, dois anos.
O homem que negocia o tanque por R$20 mil diz ao nosso produtor que já vendeu outros quatro.
Fantástico - Os caras que compraram os outros foram pra carregar água?
Dono do tanque - Foi pra carregar água. Pra operação pipa, no caso.
Ele fala que, para entrar no programa do Exército, o tanque tem que ser modificado numa oficina.

Nesta, um mecânico nos atende diz como transformá-lo num caminhão-pipa.
“Tem que diminuir ele, cortar ele. Aí, rebaixa ele e ele fica bem rebaixadinho”, conta o mecânico.

Fantástico - Você já fez muito isso?
Mecânico - Já, já.
Com a ajuda da computação gráfica, é possível entender melhor como o tanque ficaria.
Fantástico - Quanto vai cobrar pra fazer isso pra gente?
Mecânico – Quatro mil ‘conto’.
Fantástico - Quatro mil?
Mecânico - É.
No preço, está incluído um “serviçinho”. Diz o mecânico que é pra tirar as sobras do combustível.
Fantástico - Lava com sabão.
Mecânico - Só sabão?
Fantástico - Sabão com água, né?

O dono do tanque confirma.
“Não sai com sabão, não sai com detergente, não sai com soda e não sai com ácido. Faz parte permanente da estrutura já do tanque”, explica Anthony Wong, toxicologista da Faculdade de Medicina, USP.
Ao saber que se tratava de uma reportagem, o dono do tanque não apareceu mais.

“Você não pode lavar um caminhão e achar que ele está bem. A água vai estar contaminada e não é adequada para o consumo humano”, explica Pedro Mancuso, engenheiro e professor da Faculdade Saúde Pública/USP.

Quem bebe dessa água pode ter diarreia e até câncer.
“Pode provocar tumores em qualquer órgão do corpo: coração, pulmão, fígado principalmente, baço”, afirma o toxicologista.

Entre maio e agosto, houve uma epidemia de diarreia em Alagoas. Foi a única registrada no Brasil nos últimos 10 anos:131 mortes, e um total de mais de 52 mil casos.

Dona Maria foi uma das vítimas. “Aqueles enjoo, sem querer comer nada e enfraquecendo e a gente levando no médico, mas infelizmente não teve como vencer”, conta José Silva Balbino, filho de dona Maria.

Durante a epidemia, não foram feitos testes para detectar combustível. Mas os laudos apontaram que a água estava contaminada por fezes e bactérias.

“A água que está sendo transportada pelos caminhões-pipa e a qualidade desses caminhões-pipa, com certeza, foram preponderantes para essa epidemia de diarreira”, afirma Micheli Tenório, promotora de Justiça.

Um caminhonheiro de Alagoas diz trabalhar no Exército há quatro anos e assume que o tanque dele, que hoje leva água, era de combustível. E diz que o pessoal do Exército sabe disso.

“Eles sabem, porque eles vêm a proporção do tanque. Quem é que não conhece, né?”, diz.
De acordo com o Ministério Público, existem denúncias que indicam que oficiais e ex-oficiais do

Exército cobram propina de caminhoneiros. Segundo as acusações, dando dinheiro, o motorista consegue ser contratado e passa por uma fiscalização menos rigorosa: o veículo é liberado para o serviço, mesmo sem condições.

“Se chegar ao fim e ao cabo dessas investigações e que tudo indica, nós chegaremos nessa conclusão de que houve esse episódio lamentável de propina, de corrupção, isso é realmente repugnante”, afirma Michelini Tenório, promotora de Justiça.

Além disso, os pneus estão carecas e a placa, adulterada. Mesmo assim, o veículo passou na vistoria do Exército.

“Jamais poderia ter sido aprovado na vistoria. Não poderia jamais estar transitando”, explica Décio Lucena, da Polícia Rodoviária Federal da Bahia.

O motorista ainda não cumpre a planilha que diz onde e quando a água deve ser entregue.
Fantástico - O senhor entregou 15 viagens. O senhor teria que entregar 27.
Moisés Dias, caminhoneiro - Exatamente. Ainda falta mais pra eu ir. Que o carro deu problema.

Fantástico - Estava quebrado o caminhão?
Moisés Dias, caminhoneiro - É. Exatamente. Deu problema.
Durante uma fiscalização recente, várias outras irregularidades. Esse caminhão acaba de ser apreendido pela Polícia Rodoviária federal. O motorista não tem habilitação. O caminhão também não tem nenhum tipo de documentação. O motorista também não tem o controle da distribuição dessa água, pra quem entregou a água.

“Mesmo que atrase a entrega da água, é necessário que a água seja potável e seja uma água boa para o consumo”, afirma Vera Lúcia Pretto Cella, superintendente PRF/AL.

O dono do caminhão apreendido reconhece que não segue a planilha do Exército.

“A mulher disse que não tava necessitando ainda, que tem na cisterna”, diz dono do caminhão.
Será que é isso mesmo?

Ao contrário do que disse o dono do caminhão, não encontramos nenhuma cisterna cheia no sítio Loiola, perto da cidade de Uauá, a mais de 450 quilômetros de Salvador.

Fantástico - Sobrando água não está?
Loiola Cardoso - Está nada. Pode até sobrar de um dia para o outro. A coisa está dura.

Voltamos a Alagoas, para apurar uma denúncia de fraude. A empresa Wash Service ganhou duas concorrências públicas do Exército para distribuir água. Entre 2012 e 2013, já recebeu mais de R$ 4,2 milhões.

No lugar onde seria a sede da empresa, em Maceió, não há nenhuma placa de identificação e não encontramos ninguém.

A mais de 250 quilômetros, em Senador Rui Palmeira, fica o endereço de uma sócia.
Janaína da Conceição Silva, que seria sócia da empresa que ganhou a licitação, não é encontrada em casa pelo Fantástico. A mãe dela nos recebe.

Fantástico - A senhora sabe se ela é dona de alguma empresa?
Mãe - Não. Quem tem empresa é o marido dela.
Fantástico - Ah, o marido?
Mãe - Sim. O Sargento Moreira.

William dos Santos Moreira foi sargento do Exército. Ele pediu dispensa da corporação em setembro deste ano. Portanto, ainda era militar na época que a Wash Service ganhou a concorrência pública. A lei das licitações determina que servidor não pode participar de concorrências na instituição em que trabalha. E o regimento do Exército ainda proíbe que o militar tenha outra atividade profissional.

No contrato social, o nome do sargento Moreira não aparece. Por telefone, Janaína - a mulher dele - disse: “A empresa é no meu nome mesmo”.

Fantástico - E quem tomava conta era o seu marido? O sargento Moreira?
Ela não responde.
Fomos a outras casas da região.
Fantástico - Qual a última vez que chegou água para o senhor?
Agricultor – Há mais ou menos uns 60 dias.

Já na casa da sogra do Sargento Moreira: “Agora, não falta não. Porque ele manda colocar”, diz ela.

“Quem?”, pergunta o Fantástico.

“O Sargento Moreira”, responde a sogra.
Procuramos o ex-militar durante três dias. Deixamos vários recados, mas ele não nos atendeu. Um motorista contratado pela Wash Service tem que abastecer a comunidade Pai Mané - na cidade de Dois Riachos, Alagoas, quatro vezes por semana. Mas os moradores dizem que isso não acontece.

Fantástico - Ficam quantos dias sem água?
Senhora - Às vezes, passam oito dias, 15 dias, um mês. Os quatro caminhões na semana, estava ótimo. Não carecia mais.

“Isso é crime. Você está lidando com água, que é vida para uma população que já é tão ressentida, que é a população do sertão nordestino”, diz Michelini Tenório, promotora de Justiça.

“Nós vamos abrir um procedimento administrativo para apurar essa possível irregularidade. E, caso constatada, serão adotadas as penalidades conforme a lei”, diz o coronel Valdênio Barros da Rocha, coordenador da operação carro-pipa do Exército.

Além dos veículos do Exército, as populações de Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia e Alagoas também são atendidas por caminhões-pipa mantidos pelos governos estaduais.
Juntos, esses programas de distribuição vão consumir mais de R$121 milhões até o fim do ano.

O Fantástico também investigou como esse dinheiro é aplicado.
Por onde passamos, os problemas se repetiram.
Fantástico - Essa água é limpa?
Caminhoneiro - É limpa.

Fantástico - Mas está cheio de terra ali no fundo. Está sujo.
Caminhoneiro - Não. Ela é limpa. Agora é que, às vezes, pega alguma poeira.

O desleixo maior foi em Ouricuri, Pernambuco. O lugar é como se fosse um cemitério de animais. E há um ponto clandestino de abastecimento de água.
Nossa equipe filmou quando um caminhão - a serviço do governo estadual - pegava água no açude. O motorista afirmou: “Pega desse açude aí?”.
“É. pra beber”.

Ao ser avisado que se trata de uma reportagem, o caminhoneiro disse que o veículo é do irmão dele: um vereador de Ouricuri.
Fantástico - Seu irmão entrega água para os eleitores?
- Para os eleitor.
Fantástico - O pessoal que vota nele, ele dá uma força?
- É, dá uma força.
Fantástico - A água está barrenta, não está?
- Mais ou menos. Não é muito barrenta, não.

O vereador Edilson Silva Oliveira aparece logo depois.
- Aqui não tem preferência, nem troca de voto.
- O senhor bebe essa água ai?
- Não. Isso é pras minhas plantas. Isso aí só serve para aguar plantas e pra animais beberem. Vai lá para o meu sítio.

Ele recebe, em média, R$5 mil por mês para levar água que deveria ser de boa qualidade aos moradores da região.

“O carro que transporta água para o gado é destinado só para o gado. Está infringindo a lei. Não pode”, diz um homem.

A Vigilância Sanitária constatou que a água está contaminada por fezes humanas e de animais. Tudo foi jogado numa praça. Depois disso, o vereador foi retirado do programa de distribuição de água.

Em algumas regiões do Nordeste, esta é a pior seca dos últimos 50 anos.

Fantástico - A senhora tem água para mais quantos dias?
Ana Maria da Silva, agricultora - Na cisterna? Pra uns oito dias. Sempre está faltando água.
Se um caminhão-pipa não chegar, uma represa pode ser a única alternativa.

Um casal não recebeu nenhuma gota dos programas de distribuição de água. Pra não passar sede, recorreram a um açude.

Fantástico - É água limpa?.
- É amarela, mas dá pra beber.
“Água é tudo, né. Faltou água, falta tudo pra gente”, afirma Vanildo da Silva, agricultor

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

QUANDO HÁ DESASTRES NATURAIS, A VIRTUDE DO GOVERNANTE NÃO ESTÁ À ALTURA

MOMENTO DE SABEDORIA


Por Epoch Times 09.07 às 3:00



O Rei Cheng Tang, da Dinastia Shang, imaginado pelo pintor Ma Lin, da Dinastia Song. A pintura está no Museu do Palácio Nacional em Taipei, Taiwan (Wikimedia)

Os chineses antigos acreditavam que se um monarca vive para servir as pessoas, isso estremecerá o céu e a Terra e trará prosperidade para seu povo.

Seja uma invasão de gafanhotos, secas, terremotos ou impactos de meteoritos, dinastia após dinastia os chineses acreditavam que a origem dos desastres naturais resultava de que “A virtude do Imperador não está a altura de sua posição.”

Os monarcas deviam levar vestidos longos e brancos pela manhã, mater-se distantes dos luxos do palácio, jejuar, abster-se de diversões, assim como muitos outros comportamentos para alcançar a autorreflexão, o melhoramento espiritual e o cultivo da virtude.

Alguns antigos imperadores chineses eram considerados responsáveis por todos os crimes humanos e por todos os desastres e calamidades sofridas pelo povo, então, pediam perdão a seus súditos por meio de editais imperiais por sua “administração inapropriada”.

Estas crenças concordavam com as antigas regras para o governo e a administração de tomar a lei do céu como guia do governo, a virtude como a fundação da administração e a compreensão de que a moralidade de um governante deve conformar-se às exigências do céu.

Cheng Tang era um rei virtuoso e benevolente. Depois de derrotar o tirano Jie, da Dinastia Xia, foi o primeiro Imperador da Dinastia Shang, estabelecida no ano de 1766 a.C. Durante a Dinastia Xia, sendo Cheng ainda um senhor feudal, ele foi acampar e viu um caçador que estendia suas redes e rogava a cada uma das quatro direções do céu “que em cada uma das quatro direções, todas as aves no céu e todas as bestas sobre a terra sejam capturadas em minhas redes”.

Vendo a cena, Cheng Tang suspirou e disse: “Atos tão cruéis como estender redes nas quatro direções para capturar todas as aves e bestas vivas são iguais aos do tirano Jie da Dinastia Xia.”

Cheng Tang ordenou ao caçador que retirasse suas redes em três direções, cobrindo uma só direção. O caçador modificou então sua oração, “Que todas as criaturas selvagens da esquerda, escapem mais para a esquerda. Que todas as criaturas selvagens da direita escapem mais para a direita. Que todas as criaturas selvagens que voam nos ares se elevem mais alto. Que todas as criaturas selvagens na terra escapem mais para baixo. Deixem somente que as criaturas selvagens destinadas a morrer entrem em minhas redes.”

Quando o senhor feudal de Han Nan ouviu esta história, elogiou o virtuoso Cheng Tang pelo que havia feito. “Cheng Tang é tão virtuoso como compassivo com as aves e feras. Não somente os homens recebem a benevolência de um rei!”

Esta é a origem do famoso provérbio chinês: “Estenda sua rede de um só lado”, que hoje significa “Deixar ao malfeitor uma saída para dar-lhe uma segunda oportunidade”. Segundo os registros históricos, depois que Cheng Tang cumpriu uma cruzada honorável que colocou fim ao reinado do tirano Jie, três mil senhores feudais se reuniram para escolher o novo imperador da China. Cheng Tang apresentou o selo imperial que havia adquirido de Jie, colocou-o à esquerda do selo vazio do imperador chinês e se inclinou repetidas vezes diante dele. Apresentando seu respeito para o selo imperial, Cheng Tang tomou assento entre os outros, e como senhor feudal disse: “Este trono pertence a um homem de virtude, porque a China é propriedade de todas as famílias. Somente um homem virtuoso pode dirigir a China. Somente um homem com princípios pode governar o mundo, porque somente um homem com princípios pode governar o país corretamente.” De todos os três mil senhores feudais, nenhum se atreveu a reclamar o trono. Cheng Tang negou modestamente o voto unânime de todos os senhores feudais três vezes antes de tomar finalmente com graça o assento imperial.

Ainda que Cheng Tang houvesse conseguido iniciar uma nova dinastia, a grave seca que havia começado durante o reinado de Jie continuava afetando a China. Durante sete anos, a seca fez com que rios e poços secassem, matou toda a grama e todas as árvores e deteve a germinação de todas as sementes, impedindo que o povo fizesse a colheita. Desde o início da seca, Cheng Tang havia instalado um altar e rogava sinceramente ao céu que chovesse, colocando fim à seca.

Sete anos se passaram, mas a seca persistia. Chang Tang ordenou ao astrônomo do reino que buscasse uma solução mediante adivinhação. O astrônomo disse: “Devemos sacrificar um homem diante dos deuses para parar a seca.” Cheng Tang refletiu por um momento e em seguida disse: “Estou rezando pela chegada da chuva para a salvação de meus súditos. Se devemos sacrificar um homem ao céu, sou voluntário para ser sacrificado.”

Cheng Tang tomou um banho, se absteve de alimento, cortou seus cabelos e unhas e trajando uma vestimenta longa de tecido branco e um cinturão branco, conduziu uma carruagem com um cavalo branco em direção a uma plantação de amoras. Ao chegar, dirigiu esta oração ao céu: “A culpa é minha e somente deve afetar a mim. Por favor, não castigue os meus súditos. Se meus súditos fizeram algo mau que tenha contribuído à seca, devo ser a origem e a causa de suas más ações. Espíritos do céu e espíritos fantasmas, por favor não toquem meus súditos porque sou eu quem falhei em guiá-los corretamente devido a minhas insuficientes capacidades.”

Em seguida o Imperador fez censuras a si mesmo de seis maneiras diferentes: “Acaso a seca foi causada pela falta de lei e ordem em minha administração? Acaso ignorei as dificuldades de meus súditos e não pude cumprir suas esperanças? Acaso a seca foi causada pela corrupção dos funcionários do governo de quem não dei conta? Desperdicei dinheiro ou utilizei a mão de obra de funcionários corruptos e aceitei maus conselhos?” No momento em que Cheng Tang terminou suas perguntas, começou a chover sobre milhares de quilômetros.

A antiga cultura tradicional da China diz que se um monarca verdadeiramente vive por seus súditos, sua conduta virtuosa poderá estremecer o céu e a Terra, trará prosperidade e deixará um bom exemplo para as gerações futuras.



Este artigo pertence a série “Histórias da antiga China”.

FONTE:

terça-feira, 12 de novembro de 2013

AS ENXURRADAS E A IMPREVIDÊNCIA

ZERO HORA 12 de novembro de 2013 | N° 17612


EDITORIAIS



É compreensível que, diante de uma chuvarada como a registrada ontem, que excedeu em um dia a média de precipitação de um mês, o setor público seja incapaz de atender a todas as demandas e evitar muitos dos danos provocados, em especial na Região Metropolitana. Mas, ao mesmo tempo em que se reconhecem os esforços das equipes mobilizadas para atenuar transtornos e prejuízos, é preciso admitir que boa parte do que ocorreu é consequência de deficiências estruturais que ainda não foram tratadas como prioridade.

As enxurradas, com o transbordamento ou o acúmulo de água em cursos d’água, vias públicas e áreas urbanas habitadas, são o efeito mais visível de problemas causados por uma boa dose de imprevidência. Constata-se, nessas situações, que os dutos existentes não conseguem dar vazão a grandes volumes de chuva. O que seria compreensível em situações absolutamente anormais, como pode ser considerado o cenário de ontem, não é assim tão raro. A atual estrutura das redes de escoamento da Capital fracassa também quando eventos climáticos não se enquadram entre os considerados excepcionais.

São repetidos os episódios em que Porto Alegre tem a vida transtornada por chuvas intensas. Não basta alegar que não há como evitar os prejuízos causados por precipitações como a de ontem. É preciso pelo menos adotar medidas preventivas para atenuá-los e montar planos mais efetivos de intervenção nas emergências. Por isso, é urgente uma revisão nas estruturas das grandes cidades, como já foi feito parcialmente em algumas áreas localizadas, ou as chuvas continuarão causando danos econômicos e sociais, mesmo em circunstâncias menos dramáticas. A população, que contribui de forma irresponsável para o entupimento de bueiros, ao descartar lixo em ruas e riachos, também precisa rever hábitos e assumir responsabilidades. As chuvas intensas põem em questão a falta de planejamento dos governos e falhas graves de nossas condutas como cidadãos.

DRENAGEM DO SÉCULO PASSADO

ZERO HORA 12 de novembro de 2013 | N° 17612


CLIMA


A chuva intensa fez Porto Alegre e outras cidades gaúchas viverem uma segunda-feira caótica. Na Capital, que registrou em um dia a precipitação esperada para o mês inteiro, o obsoleto sistema de redes coletoras e casas de bombas não chegou nem perto de dar conta do recado. A cidade parou. Famílias tiveram de abandonar as casas. No Interior houve destruição, desabrigados e a morte de uma mulher em razão de desabamento em Candelária – o filho dela permanecia desaparecido até o final da noite.


A enxurrada de ontem escancarou mais uma vez o preço que a população de Porto Alegre paga por viver em uma cidade do século 21 com uma estrutura de escoamento dos anos 60 do século passado. Foi como enfrentar um exército armado com um bodoque. A Capital se contrapôs a 105 milímetros de precipitação em 17 horas – o equivalente ao esperado para o mês inteiro – municiada com um obsoleto sistema de redes coletoras e casas de bombas construído há 50 anos, quando a cidade tinha menos de metade da população atual.

Porto Alegre levou uma surra monumental da chuvarada.

Como tem ocorrido sempre que há chuva forte, as décadas de investimento insuficiente em infraestrutura resultaram em bairros alagados, famílias desabrigadas, trânsito paralisado e uma metrópole de 1,4 milhão de moradores convertida em subcidade, funcionando apenas à meia boca.

A Zona Norte, região mais populosa da cidade, viveu um dia infernal. A Avenida Sertório, como tem acontecido com regularidade, submergiu, sobrecarregando a Assis Brasil. Sair da região virou uma epopeia. Durante a manhã e a tarde, eram necessárias quatro horas dentro do carro para vencer poucos quilômetros nas duas avenidas. Muita gente desistiu e não foi trabalhar. Em algumas escolas, as escassas crianças que apareceram foram reunidas para atividades especiais, sob guarda dos professores que conseguiram chegar.

Pela cidade afora, postos de saúde ficaram fechados, moradores tiveram de sair de casa de barco, veículos submergiram, viajantes não conseguiram chegar ao aeroporto a tempo e o trensurb deixou de funcionar por seis horas, entre 7h30min e 13h30min, do Mercado à Estação São Pedro.

O próprio diretor-geral do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), Tarso Boelter, reconheceu que a cidade foi castigada por não dispor de um sistema em condições de enfrentar chuvaradas de maior dimensão.

– As nossas casas de bombas são de 1960 e foram feitas pensando na realidade da enchente de 1941. Na época, eram o que havia de melhor. Mas não houve uma modernização nesses 53 anos, só reformas e consertos. A população se multiplicou, e a rede coletora se tornou insuficiente – afirmou Boelter.

As redes e as casas de bombas são fundamentais para dar vazão à água da chuva, canalizando-a para rios e arroios. Somadas aos diques, comportas, bacias de amortecimento, limpeza da rede e das bocas de lobo, além da dragagem de arroios, elas compõem o arsenal de que a cidade dispõe para aguentar as enxurradas. O problema é que o sistema tem uma capacidade limitada de escoamento. A água que ele não consegue escoar se acumular em ruas e avenidas. Foi o que aconteceu ontem.

Para se ter uma ideia da precariedade do sistema, o DEP planeja substituir 14 das 19 casas de bombas em funcionamento hoje – as novas estruturas terão capacidade para dar vazão a uma quantidade até seis vezes maior de água e serão dotadas de geradores elétricos – um terço das casas de bomba não funcionou ontem por causa de quedas no fornecimento de energia.

As galerias responsáveis por recolher a água são outra vergonha porto-alegrense. A Avenida Padre Cacique, por exemplo, vira um lago a cada chuva porque a tubulação para escoar a água dos morros próximos tem apenas 80 centímetros de diâmetro. Há esperança para a região. Como parte das obras para a Copa de 2014, estão sendo instaladas galerias com 3m50cm por 2m20cm.

Para o doutor em Hidrologia e coordenador do Núcleo de Águas Urbanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Joel Goldenfum, avanços na infraestrutura dependem de “vontade política”:

– É possível resolver. É uma questão de vontade política. Sempre haverá chuvas excepcionais, o que não pode é qualquer chuva frequente alagar.


Sem mudança antes de 2016

Enquanto os porto-alegrenses sofrem a cada chuva intensa, as autoridades demoram para levar adiante projetos que, se não resolvem o problema, têm condições de amenizar as enxurradas e evitar o caos no trânsito. Os R$ 86 milhões necessários para renovar 14 das 19 casas de bombas existentes na Capital estão disponíveis desde dezembro passado no Ministério das Cidades, a fundo perdido (sem necessidade de reembolso), só que não há projetos aprovados.

A alegação do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) é que as obras são complexas. Existe a promessa de uma licitação em janeiro ou fevereiro de 2014. Em até três anos, no entanto, o novo sistema não deve entrar em funcionamento.

– Vamos conviver com enchentes até 2016, pelo menos. Não vou abrir mão de técnica e preço. Isso deve ser feito por empresas especializadas que estudem o terreno, o solo e os cálculos – alega o diretor Tarso Boelter.

As mudanças nas casas de bombas podem evitar, por exemplo, que elas parem de funcionar quando houver queda de energia elétrica, o que aconteceu ontem em seis delas.

Com geradores próprios, as estruturas enfrentariam melhor uma tempestade. Além disso, poços de armazenamento maiores e uma vazão mais potente serão decisivos para frear enxurradas em precipitações não tão fortes. Mesmo assim, o professor Joel Goldenfun, coordenador do núcleo de Águas Urbanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), alerta que as medidas são insuficientes:

– Há muitos outros elementos dentro do Plano Diretor de Drenagem Urbana, é todo um sistema que está previsto. Resolver não é complicado, requer um plano urbanístico.

Por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de prevenção contra desastres naturais, a prefeitura foi contemplada com R$ 237 milhões. A verba abrange as novas casas de bombas e alterações nas bacias dos arroios Areia (Humaitá), Moinho (Partenon) e Guabiroba (Zona Sul).

MAURICIO TONETTO



VEÍCULOS MERGULHADOS NO LODO


ZERO HORA 12 de novembro de 2013 | N° 17612


CLIMA - Veículos mergulhados no lodo



Lúgubre talvez seja o melhor adjetivo para descrever o cenário na Eli Autopeças, oficina mecânica encravada nos fundos de um terreno da Avenida Assis Brasil, zona norte de Porto Alegre.

A palavra tem vários sentidos, e, aqui, nos socorremos ao dicionário: “triste, soturno ou fúnebre, escuro, sombrio ou sinistro”. Até letal, se o contexto incluir as finanças do dono e de terceiros. Todas as definições se aplicam ao local, inundado no início da manhã de ontem devido ao volume excessivo de chuva que caiu sobre o Estado desde a madrugada.

No caso da Eli Autopeças, o azar foi coletivo. Embora um vizinho tivesse detectado o alagamento antes das 7h, o pessoal da oficina só tomou conhecimento da situação por volta das 8h30min. Um dos funcionários, Volmir, descreve o cenário e aponta para o capô de um Gol branco. Há marcas de terra no veículo:

– Estava tudo alagado.

Outro mecânico, Hélio Dias, complementa o relato do colega. Está ao lado de Volmir e de Eli Kieldovicz, 74 anos, o dono da oficina.

– Tinha água nas maçanetas de todos os carros – afirma.

São cinco: além do Gol, Pampa, Chevette, Corsa e Saveiro. Os donos dos veículos se tornaram, da noite para o dia, sócios no prejuízo. Não há certeza de que disponham de seguro e, pior, da cobertura de apólices para o ocorrido. Os prejuízos devem ser superiores a R$ 500 para cada carro que naufragou na enxurrada. Talvez mais, segundo o proprietário da oficina.

Chão embarrado e muita umidade

O Corsa não respondia às insistentes tentativas de ignição. O Chevette também apresentava problemas no módulo de injeção eletrônica. O jeito era dar uma geral para, primeiro, tirar a água dos veículos. O estofamento ensopado ficaria para uma segunda etapa. Provavelmente, terá de ser retirado para uma lavagem completa do interior de cada carro. Aliás, a Eli Autopeças também passará, hoje, por uma faxina completa.

Pela manhã, não restou alternativa aos mecânicos a não ser esperar, resguardados na parte superior do prédio, a água descer. E percorrer uma sinuosa escada foi o primeiro desafio dos trabalhadores. Ao fim do dia, apesar dos estragos, Hélio encontrou ânimo para dizer que vencera a jornada sem escorregões perigosos. Ele e os colegas controlaram o passo no chão embarrado, componente extra para um ambiente já escurecido pelos portões fechados. A isso, Hélio acrescenta, sem ironia, a umidade. Daí a escolha do “lúgubre” como expressão adequada para o cenário.

– Isto é um perigo para caminhar – resume o mecânico.

A turma da Eli Autopeças planeja cuidado redobrado antes e durante as próximas tempestades. E promete também ficar de olho na previsão do tempo.

– Na próxima chuva, vamos cuidar para não ter carro aqui dentro – garante Hélio.

Os veículos atingidos ontem haviam chegado entre quinta-feira e sábado. Para hoje, a ordem é estar a postos às 7h45min para completar a operação limpeza. Menos mal, no caso do quarteto da oficina, foi que ninguém teve problemas com água entrando em suas casas. Ao contrário de José Arceleu, o servente de pedreiro que protagonizou a história da página ao lado, os amigos da oficina dormiriam em quartos secos.



A QUEM RECORRER

Alguém paga pelos móveis danificados e estragos em residências?

O diretor do Procon estadual, Cristiano Aquino, esclarece que há duas situações distintas no que se refere a perdas causadas por eventos da natureza, como a chuva. Quando o imóvel está segurado, o proprietário deve procurar a seguradora e, se não obtiver sucesso, contatar o órgão. Quando não tem seguro, o próprio poder público deve prestar socorro para que as pessoas possam voltar a suas casas.

Eletrodomésticos queimados podem ser ressarcidos?

Sim. Se o consumidor tiver aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos queimados ou danificados por falta de energia, deve entrar em contato com a concessionária responsável pelo fornecimento e pedir uma vistoria de avaliação de danos. Dependendo do caso, o aparelho pode ser trocado ou consertado. De acordo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o consumidor tem o prazo de 90 dias para encaminhar sua reclamação à concessionária distribuidora do serviço.

A VIDA SUBMERSA PELA ENXURRADA



ZERO HORA 12 de novembro de 2013 | N° 17612

CARLOS GUILHERME FERREIRA

José Arceleu Silva, 58 anos, servente de pedreiro, não é um homem de posses. Mas perdeu tudo pela segunda vez, em menos de três meses.


Ilhado devido ao rompimento do dique que represa o Rio Gravataí, no final de agosto, ele não esperava passar por tamanho dissabor em um intervalo tão pequeno. Desta vez, virou vítima da chuvarada. O relógio marcava 9h, ontem, quando a água invadiu sem cerimônia a pequena casa de dois quartos, na Vila Farroupilha, zona norte da Capital. José Arceleu nada pôde fazer a não ser retirar a mulher, Carlinda, que convalesce de um Acidente Vascular Cerebral. Abrigou-a com uma vizinha.

– Não tenho onde dormir – lamentou, já no final da tarde, quando a água gelada e barrenta batia na altura do joelho.

E, se dormisse, seria em cima de uma cama transformada em ilha e habitada por pilhas de roupas e outros pertences de pequeno porte, além de alimentos. Porque o servente de pedreiro teme arrombamentos, imagina o pior ao pensar na mínima chance de alguém entrar na residência – como aconteceu no episódio do dique – e levar itens a salvo da água.

Neste caso, enquadram-se duas pequenas TVs, um DVD portátil, um ventilador, quatro gaiolas com passarinhos, aparelho de som, um pequeno sofá. Há duas geladeiras, e ambas se foram. Uma delas boia no meio da sala de paredes nem tão brancas e com marcas do nível d’água. A geladeira se move sozinha, agitada pelas ondas provocadas pelos passos dentro do imóvel. O cenário é surrealista. Uma bicicleta junto à porta, água acima das rodas, emoldura a entrada. Ao lado da entrada do quarto, um armarinho de madeira, submerso, espera pelo apodrecimento. Ao vê-lo, José Arceleu se emociona:

– Isso eu ganhei.

Servente quer mudar de casa

Faz pouco tempo, depois da enchente do dique. Agora a tristeza toma contornos de raiva. José Arceleu emenda, quase às lágrimas, que retirou o armarinho do lixo.

E aí ele enfurece. Desafoga o sentimento de quem, pelas próprias palavras, faz parte de uma realidade esquecida na maior parte do tempo – à exceção das eleições. Homem simples, passa a ponderar sobre o sistema político. Questiona a necessidade do voto, considera este instrumento inútil. As visitas – e ele generaliza, reclama de prefeitos, vereadores, deputados – só acontecem em época de eleições.

Ontem, nem pensar. E se alguma autoridade – ou quem quer que fosse – visitasse a casa de José Arceleu, teria de enfrentar uma lâmina de cerca de 40 centímetros de água em um beco, a continuação da Rua Domingos Antônio Santoro, onde nem um jipe consegue entrar. Encontraria uma casa de material, de cor branca e de janelas azuis, com uma pequena cerca de ferro submersa rente à fachada. Ao lado do número, consta – por ironia – uma marcação do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae).

Um pouco mais calmo, José Arceleu afirma pensar em mudança do endereço no qual vive há mais de 30 anos. Imagina dificuldades por falta de dinheiro e, claro, a consequente desvalorização de um local alagado com frequência. Vendê-lo seria difícil. Nem por R$ 10 mil, calcula. E ele novamente ergue o tom de voz e dispara uma frase crua na essência:

– Somos tratados como animais por esses políticos. Não somos tratados como gente.


A DOR EM NÚMEROS


2.948 pessoas foram afetadas pelas chuvas que atingem o Estado desde domingo, conforme o último balanço da Defesa Civil. Destas, 948 estão desabrigadas, e 2 mil, desalojadas.

21 municípios atendidos pela Corsan estavam, até a noite de ontem, com problemas no abastecimento de água Estado.

COMO AJUDAR?

- Por meio da Central de doações da Defesa Civil (51) 3288-6781 ou procurar diretamente a Defesa Civil de cada município.

- O que pode ser doado? Cobertores, travesseiros, colchões, alimentos não perecíveis, leite, roupas de cama e banho, material de higiene e de limpeza.

MORTE, DRAMA E PREJUÍZOS NO RS

ZERO HORA 12 de novembro de 2013 | N° 17612

VANESSA KANNENBERG



CLIMA. Morte, drama e prejuízos



O desaparecimento de uma mãe e um filho em Candelária, no Vale do Rio Pardo, simboliza o drama vivido por milhares de pessoas em todo o Estado desde domingo, quando começou uma chuvarada responsável por inundar casas, desabrigar famílias e desmoronar barreiras e árvores, provocando estragos ainda incalculados.

Em Picada Feltz, localidade que fica no limite de Candelária com Cerro Branco, Vanusa Nunes e o filho Ijalan Jaeger, de um ano e seis meses, sumiram quando as águas do encontro de dois arroios saíram do leito e derrubaram uma estufa de fumo, onde eles estavam, ontem à tarde. Segundo o pai Paulo Jaeger contou ao bombeiro Arzélio Strassburger, ele havia ido buscar o gado com outra filha, e quando retornou já era tarde demais.

– Ele estava muito emocionado, quase não conseguia falar, por isso nem insisti em conseguir informações – conta Strassburger.

Os Bombeiros Voluntários de Candelária foram chamados para prestar socorro, mas devido à força e o volume de água, não conseguiram chegar na estufa – mesmo tendo feito um caminho alternativo, já que no principal duas pontes haviam caído.

– Era surreal, a água passava mais de um metro acima dos escombros, fazendo redemoinhos. Íamos tentar usar um trator, mas não tinha como – conta o comandante da guarnição, Juvenal Benhard.

Uma comitiva formada pelo prefeito, secretários municipais, socorristas do Samu e Brigada Militar se mobilizou para ir até a propriedade, no final da tarde, com duas retroescavadeiras. No final da noite, o corpo de Vanusa foi encontrado, mas as buscas a Ijalan seguem na manhã de hoje.

Pelo menos duas cidades pedem ajuda da Defesa Civil

Fontoura Xavier, no Norte, decretou situação de emergência após contabilizar 45% das residências com destelhamentos. Em Bento Gonçalves, mais de 400 casas foram destelhadas, e cerca de 700 famílias atingidas na área urbana, o que motivou a prefeitura a decretar estado de calamidade pública.

Três escolas de Santa Maria suspenderam as aulas devido aos alagamentos. Na Escola Estadual Cilon Rosa, 1,35 mil estudantes foram para casa. Várias salas alagaram e havia risco de choques elétricos. Segundo o diretor da Escola, Leonardo Gonçalves, é a segunda vez que isso acontece neste ano. No bairro Camobi, uma idosa, com problemas para se locomover, precisou da ajuda dos bombeiros para ser retirada de casa.


OS NÚMEROS. Centenas de famílias sofreram com a chuva

200 milímetros foram registrados em menos de 24 horas desde domingo em Candelária, no Vale do Rio Pardo, que ficou com quase todos os bairros do município alagados.

1 mil pessoas ficaram desalojadas em Quaraí, na Fronteira Oeste. Outras 200 famílas estão desalojadas e foram levadas para dois abrigos da cidade.

2 mil casas foram destelhadas em Fontoura Xavier, no norte do Estado, o que representa 45% das residências do município. A prefeitura decretou situação de emergência.


Estragos e promessas em Caxias

O advogado Gerson Luis Soares Mendes, 40 anos, e a esposa Priscila Rabello, 37 anos, ficaram aliviados, pois a enxurrada que invadiu a casa deles, no bairro Jardim Eldorado, em Caxias do Sul, causou apenas danos materiais.

Um muro de contenção em frente ao imóvel, na Rua 12 de Outubro, cedeu e caiu sobre dois carros estacionados no pátio, situado abaixo do nível da rua. Outro veículo, próximo ao meio fio da rua, desceu com os entulhos. A água invadiu o imóvel de uma só vez e estragou móveis e eletrônicos. Apesar disso, não prejudicou o atendimento do filho Luis Eduardo Beraldin Rabello, seis anos. O garoto sofre de uma doença degenerativa e precisa de cuidado constante com equipamentos hospitalares. O casal tem ainda outro filho, de cinco anos.

– O principal eram as crianças, o resto se compra – afirma Gerson.

A chuva deixou um saldo parcial de 18 bairros afetados e cerca de 70 famílias atendidas no município. No interior, há registros de perdas de até 70% nos parreirais.






sexta-feira, 8 de novembro de 2013

LICENÇA VENCIDA E ACESSO DIFÍCIL


FOLHA.COM 08/11/2013 - 10h45

Prédio comercial onde começou o incêndio estava em situação irregular

DE SÃO PAULO


O Corpo de Bombeiros afirmou que estava irregular o prédio comercial localizado na avenida Ipiranga onde se iniciou o incêndio na madrugada desta sexta-feira (8). O fogo começou em uma academia no prédio comercial, se alastrou e atingiu também três andares de um edifício residencial. Mais de 50 pessoas passaram mal por conta da fumaça.

O tenente coronel Walmir Correa Leite disse que o AVCB (Alvará de Vistoria do Corpo de Bombeiros) do prédio onde funcionava a academia SmartFit estava com a licença vencida desde março.

Os bombeiros, segundo o tenente-coronel, fizeram uma vistoria no edifício no dia 29 de março e pediram que medidas fossem tomadas para regularizar a documentação, o que não ocorreu. "O que é fato é que o prédio não poderia estar funcionando", disse o bombeiro que não soube detalhar o que exatamente faltava para o edifício regularizar a sua situação.

O fogo se alastrou ainda mais rápido porque vários imóveis do prédio residencial tinham botijões de gás. " Os botijões de gás viraram maçaricos no incêndio", explica Roberto Rensi Cunha, comandante dos Bombeiros Metropolitanos. Os prédios ficam localizados na rua do Boticário com a avenida Ipiranga.

Outro problema encontrado pelo comandante dos bombeiros foram as portas corta-fogo trancadas no edifício comercial.


O prédio residencial e o comercial foram interditados pela Defesa Civil. Segundo o coordenador da Defesa Civil, Jair Paca de Lima, os moradores estão subindo em pequenos grupos para retirar documentos e objetos pessoais.

O incêndio começou por volta da 1h e foi controlado duas horas depois por 48 equipes do Corpo de Bombeiros, totalizando 150 homens. Os bombeiros estão nesta manhã fazendo o trabalho de rescaldo nos imóveis.

Os moradores do prédio residencial de 25 andares foram forçados a deixar os 146 apartamentos e acompanharam na rua o trabalho dos bombeiros. Muitas pessoas passaram a madrugada sentadas nas calçadas da avenida Rio Branco, algumas delas utilizavam cobertores para se proteger do frio da madrugada. Outras seguravam crianças e animais de estimação que conseguiram retirar dos apartamentos.

DIFICULDADES NO RESGATE

Segundo os bombeiros, um dos problemas enfrentados no resgate foi o da comunicação. Muitos estrangeiros, entre eles chineses, bolivianos e peruanos, vivem no local e não entendiam as ordens dadas por bombeiros para deixar os apartamentos. Alguns se recusaram a abrir as portas com medo de roubo e os bombeiros tiveram que arrombar.

Assustado com o incêndio, um homem de origem oriental tentou se jogar pela janela de um apartamento no 4º andar do prédio residencial. Por diversas vezes ele colocava as pernas para o lado de fora da janela e desistia quando os moradores da região, que acompanhavam o trabalho dos bombeiros, gritavam em coro: não.

De acordo com os bombeiros, mais de 50 pessoas que inalaram fumaça foram atendidas em um posto de socorro montado na avenida Ipiranga. Elas eram retiradas do prédio pelos bombeiros e levadas a lonas coloridas estendidas na rua Rio Branco de acordo com o grau de gravidade. Nas lonas verdes eram colocados os casos mais leves, na amarela os medianos e na vermelha os mais graves.

Editoria de Arte/Folhapress



Após a seleção dos pacientes, médicos do Grau (Grupo de Resgate e Atenção as Urgências e Emergências) faziam a medição de oxigenação no pulmão e batimentos cardíacos e anotavam a caneta na mão das vítimas para controle.

Cerca de 30 pessoas, moradoras de um prédio vizinho na esquina da avenida Rio Branco com a avenida Ipiranga, foram levadas à Santa Casa de São Paulo e aos hospitais São Paulo, Vergueiro e das Clínicas. A vítima mais grave foi um idoso que sofreu queimaduras de segundo grau. Um bombeiro também foi atendido após cortar a mão.

As causas do incêndio serão investigadas.


08/11/2013 - 09h18

Moradores reclamam de demora dos bombeiros para atender incêndio em SP


MARTHA ALVES
DE SÃO PAULO


Vizinhos dos prédios atingidos pelo fogo na academia SmartFit, no centro de São Paulo, reclamam que os bombeiros demoraram muito para chegar ao local.

O zelador, Rene Teodose, 37, que mora em um prédio comercial ao lado de um dos edifícios atingidos, disse que estava dormindo quando começou o incêndio na academia.

Segundo Teodose, a mulher o acordou e ele imediatamente começou a gritar de uma sacada para os moradores do prédio residencial deixarem o local. " Fiquei rouco de tanto gritar, mas se não fosse por mim muita gente teria morrido intoxicada pela fumaça", disse o zelador.

O desespero de Teodose era tanto que ele tentou apagar o fogo usando um hidrante do prédio, mas depois desistiu e passou a utilizar uma mangueira jogando água da sacada do edifício para tentar apagar o fogo.

" De repente a fumaça cobriu tudo e ninguém viu mais nada, se os bombeiros tivessem chegado naquele momento que tentei apagar o fogo a academia não estaria destruída", afirma.

O capitão do Exército, Rodrigo da França Mesquita Lopes, 35, que mora em um prédio na rua Boticário, quase em frente à academia onde começou o incêndio, também reclama que os bombeiros demoraram para chegar." Liguei para os bombeiros e eles demoraram uns 20 minutos para chegar", disse.

Os bombeiros contestam a versão dos moradores da região e dizem que quando as pessoas estão em uma situação de risco o tempo de espera parece maior que o real.

O comandante Roberto Rensi Cunha, dos Bombeiros Metropolitanos, afirma que a corporação recebeu a primeira chamada à 1h01.

" No deslocamento e chegada ao local do incêndio foram gastos entre 8 e 9 minutos", garante o comandante.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

NOVAS LEIS, VELHAS CONDUTAS


ZERO HORA 28 de outubro de 2013 | N° 17597

ARTIGOS

Cláudio Brito*



O incêndio na Sogipa escancarou o que já se sabia: temos leis para tudo e para todos, mas somos falhos em cumpri-las. Os bombeiros que cuidaram de impedir que o fogo atingisse outras áreas do clube e dominaram o caos também informaram que havia ali muita irregularidade. O prédio nem poderia ser utilizado. Faltava-lhe tudo, a começar pelo plano de prevenção contra incêndios. Não é apenas na Sogipa que isso ocorre. Se houver fiscalização intensa e se forem feitas todas as inspeções que esperamos venham a acontecer, a metade ou talvez mais dos prédios de clubes e outros de uso coletivo, em Porto Alegre, terão suas portas fechadas. E, como em outras vezes, a constatação de que órgãos públicos não fazem o que devem.

Digo a respeito das vistorias que servem de pré-requisitos para concessão de alvarás. Há sempre a informação de que um espera pelo outro e o que resta é o vazio. Falta um alvará, uma visita não aconteceu, o exame do local apontou falhas e um plano de prevenção ficou na dependência de que outros procedimentos fossem aperfeiçoados. Tem sido assim quase sempre.

Na mesma semana, em Santa Maria, os bombeiros terminaram uma série de visitas às escolas da cidade, cumprindo determinação do Ministério Público. Mais de 40% dos estabelecimentos vistoriados foram listados como fora do padrão legal. Deve ser assim em todos os cantos do Rio Grande, não duvidem. Falta de leis? Nada. Falta de seriedade e de respeito, isso sim. Em várias Câmaras Municipais, na Assembleia Legislativa e no Congresso, em Brasília, tramitam muitas propostas de leis para modificar essa realidade. Não é por aí. Não é assim que se faz.

Não precisamos de novas leis, por mais que se deva reconhecer a boa intenção dos legisladores e apesar do bom padrão técnico dos projetos em exame ou já votados. Temos que mudar o comportamento. As velhas condutas devem ser vencidas, soterradas. Falo de todos. Servidores responsáveis pelo controle e fiscalização, combatentes contra o fogo, proprietários, inquilinos, usuários. De nada adiantarão normas técnicas bem urdidas e leis modernas, se continuarmos no padrão do jeitinho, nas omissões criminosas e no disparate de incêndios ocorridos pelo descaso e pela insensatez de quem deveria cuidar para que tudo fosse diferente. Não tem alvará? Não aconteceu a liberação pela prefeitura ou pelos bombeiros? Então, interdição. Sem remédio ou liminar. Sem perdão.

*JORNALISTA

 COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -  O Brasil tem de sobra leis, autoridades "competentes" e burocracia. Mas falta estrutura para executar e aplicar as leis, processos ágeis, ação responsável, fiscalização vigilante e punição aos irresponsáveis.




domingo, 27 de outubro de 2013

KISS: FISCAIS NA MIRA


ZERO HORA 27 de outubro de 2013 | N° 17596

ADRIANA IRION

TRAGÉDIA DA KISS

Fiscais na mira de novo. Com base em novos inquéritos da polícia, familiares das vítimas pedem que promotores reabram investigação contra agentes públicos



Um clima de esperança, alimentado dia a dia com pressão em relação a autoridades, envolve familiares de vítimas da boate Kiss, em Santa Maria, nove meses após a tragédia. A expectativa é de que novas investigações realizadas pela Polícia Civil possam resultar na responsabilização de servidores públicos municipais.

Para pressionar a cúpula do Ministério Público a reabrir o inquérito civil contra agentes públicos, familiares de vítimas e de sobreviventes fazem vigília no prédio da instituição e estão promovendo um abaixo-assinado. É certo que, nos dois inquéritos da polícia (veja ao lado), haverá mais indiciados. Mas não há garantia de que o MP mude o entendimento que teve quando não denunciou criminalmente servidores da prefeitura e pediu o arquivamento das suspeitas de improbidade administrativa.

A polícia está fazendo uma minuciosa cronologia de documentos necessários para que a boate funcionasse e contrapondo os dados com o que dizem as leis sobre atribuições de agentes públicos em cada caso. Por enquanto, a investigação aponta que, em mais de um momento, a prefeitura teve elementos para fechar o estabelecimento e não o fez.

O MP aguarda o fim dos inquéritos, ainda sem prazo para serem concluídos. Quando formularam a denúncia criminal, promotores já haviam se debruçado sobre o trâmite de expedição de documentos pela prefeitura, verificando o teor de leis e de decretos. No inquérito civil, os mesmos temas foram analisados.

– Encontramos procedimenos irregulares. Mas nada que sustentasse a responsabilização. Há itens dos alvarás que não têm relação com o fogo. O alvará sanitário dita determinadas regras. Uma delas, por exemplo, é sobre o tipo de lixeira que deve existir nos banheiros. Existindo ou não as lixeiras nos banheiros da Kiss, isso não interferiria no que aconteceu lá – ressalta o promotor Maurício Trevisan.

Representante da associação das vítimas, o advogado Luiz Fernando Smaniotto acredita em novidades que podem modificar o rumo do caso:

– As investigações mostram que, por 11 vezes, a prefeitura disse à boate que ela estava irregular. Queremos saber por que o agente público não foi até o fim em sua função, que não é só a de multar, mas de fechar também. Há indício de improbidade. Como o MP disse que os agentes públicos não violaram lei alguma?


Os próximos passos no MP

Documentos reunidos pela polícia nos novos inquéritos foram levados pela Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia em Santa Maria, em setembro, para membros do Conselho Superior do MP com pedido para revisão do caso. O conselho remeteu os papéis para análise dos promotores em Santa Maria.

Familiares de vítimas do incêndio na Kiss estão produzindo um abaixo-assinado para exigir que os novos documentos sejam avaliados por outros promotores. Não querem a atuação dos mesmos que já opinaram pelo arquivamento do inquérito contra agentes públicos.

– A boate nunca esteve com todos os documentos exigidos por lei em dia. Como podia estar aberta? – questiona Walter Cabistani, diretor jurídico da associação de familiares.

A partir da análise dos documentos, os promotores podem reabrir o caso contra os servidores públicos. Se opinarem pelo arquivamento novamente, o inquérito volta à apreciação do Conselho Superior. Se rejeitar o arquivamento, o conselho pode designar outros promotores para dar andamento ao caso.


As responsabilizações pela morte de 242 pessoas no incêndio da Kiss, em janeiro

AÇÕES NA JUSTIÇA - Após as investigações da Polícia Civil, do Ministério Público e da Brigada Militar sobre a maior tragédia gaúcha, 16 pessoas – incluindo os sócios da casa noturna e bombeiros – se tornaram réus. Os processos correm nas esferas criminal, cível e militar.

OS NOVOS INQUÉRITOS - A polícia acredita que a boate nunca deveria ter recebido autorização para funcionar.  Supostas fraudes no Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e laudo acústico da Kiss – Apura possível fraude na elaboração dos documentos, aceitação deles pela prefeitura e emissão de alvarás em desconformidade com a legislação. Suposto crime ambiental – Investiga se houve crime ambiental (poluição sonora e descarte indevido de resíduos, por exemplo) pela casa noturna e possível omissão por parte da prefeitura de Santa Maria.

EM JOGO, O DEVER DE FISCALIZAR


ZERO HORA 27 de outubro de 2013 | N° 17596

SUA SEGURANÇA | Humberto Trezzi


A recomendação dos conselheiros do MP para que as responsabilidades da prefeitura de Santa Maria no caso Kiss sejam mais uma vez “olhadas de lupa” faz a espada da desconfiança voltar a pender sobre as cabeças dos fiscais municipais. Não sem razão. Conforme ZH mostrou em 15 de março, a boate foi notificada uma vez e multada pelo menos em outras quatro oportunidades em 2009, por funcionar sem alvará de localização – documento que obteria após criteriosa vistoria técnica.

Mesmo assim, a prefeitura permitiu que continuasse aberta. Não foi lacrada, algo que poderia ter sido feito. Pior: entre agosto de 2010 e agosto de 2011 funcionou sem alvará dos bombeiros, que atestaria inexistência de risco grave de incêndio. Como se viu, era tão arriscado que foi palco da maior tragédia gaúcha.

Os delegados da Polícia Civil asseguram que os fiscais poderiam ter fechado o estabelecimento (além de multar) e, ao não fazerem isso, incorreram em crime. Os policiais acreditam tanto nisso que indiciaram dois secretários municipais e dois fiscais por 242 homicídios culposos (a morte, não intencional). Talvez nesse ponto tenham pesado demais a mão.

Já o MP foi por caminho oposto ao dos policiais, no que pode reativar uma tradicional rixa pelo comando das investigações. Os promotores não viram nexo entre a permissão para que a boate funcionasse em 2009 e o incêndio em 2013. E isentaram todos os funcionários da prefeitura de responsabilidades, inclusive por improbidade – algo que agora pode ser revisto.

Ao permitir que a danceteria ficasse aberta, os fiscais merecem alguma punição, ressaltam familiares das vítimas. Podem ter razão. A verdade é que a prefeitura poderia ter usado a Lei Orgânica do município para fechar o estabelecimento, sem maiores burocracias: é dever da fiscalização fazer isso, se o local for inseguro. Como se comprovou que era, à custa de muitas mortes.