Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

OPORTUNISMO AMBIENTAL

OPORTUNISMO AMBIENTAL - Denis Lerrer Rosenfield - O Estado de S.Paulo, 31/01/2011


Se um extraterrestre aterrissasse no Brasil após a tragédia no Rio de Janeiro, lendo certos jornais e notícias de algumas ONGs ambientalistas, não hesitaria em considerar o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) um criminoso, responsável pela morte de mais de 780 pessoas. Espantado com a enormidade da tragédia, logo diria, sem hesitar, que a revisão do Código Florestal fora a grande culpada pelo acontecido.

Mas, curioso, o extraterrestre procuraria informar-se melhor, acessaria o site do Greenpeace e depararia com uma matéria intitulada A receita da tragédia, na qual a "turma da motosserra" seria, também, a verdadeira responsável por tudo. Ou seja, os ruralistas, o agronegócio e o deputado Aldo Rebelo seriam os culpados pela ocupação desordenada do solo nas regiões urbanas! Em apoio, a matéria cita ainda dois membros da mesma ONG com opiniões balizadas sobre o assunto. Isso seria o equivalente a pedir a uma mãe judia ou italiana uma opinião isenta sobre o seu filho. A parcialidade seria manifesta!

O extraterrestre, no entanto, não seria uma pessoa politicamente correta, que embarcaria em qualquer história que lhe fosse contada. Há muito se teria vacinado contra tal tipo de posição. Seria apenas uma pessoa interessada na verdade, atenta aos fatos e informando-se nas mais diferentes fontes.

Atento, começaria ele por se indagar sobre conexões causais mínimas, que devem, logicamente, seguir um critério de temporalidade. O efeito, por exemplo, deve ser - esta é uma condição lógica - posterior à causa. A filha não pode ser a causa do nascimento da mãe. A revisão do Código Florestal está em discussão na Câmara dos Deputados, não tendo sido ainda aprovada. Uma vez aprovada, deverá seguir para o Senado e, depois, para a sanção presidencial. Logo, se ela não vigora, como poderia ser a causa da tragédia? A causa deve ser necessariamente outra, que obedeça, pelo menos, a um nexo lógico e temporal.

Cidades têm uma legislação específica, que é a Lei de Parcelamento e Ocupação do Solo Urbano. É essa a lei que vigora nas áreas devastadas. Aliás, o próprio deputado Aldo Rebelo já se manifestou a respeito, declarando que seu parecer não introduz nenhuma alteração na lei em vigor, destinando-se à área rural. Uma questão sensata, portanto, é a de indagar se a lei foi seguida, a saber, fiscalizada, obedecida, nas cidades atingidas por essa tragédia. Talvez aí esteja a verdadeira receita da tragédia, e não em causas fantasiosas. Aliás, a quem interessa esse ataque despropositado à revisão do Código Florestal?

Tomemos um exemplo para melhor expor o absurdo do "argumento". Segundo alguns defensores ambientalistas, deveria ser proibido construir em topos de morros, aqueles que o tenham feito devendo restaurar a mata ou vegetação nativa. Tal medida valeria, ainda segundo eles, para cidades e para zonas rurais. Isso significa, então, que o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor deveriam ser removidos. O "argumento", levado a sério, leva a essa conclusão. Ainda do ponto de vista urbano, isso significaria, em muitas cidades brasileiras, como São Paulo, a remoção de casas e edifícios construídos à margem de rios, córregos e em várzeas. Ruas e avenidas de muitos centros urbanos simplesmente desapareceriam. Algumas cidades deveriam, mesmo, ser parcialmente reconstruídas.

Pessoas mais sensatas poderiam contra-argumentar que o que já foi feito, segundo a legislação vigente na época, deveria ser reconhecido como legalmente válido, não comportando nenhuma alteração. Ora, é isso que o deputado Aldo Rebelo defende em seu relatório, voltado, aqui, para a questão rural, atingindo agricultores familiares, pequenos, médios e grandes produtores, todos se encontrando numa mesma situação.

A sensatez, no entanto, não é um bem compartilhado pelo mundo do politicamente correto. Os seus defensores mais acerbos sustentam que, no que diz respeito ao direito ambiental, não há direito adquirido nem legislação que se contraponha a ele. O direito ambiental teria efeito retroativo, o que é uma enormidade, só defendida pelo nazismo.

O extraterrestre, além de afeito às leis da lógica, da temporalidade e causalidade, teria particular sensibilidade para fotos e imagens. Lendo jornais e vendo televisão, verificaria que áreas particularmente atingidas pelos deslizamentos são de mata nativa. Isso mesmo, mata nativa, e não áreas desmatadas. Talvez o problema tivesse origem, conforme essa ótica, num fenômeno natural, isto é, numa grande precipitação pluvial que teria encharcado uma terra de pouca espessura e densidade, sobre um terreno rochoso. A terra, encharcada, teria perdido a sua estabilidade e levado consigo a vegetação nativa.

As vítimas seriam pessoas cujas moradias foram irregularmente construídas abaixo dessa área instável, tendo sido levadas de roldão. Analogamente, isso seria o equivalente a "permitir" a construção dos mais diferentes tipos de moradia no sopé de vulcões ativos. Em consequência, a responsabilidade seria basicamente dos prefeitos e de suas equipes, que deixaram que essas construções fossem erigidas.

Primeiro, populações pobres começaram a levantar moradias em áreas de risco, com o beneplácito do poder público, graças a governantes populistas que pretendiam com isso faturar politicamente. Há discursos feitos em nome dos pobres que matam pobres. Segundo, moradias de ricos também foram construídas em algumas dessas áreas, graças, provavelmente, à venalidade da administração - e da fiscalização, em particular. Não há nenhuma relação com a revisão do Código Florestal.

Dotado de bom senso, o extraterrestre se perguntaria por que nenhum sistema de alerta funcionou a contendo. Já precavido, não culparia o deputado Aldo Rebelo, os ruralistas e o agronegócio, ainda que isso fosse "lógico", segundo o oportunismo ambiental. Saberia que projetos anunciados não foram realizados nem verbas federais, liberadas. Certos terráqueos têm cada uma!

AUTOR: DENIS LERRER ROSENFIELD, PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

sábado, 29 de janeiro de 2011

FAB - BUROCRACIA PODE APODRECER DONATIVOS

DESCASO - Alguém avise a FAB de que tem gente morrendo no Rio - Antonio Carlos Prado e Juliana Dal Piva - REVISTA ISTO É, Edição: 2151, 28.Jan.11. Atualizado em 29.Jan.11

Há um antigo ditado no Brasil que diz: “A incompetência dói, o descaso mata.”

Serve para a FAB no caso de 30 toneladas de donativos que até a sexta-feira 28 corriam o risco de apodrecer em depósitos de São Luiz e Fortaleza – tudo doado pelo povo para socorrer vítimas das chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, que na mesma sexta-feira era atacada pela leptospirose.

A FAB deve saber – e, se não souber, o Ministério Público pode ensiná-la – que há gente morrendo no Rio e que a morte não pede protocolos oficiais nem se amarra à burocracia para agir, como ela, a FAB, tem se amarrado.

A FAB diz que não enviou aviões para transportar donativos porque a Cruz Vermelha não a informou oficialmente que carecia disso nem avisou a Defesa Civil, que, por sua vez, teria de avisar à FAB de que foi comunicada.

É jogo de empurra-empurra.

A FAB e a Defesa Civil não precisam de avisos oficiais, é só seus integrantes lerem jornais e verem tevê.

DESINTEGRAÇÃO, DESCASO E DESASTRES

Desintegração, descaso e desastres, por Afonso Farias Jr - Zero Hora 29/01/2011

Debarati Guha-Sapir, diretora do Centro para a Pesquisa da Epidemiologia de Desastres, afirmou que só um fator mata depois da chuva: descaso político. Nos últimos 10 anos, o Brasil teve 37 enchentes... O país sabe que tem esse problema de forma recorrente. Falta preparo institucional dos órgãos competentes, há discurso demais e ação de menos.

As enchentes ocorrem sempre nos mesmos lugares, portanto, não são surpresa e aparentemente ficam mais violentas. Os especialistas sabem que há tecnologia disponível (barata) para mitigar ou evitar desastres.

Há o mesmo descaso relativo aos incêndios florestais. Também há tecnologia disponível (barata) para não deixar que queimadas se tornem fogo descontrolado e gerem prejuízos incalculáveis à natureza e aos moradores das regiões onde há sazonalmente o problema.

A população sofre com a ausência de vontade e de ação política das autoridades. Os nossos representantes, com raras exceções, nada propõem em suas casas legislativas ou executivas para resolverem com racionalidade e eficácia os referidos desastres.

Dissimuladamente, promovem essa recorrência de desastres, pois as dotações orçamentárias para esse fim anualmente chegam com o carimbo de “emergência”. A execução orçamentária é simplificada e o processo licitatório navega ao sabor de impropriedades e desvios de finalidade, vide os problemas apontados pelos Tribunais de Contas.

É repugnante observar brigadistas da Amazônia (e outras áreas) implorando por dinheiro para poder fazer o serviço de prevenção. Essas pessoas, conhecedoras dos problemas locais, são praticamente desprezadas pelas instituições executivas dos Estados e municípios. A Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros, na maioria das cidades do Brasil, não têm efetivo, equipamentos, materiais e treinamentos suficientes para o enfrentamento de desastres de médio a grande porte.

Falta ação comunitária. Organizar a comunidade para exigir que as autoridades legislativas e executivas realizem ações de proteção socioambiental é salutar. Os desvios de conduta das autoridades crescem assustadoramente por causa da ausência da própria sociedade. Dessa forma, há uma área de interseção de ausências oriunda das autoridades mencionadas e da própria sociedade. Como resolver esta questão?

A comunidade deve definir suas prioridades locais e a sociedade elencar suas necessidades. O Estado se faz soberano pelo empréstimo da soberania individual daqueles que o integram. Seria conveniente e compulsório que esse próprio Estado se empenhasse com vigor para desenvolver e proteger seus cidadãos. Um sonho tupiniquim... Ainda haverá mortes, desvios diversos, políticos espertos e eleitores pouco cidadãos. Até o próximo grande desastre. Será fogo ou água?


AFONSO FARIAS JÚNIOR É MESTRE EM GESTÃO PÚBLICA, DOUTOR EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

CALAMIDADES - EM NOME DO "SOCIAL"

Justiça tem parte da responsabilidade - Editorial O Globo, 25/01/2011 às 16h50m

Enquanto avança na Região Serrana o resgate das vítimas da catástrofe climática, formam-se alguns consensos sobre a tragédia. Em entrevistas, artigos e por meio de anúncios de medidas pelo poder público, surge um diagnóstico em que se destaca a leniência de prefeituras, e políticos em geral, diante da ocupação irregular de áreas de risco, problema cuja gravidade foi potencializada pela inexistência de um eficiente sistema integrado de defesa civil e de alerta às populações.

O próprio anúncio do ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, da criação de um aparato de monitoramento meteorológico, para obter informações a serem compartilhadas com estados e municípios, pode ser entendido como uma autocrítica.

Mesmo além dos padrões, a tempestade que se abateu sobre os municípios de Friburgo, Teresópolis e Petrópolis há duas semanas teria feito bem menos vítimas se as prefeituras contassem com informações e, tanto quanto isto, um plano para abrigar moradores em locais seguros.

O Rio, com uma cultura de defesa civil mais desenvolvida, começa a instalar sirenes em favelas e a distribuir celulares entre lideranças comunitárias, a serem usados na aproximação de tempestades, a fim de deslocar moradores para abrigos.

Tão logo o novo radar meteorológico adquirido pela prefeitura detecte a aproximação de chuvas fortes, o esquema será acionado a tempo de as pessoas abandonarem regiões de risco.

A irresponsabilidade misturada com demagogia é que dá as condições para estas tragédias. Impressiona a informação de que cerca de 50 mil dos 83 mil imóveis de Nova Friburgo - 60% do total - encontram-se, ou encontravam-se, em situação irregular. Entende-se por que a cidade lidera a estatística de mortes, que deverão passar de mil nos três municípios.

Mas o populismo político não está só no patrocínio da favelização, e não apenas na Região Serrana. Por desvio ideológico, há juízes defensores da perigosa tese de que a Lei precisa estar a serviço da "justiça social", e por isso impedem a remoção de casas construídas à margem de normas e regulamentos, em áreas sujeitas a acidentes.

No Rio, há vários casos de liminares concedidas, em nome do "social", contra o resgate de pessoas de barrancos e encostas. Em Teresópolis, o Ministério Público foi à Justiça em 2008 para conseguir a demolição de casas irregulares no bairro do Caleme. O processo empacou, e a tempestade tratou de fazer, de maneira trágica, o que a Justiça parece ter se recusado a executar de forma planejada.

Por ironia, vítimas dos deslizamentos em Caleme haviam sido removidas, na década de 90, de outra área de risco, na gestão do prefeito Mario Tricano. Protegida por políticos e com juízes na retaguarda, a comunidade ficou no local, até ser soterrada por previsíveis deslizamentos.

Se executivos federais, estaduais e municipais, diante da tragédia na Região Serrana, tratam de criar projetos para passarem a agir mais na prevenção do que na emergência, o Poder Judiciário deveria participar de um esforço para rever a maneira de atuar quando se trata de prevenir grandes acidentes.

O preço por esta maneira enviesada de aplicar a lei tem sido pago em vidas dos mais pobres. Por ironia, aqueles que se quer proteger.

domingo, 23 de janeiro de 2011

DESORDEM MARCA AJUDA A SOBREVIVENTES.


Desordem marca ajuda a sobreviventes da tragédia na região serrana do Rio - Folha Online. 23/01/2011

DE SÃO PAULO. Dez dias após as chuvas que destruíram a região serrana do Rio, já superadas as dificuldades iniciais de acesso às áreas atingidas, a desorganização parece a maior vilã na ajuda às vítimas. A informação é de reportagem de Rodrigo Rötzsch, publicada na Folha deste domingo (íntegra disponível para assinantes do jornal e do UOL).

Enquanto caminhões do Exército ficam estacionados, com seus motoristas aguardando ordens, nos postos de coleta de doações faltam veículos para distribuir a ajuda que a solidariedade da população ajudou a reunir.

O lixo de dez dias ainda se acumula às margens de rios. Pontes que resistiram à força das águas seguem repletas do entulho trazido por elas. Um novo temporal --mesmo de menor intensidade-- pode trazer de volta o terror.

Em Teresópolis, o ginásio municipal Pedrão, principal ponto de recebimento de doações, virou alvo de desconfiança por suspeita de ineficiência e desvios. Enquanto isso, voluntários que decidem agir por conta própria se espalham.

Um caminhão vindo do polo empresarial da Pavuna, com cerca de 20 voluntários, parou em uma esquina em Nova Friburgo. O que se seguiu foi uma caótica distribuição dos donativos. Roupas ficaram jogadas pelo chão enlameado; pessoas levavam mais produtos do que precisavam.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Com tantos ministérios, que motivos impedem o Governo de criar o Ministério da Paz Social e Defesa Civil. Estas duas áreas trabalham juntas nas calamidades, pois seus objetivos e responsabilidades se completam.

Presidente Dilma. Faça a diferença e crie o Ministério da Paz Social e Defesa Civil para definir leis, estruturas, processos, estratégias e objetivos para prevenir, conter e atuar nas causas e efeitos da insegurança pública, calamidades e sinistros.

O Brasil precisa impedir o amadorismo, as negligências, as omissões, as irresponsabilidades, o desprezo, as desordens, os desvios e a falta de prevenção que afrontam, levam vidas e deterioram a imagem do país.

O RETRATO EXATO


O retrato exato, por Flávio Tavares, jornalista e escritor - Zero Hora 23/01/2011

O retrato profundo do horror na tragédia da serra do Rio de Janeiro não é o número de mortos, que irá além de um milhar e pode chegar a 2 mil. A 12 dias do início de tudo, existem ainda vilarejos soterrados onde não se sabe o que há sob a lama ressecada. O retrato mais aflitivo não são as partes humanas que emergem da terra, ao lado de vacas, galinhas, cães, cavalos, carros, móveis, aparelhos de TV. Em Friburgo, a pá de um trator topou com uma cadeira de rodas e duas bonecas imensas como um bebê. O horror não está sequer nessas cenas que a TV e os jornais não mostraram por pudor. Nem no relato da médica Júlia Leite, que, ao chegar com uma equipe de ajuda a uma antiga fazenda de Teresópolis, viu cães famintos banqueteando-se em cadáveres.

Nada disso é o retrato profundo do horror. Nem sequer o cheiro fétido da decomposição (que se agrava à noite e perpassa a serra) sintetiza a brutalidade. As catástrofes têm um horror inerente a elas próprias e, por isto, são catástrofes.

O retrato brutal do horror apareceu – isto sim – na carta de um leitor do jornal O Globo, do Rio: disposto a somar-se à imensa cadeia popular de solidariedade, ele apresentou-se ao hospital da Marinha para doar sangue, mas de lá foi enxotado por vestir bermudas acima do joelho e não calça comprida!! Por não estar “adequadamente vestido”, seu sangue não servia...

Ou isso não é o retrato exato do absurdo faz de conta que nos rege? Mais catastrófico que a tragédia é a perversão da ignorância humana. Ou da má-fé que desconhece a solidariedade e toma a ordem como uma fantasia, legalizando o caos anárquico.

Saberemos aprender com a tragédia? Ou continuaremos sem reconhecer os erros nem a imprevisão? Seguiremos (como na serra do Rio) transformando morros e montanhas em pedreiras, extraindo com dinamite “pedra brita” que, depois, usaremos pela metade, levando o resto para secar restingas ou entulhar lixões?

No mesmo dia da aluvião no Rio e das cheias em São Paulo e Minas, o presidente do Ibama, Abelardo Bayma, demitiu-se do cargo por discordar das pressões da cúpula do governo federal para conceder “licença ambiental” à construção da mastodôntica hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia. Sobre o Rio Xingu, a usina é o ponto de partida de um conjunto de hidrelétricas cujos reservatórios e linhas de transmissão vão devastar mais de 5.300 km2 de florestas, exterminar a fauna e deslocar comunidades nativas. Só em Belo Monte, removerão o dobro da quantidade de terra da abertura do Canal de Panamá, que uniu o Atlântico ao Pacífico.

O ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, promete criar um “sistema de alerta e prevenção” de enchentes e deslizamentos, baseado na experiência do Japão. De que valerá isso, porém, se a projetada alteração do Código Florestal vai permitir a ampliação da derrubada de florestas, das matas ciliares (que protegem rios e arroios de enchentes) e até dos espaços verdes urbanos? A “bancada ruralista” já se prepara para apoiar o deputado Aldo Rebelo, do PC do B, autor da proposta que consolida esse horror.

Na promiscuidade do horror, porém, nem tudo é tristeza. Reapareceu o vulgar Big Brother Brasil e milhões de telespectadores sorriem ao “executar” alguém no paredão. E no Rio prepara-se a alegre folia do Carnaval, que São Paulo busca imitar ou superar e o país vai aplaudir.

sábado, 22 de janeiro de 2011

PREVENÇÃO - SISTEMA DE RADIODIFUSÃO DE EMERGÊNCIA

Um sistema simples para salvar vidas - MARCOS AREAS é empresário. O GLOBO, 21/01/2011 às 19h22m

A prefeitura de Areal, uma das cidades atingidas pelas recentes tragédias na Região Serrana do Rio, salvou vidas ao usar o bom senso. Ao saber que a cidade vizinha, São José do Rio Preto, havia sido atingida por uma enxurrada, o prefeito de Areal mandou um carro de som avisar a população instalada às margens dos rios que cortam o município que evacuasse o local imediatamente. Ninguém morreu.

Foi uma demonstração tosca do poder de comunicação de massa na prevenção de uma tragédia.

Em 1963, o governo dos EUA criou o Sistema de Radiodifusão de Emergência, ou EBS, a sigla em inglês. No auge da Guerra Fria, era uma rede nacional envolvendo todas as emissoras de rádio e TV para comunicações do presidente em caso de emergências, guerras ou graves crises nacionais. Nunca foi usado em emergências nacionais, mas entre 1976 e 1996 foi acionado mais de 20.000 vezes em emergências locais, avisos de eventos climáticos extremos e como suporte a planos de evacuações.

A partir de 1997, passou a se chamar Sistema de Alerta de Emergência (EAS) e integra o programa de gerenciamento de emergência do governo federal. Apesar de fazer parte de um programa nacional, cada estado tem autonomia para gerir seu próprio sistema.

É simples. Cada vez que há uma emergência como a de previsão de chuvas fortes, uma emissora com alcance na área a ser alertada emite no ar um tom característico, percebido pelos operadores das demais emissoras, que então se juntam a ela e passam a transmitir o alerta, multiplicando o alcance. Simples, de implantação imediata e a custo quase zero.

Antes que os radiodifusores se receiem de uma nova "Voz do Brasil", é importante lembrar que o sistema é acionado uma vez por semana com aviso de teste e não dura mais de 30 segundos e que, em caso de emergência, irá salvar muitas vidas.

Há duas maneiras de implantar o sistema: através da iniciativa dos radiodifusores e participação dos governos estaduais e municipais, o que parece o melhor caminho, ou aguardar que algum órgão do governo federal lidere a ação, através de portarias e toda essa burocracia que ceifa vidas.

SOLIDARIEDADE - A BONDADE E A MALDADE

A bondade e a maldade: um duelo na tragédia - Francisco Vanderlúcio Souza, O GLOBO, 19/01/2011 às 19h31m; Artigo do leitor


Por culpa do poder público ou por força incontrolável da natureza as tragédias sempre estiveram presentes na história humana. E, como vemos, é bem provável que elas permaneçam, sobretudo, pela ineficiência de quem é chamado a resguardar o equilíbrio entre o progresso e a natureza.

Pior do que a tragédia natural, é a tragédia moral. As trombas d'água no Rio de Janeiro trouxeram lama às casas e revelaram a podridão de muitos comerciantes locais. É hedionda a prática de alguns vendedores da Região Serrana do estado de elevar o preço de produtos básicos para aqueles que sobreviveram.

Outras notícias dão conta do desvio de alimentos e recursos destinados a amenizar o sofrimento dos desabrigados na tragédia. Mais uma vez, a pecha odiosa da corrupção torna-se sinônimo do comportamento do brasileiro.

Enquanto algumas pessoas perderam seus bens materiais e entes queridos, outras deixaram ir com as águas a vergonha e a bondade. A limpidez da solidariedade, contudo, emerge na lama moral dos virulentos que se aproveitam de uma situação deplorável, como a ocorrida no estado do Rio.

Ver o testemunho de milhares de voluntários, que pagam os impostos mais altos do mundo para serem servidos e mesmos assim cumprirem uma árdua jornada de trabalho, é um estímulo e ao mesmo tempo um consolo. Como na escuridão das casas de Petrópolis e Nova Friburgo, acendem uma pequena chama, qual da vela, ensinando para esta geração que o 'ser' é preeminente ao 'ter'.

Que a lembrança dos jovens salvando a senhora com uma corda das ruínas de sua antiga casa ou da mãe machucada ao salvar as filhas permaneçam em nossa lembrança, sobrepondo-se ao escândalo de homens embargados pela lei por surrupiarem ajuda humanitária.

Que as águas do Rio de Janeiro levem consigo a maldade que impede o homem de fazer o bem e levante como uma torre de esperança, a solidariedade.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

CALAMIDADE NO RIO - AERONAVE DE APOIO CAI E DEIXA 5 FERIDOS

Helicóptero do Exército cai em Nova Friburgo e cinco ficam feridos - Jornal do Brasil - 20/01/2011, 13h11

RIO - Um helicóptero do Exército caiu nesta quinta-feira em Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio. O aparelho dava apoio às operações de resgate das vítimas da chuva. A queda ocorreu no Mercado do Produtor da Região Serrana, uma área agrícola.

O helicóptero levava cinco pessoas a bordo, sendo três militares e dois funcionários da Cruz Vermelha Brasileira. Todos ficaram levemente feridos e foram levados para hospitais da cidade.

Testemunhas contaram que o piloto conseguiu pousar em um monte de esterco, o que amorteceu a queda. O acidente ocorreu por volta de 12h30, quando o aparelho se preparava para pousar.

Mortos na tragédia chegam a 765

Subiu para 765 o número de mortos em consequência das fortes chuvas que devastaram a Região Serrana do Rio nos dias 11 e 12 dfeste mês. De acordo com o último balanço divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil, foram registradas 357 mortes em Nova Friburgo, 323 em Teresópolis, 64 em Petrópolis e 21 em Sumidouro.

No entanto, os números da secretaria não contabilizam as três mortes ocorridas em São José do Vale do Rio Preto, confirmadas pela Defesa Civil municipal, e uma morte em Bom Jardim, registrada pela Polícia Civil.

De acordo com os dados oficiais, pelo menos 6,4 mil pessoas estão desabrigadas ou desalojadas em Petrópolis, 5.190 em Nova Friburgo e 2.240 em Teresópolis.

O trabalho das equipes de limpeza e resgate é facilitado pelo bom tempo na região. Apesar disso, algumas áreas de Nova Fribugo continuam isoladas, de acordo com o tenente-coronel Roberto Robadey, coordenador da Defesa Civil.

Em relação ao fornecimento de energia elétrica, a concessionária Energisa informou que 97% dos clientes já tinham o serviço. O fornecimento de energia à principal estação de tratamento de água da Nova Friburgo foi reestabelecido, após a chuva danificar a rede de alta tensão.

O coordenador do segundo maior galpão de donativos de Teresópolis negou os boatos de que vítimas isoladas tenham comido carne de cachorro. Segundo o empresário Gilmar Gomes Chaves, moradores de todas as regiões receberam donativos.

AERONAVE DE APOIO CAI E DEIXA 5 FERIDOS

Helicóptero do Exército cai em Nova Friburgo e cinco ficam feridos - Jornal do Brasil - 20/01/2011, 13h11

RIO - Um helicóptero do Exército caiu nesta quinta-feira em Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio. O aparelho dava apoio às operações de resgate das vítimas da chuva. A queda ocorreu no Mercado do Produtor da Região Serrana, uma área agrícola.

O helicóptero levava cinco pessoas a bordo, sendo três militares e dois funcionários da Cruz Vermelha Brasileira. Todos ficaram levemente feridos e foram levados para hospitais da cidade.

Testemunhas contaram que o piloto conseguiu pousar em um monte de esterco, o que amorteceu a queda. O acidente ocorreu por volta de 12h30, quando o aparelho se preparava para pousar.

Mortos na tragédia chegam a 765

Subiu para 765 o número de mortos em consequência das fortes chuvas que devastaram a Região Serrana do Rio nos dias 11 e 12 dfeste mês. De acordo com o último balanço divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil, foram registradas 357 mortes em Nova Friburgo, 323 em Teresópolis, 64 em Petrópolis e 21 em Sumidouro.

No entanto, os números da secretaria não contabilizam as três mortes ocorridas em São José do Vale do Rio Preto, confirmadas pela Defesa Civil municipal, e uma morte em Bom Jardim, registrada pela Polícia Civil.

De acordo com os dados oficiais, pelo menos 6,4 mil pessoas estão desabrigadas ou desalojadas em Petrópolis, 5.190 em Nova Friburgo e 2.240 em Teresópolis.

O trabalho das equipes de limpeza e resgate é facilitado pelo bom tempo na região. Apesar disso, algumas áreas de Nova Fribugo continuam isoladas, de acordo com o tenente-coronel Roberto Robadey, coordenador da Defesa Civil.

Em relação ao fornecimento de energia elétrica, a concessionária Energisa informou que 97% dos clientes já tinham o serviço. O fornecimento de energia à principal estação de tratamento de água da Nova Friburgo foi reestabelecido, após a chuva danificar a rede de alta tensão.

O coordenador do segundo maior galpão de donativos de Teresópolis negou os boatos de que vítimas isoladas tenham comido carne de cachorro. Segundo o empresário Gilmar Gomes Chaves, moradores de todas as regiões receberam donativos.

A DELINQUÊNCIA ATÁVICA DE UMA ELITE HOSTIL AO INTERESSE PÚBLICO

700 mortos e 8 passaportes - Demétrio Magnoli, sociólogo e doutor em geografia humana pela USP - O Estado de S.Paulo - 20/01/2011

Marco Aurélio Garcia qualificou como assunto "de uma irrelevância absoluta" a concessão de passaportes diplomáticos aos filhos e netos de Lula. Ele, certamente, considera relevante a tragédia que ceifou mais de 700 vidas e destruiu cidades inteiras na Região Serrana do Rio de Janeiro. Os dois eventos, cujos impactos sobre a vida nacional são incomparáveis, estão relacionados, ainda que indiretamente. Eles, além disso, têm igual relevância, pois procedem da mesma fonte: a delinquência atávica de uma elite política hostil ao interesse público.

A lei é cristalina ao listar os critérios que regulam a concessão de passaportes diplomáticos. O ex-ministro Celso Amorim violou a lei, a pedido de Lula, quando presenteou a prole estendida do ex-presidente com o privilégio reservado aos representantes do Estado. O gesto ilegal não é amenizado, mas agravado pelo recurso cínico à invocação do "interesse nacional". O que o Ministério Público precisa para acusar o ex-ministro e o ex-presidente de abuso de autoridade?

Certos grupos ambientalistas propensos à mistificação culpam as mudanças climáticas globais pela catástrofe no Rio de Janeiro. Mas as precipitações torrenciais e os deslizamentos em encostas de morros fazem parte da dinâmica climática e geomorfológica normal das serras do Sudeste brasileiro. A intensidade das chuvas não é explicação suficiente das causas de uma das maiores tragédias humanas da história do País. Uma urbanização descontrolada, com ocupação extensiva de encostas de morros e várzeas inundáveis, moldou o cenário do desastre. Os mortos, as famílias devastadas, os desabrigados são o produto de décadas de escolhas políticas baseadas numa racionalidade avessa ao interesse público e, muitas vezes, às próprias leis. O que o Congresso Nacional precisa para instalar uma CPI dedicada à investigação do enredo completo da tragédia anunciada?

O patrimonialismo "é a vida privada incrustada na vida pública", segundo a definição de Octavio Paz. Na sua trajetória rumo ao poder, o lulismo conectou-se com um anseio profundo da sociedade brasileira ao fazer a denúncia sistemática de uma elite política consagrada ao intercâmbio de privilégios oriundos do controle do aparelho de Estado. Lula tocou um nervo exposto com seus "300 picaretas do Congresso", tirada irresponsável que se converteu em canção popular e sintetizou a bandeira de mudança com a qual alcançaria o Planalto. De lá para cá, ele e seu partido traíram noite e dia o compromisso original. A emissão dos passaportes diplomáticos equivale a uma abjuração escrita: o presidente que sai transforma a corrupção em virtude, zombando da "lei das gentes".

Não há mais de 700 mortos no Rio de Janeiro porque Lula concedeu à sua descendência o privilégio ilegal, mas porque a elite política que hoje Lula personifica zomba da "lei das gentes". Cada uma das áreas de risco ocupadas na Região Serrana fluminense tem a sua história singular. Alguns bairros surgiram por incúria das autoridades públicas. Outros se estabeleceram sob o amparo de acordos espúrios entre loteadores e políticos em cargos de mando. Prefeitos e vereadores formaram clientelas eleitorais estimulando a ocupação de vertentes e várzeas, ou apenas condescendendo com a violação das normas. A catástrofe foi tecida com os fios de uma política que combina populismo, patrimonialismo e clientelismo. Na Austrália, inundações muito mais amplas deixaram um saldo de mortes que se conta na casa de poucas dezenas, não de várias centenas.

Lula e os seus não se limitaram a absorver os usos e costumes da elite política estabelecida, mas foram bem mais longe, produzindo uma espécie de elogio público do patrimonialismo. O ex-presidente proclamou a inimputabilidade de José Sarney (o "homem incomum"), mudou a lei para beneficiar a empresa financiadora do negócio de seu filho e, na hora da despedida, comportou-se como um potentado, oferecendo passaportes diplomáticos aos familiares com a desenvoltura de um pai que distribui ovos de Páscoa. Como exigir de autoridades estaduais e municipais o respeito à lei, a adesão à norma, quando a República se transfigura na fazenda dos Lula da Silva?

"Sempre tem a hora de fazer avaliação. Tem que se fazer uma autocrítica, por que se permitiu fazer tudo isso. Mas agora é resgatar corpos e ajudar famílias desabrigadas. Não vamos perder tempo nesse momento." O governador Sérgio Cabral não é mais responsável pela tragédia que seus predecessores ou que os prefeitos, vereadores e lideranças locais da Região Serrana do Rio de Janeiro. Contudo, ao fabricar uma acusação preventiva contra os críticos, ameaçando crismá-los como inimigos da ajuda às vítimas, revela-se mais inteligente - e muito mais nocivo ao interesse público. A sua operação de linguagem tem o objetivo de suspender o debate político enquanto perdurar a emergência humanitária. É a receita certa para proteger a elite política que parasita a sociedade.

Uma tristeza avassaladora começou a se espalhar pelo Brasil inteiro com as primeiras imagens da tragédia. A memória dos mais de 700 mortos merece um monumento que não seja feito de pedra nem se preste à demagogia das inaugurações políticas. O monumento só pode ser um programa plurianual ambicioso de reconstrução das cidades devastadas e remodelação estrutural dos padrões de ocupação do solo na Região Serrana fluminense e em inúmeras outras cidades e corredores urbanos do País. Os recursos para tanto existem, mas serão queimados na pira ardente das obras colossais da Copa do Mundo e da Olimpíada.

As chuvas de janeiro provocaram um trauma nacional duradouro. O verão não terminou. As águas da destruição ainda podem apagar o fogo do desperdício sem freios e das negociatas fabulosas promovidas em nome do orgulho nacional. É a única homenagem verdadeira que os vivos podem prestar aos mortos.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

TRAGÉDIAS - BRASIL ADMITE DESPREPARO

Governo brasileiro admite à ONU despreparo em tragédias. Documento assinado pela secretária Nacional de Defesa Civil já previa ‘aumento de ocorrência de desastres’ - 15 de janeiro de 2011 | 16h 21 - Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo

O governo brasileiro admitiu à Organização das Nações Unidas (ONU) que grande parte do sistema de defesa civil do País vive um "despreparo" e que não tem condições sequer de verificar a eficiência de muitos dos serviços existentes. O Estado obteve um documento enviado em novembro de 2010 por Ivone Maria Valente, da Secretaria Nacional da Defesa Civil (Sedec), fazendo um raio X da implementação de um plano nacional de redução do impacto de desastres naturais. Suas conclusões mostram que a tragédia estava praticamente prevista pelas próprias autoridades.

Diante do tsunami que atingiu a Ásia e do aumento do número de desastres naturais no mundo nos últimos anos, a ONU foi pressionada a estabelecer um plano para ajudar governos a fortalecer seus sistemas de prevenção. Em 2005, governos chegaram a um acordo sobre a criação de um plano de redução de risco para permitir que, até 2015, o mundo estivesse melhor preparado para responder às catástrofes.

Uma das criações da ONU, nesse contexto, foi o Plano de Ação de Hyogo (local da conferência onde o acordo foi fechado). No tratado, a ONU faz suas recomendações de como governos devem atuar para resistir a chuvas, secas, terremotos e outros desastres. Ficou também estabelecido que os 168 governos envolvidos se comprometeriam a enviar a cada dois anos um raio X completo de como estavam seus países em termos de preparação para enfrentar calamidades e o que estavam fazendo para reduzir os riscos.

Na versão enviada pelo próprio governo do Brasil ao escritório da Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres, no fim de 2010, as constatações do relatório nacional são alarmantes. "A maioria dos órgãos que atuam em defesa civil está despreparada para o desempenho eficiente das atividades de prevenção e de preparação", afirma o documento em um trecho. Praticamente um a cada quatro municípios do País sequer tem um serviço de defesa civil e, onde existe, não há como medir se são eficientes.

"Em 2009, o número de órgãos municipais criados oficialmente no Brasil (para lidar com desastres) alcançou o porcentual de 77,36% dos municípios brasileiros, entretanto, não foi possível mensurar de forma confiável o indicador estabelecido como taxa de municípios preparados para prevenção e atendimento a desastres", diz o documento em outra parte.

Limitações. No relatório, o Brasil é obrigado a dar uma resposta ao desempenho em determinados indicadores sugeridos pela ONU. Em um dos indicadores - que trata de avaliação de risco de regiões - o governo admite ter feito avanços, "mas com limitações reconhecidas em aspectos chave, como recursos financeiros e capacidade operacional". Na avaliação de risco, por exemplo, o governo admite que não analisou a situação de nenhuma escola ou hospital no País para preparar o documento.

O próprio governo também aponta suas limitações em criar um sistema para monitorar e disseminar dados sobre vulnerabilidade no território. O governo também reconhece que a situação é cada vez mais delicada para a população. "A falta de planejamento da ocupação e/ou da utilização do espaço geográfico, desconsiderando as áreas de risco, somada à deficiência da fiscalização local, têm contribuído para aumentar a vulnerabilidade das comunidades locais urbanas e rurais, com um número crescente de perdas de vidas humanas e vultosos prejuízos econômicos e sociais", diz o documento assinado por Ivone Maria.

Consequência. "A não implementação do Programa (de redução de riscos) contribuirá para o aumento da ocorrência dos desastres naturais, antropogênicos e mistos e para o despreparo dos órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pela execução das ações preventivas de defesa civil, aumentando a insegurança das comunidades locais", afirmou o relatório.

O órgão também deixa claro que o Brasil estaria economizando recursos se a prioridade fosse a prevenção. "Quando não se priorizam as medidas preventivas, há um aumento significativo de gastos destinados à resposta aos desastres. O grande volume de recursos gastos com o atendimento da população atingida é muitas vezes maior do que seria necessário para a prevenção. Esses recursos poderiam ser destinados à implementação de projetos de grande impacto social, como criação de emprego e renda", conclui o documento.

SOCORRO DEFICIENTE


EDITORIAL ZERO HORA, 19/01/2011

Uma semana depois da tragédia na serra do Rio, fica evidente a desproporção entre o drama enfrentado pelos moradores da região e o socorro prestado pelo poder público. A União e o governo do Estado, que falharam ao não adotar políticas de prevenção, também falham agora, quando do esforço de reparação. Enquanto se ampliam os efeitos devastadores das chuvas, percebe-se que todos os órgãos de governos e outras instituições mobilizadas não dão conta, com gente e equipamentos, do tamanho da catástrofe. É assim que o Brasil assiste, desde a manhã do dia 12, quando começaram a circular as primeiras informações sobre as mortes provocadas pelo desastre natural, a cenas denunciadoras de deficiências ainda não corrigidas, apesar dos imensos recursos disponíveis, em especial nas Forças Armadas.

Bastam os depoimentos dos próprios sobreviventes, muitos ainda ilhados em localidades destruídas pelas enxurradas, para que a insuficiência de contingente fique explicitada. São embaraçosas para os governos as cenas em que voluntários, que deveriam auxiliar na assistência às famílias, aparecem como protagonistas do socorro, e as imagens de famílias que enterram seus mortos em quintais, depois de aguardar, por intermináveis dias, a presença de representantes do setor público. A população sobrevivente faz, sob comoção, o que as autoridades deveriam fazer com estratégia e racionalidade.

Se os governos, nas esferas federal e estadual, foram lentos na tentativa de amenizar aflições, também faltou agilidade às Forças Armadas, como aliada de setores da Defesa Civil. Somente no domingo, cinco dias depois dos soterramentos, a Força Aérea Brasileira iniciou a montagem de um hospital de campanha. Especialistas em situações como essa apontam uma série de falhas, que envolvem a desarticulação entre a Defesa Civil e as forças militares e, principalmente, uma personagem sempre presente, a burocracia. Processos ultrapassados, em desacordo com realidades que exigem urgência, faziam com que, no domingo, apenas 12 helicópteros militares sobrevoassem as áreas atingidas, enquanto pelo menos cem aparelhos estavam estacionados no pátio de uma unidade do Exército em Taubaté, a menos de uma hora de voo do cenário de horror.

A lentidão fez com que, em muitos casos, a imprensa tenha chegado antes a locais considerados inacessíveis pelas forças da Defesa Civil. Como jornalistas, a maioria sem treinamento para situações de risco, podem ter levado algum conforto, com suas presenças, a pessoas traumatizadas pelo desaparecimento de parentes, e quadros preparados para o enfrentamento de desastres naturais só foram aparecer quase uma semana depois? Por que, além de helicópteros, o Exército não mobilizou seus blindados, logo nos primeiros dias, para ultrapassar barreiras de lama e entulhos?

Desta vez, não há como se proteger na desculpa da falta de verbas. Contingentes brasileiros têm recursos, tecnologia e tradição, inclusive em atividades fora do país, e sempre marcaram suas ações com êxito em áreas de calamidade. Faltaram no Rio a determinação e a agilidade que deveriam marcar sempre as operações destinadas a salvar vidas e abrandar sofrimentos.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

5 MILHÕES DE BRASILEIROS EM ÁREAS DE RISCO


Cerca de 5 milhões de brasileiros moram em áreas de risco; União lança plano contra desastres - O GLOBO, 17/01/2011 às 23h55m. Luiza Damé e Roberto Maltchik. Colaboraram Célia Costa e Simone Candida

BRASÍLIA e RIO - Quase uma semana depois dos temporais que arrasaram parte da Região Serrana do Rio , provocando pelo menos 672 mortes, na maior tragédia do país, o governo federal decidiu criar um sistema nacional de alerta e prevenção de desastres naturais, além de reestruturar a Defesa Civil brasileira. As medidas foram discutidas nesta segunda-feira em reunião comandada pela presidente Dilma Rousseff, que cobrou maior participação das Forças Armadas no processo. O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, estima que haja no país cerca de 500 áreas de risco de deslizamento e outras 300 propensas a inundações, com aproximadamente cinco milhões de pessoas.

Mercadante reconheceu que a implantação de um eficiente sistema de alerta e prevenção de desastres climáticos levará quatro anos (o que significa que só será concluído em 2015), mas ele espera que os efeitos dessa articulação sejam verificados já no próximo verão.

- Queremos implantar parte desse sistema, pelo menos nas áreas mais críticas, até o próximo verão - disse Mercadante, no fim da reunião que teve a participação de sete ministros.

O sistema, segundo ele, inclui três vertentes: previsão de chuvas, levantamento geofísico das áreas de risco e treinamento de pessoal e da população. O governo comprou um supercomputador, que permitirá uma previsão mais precisa das chuvas, mas ainda será necessário adquirir novos radares climáticos, interligar a rede de radares disponíveis, incluindo os da Aeronáutica, e obter mais 700 pluviômetros.

O ministro disse que o mapeamento das áreas de risco no Brasil é muito heterogêneo, e poucos levantamentos são precisos.

- Ainda não temos um modelo matemático sobre deslizamentos. Há aí um desafio técnico-científico para aprimorar a capacidade de previsão - disse Mercadante.

População também vai ser treinada

O Estado do Rio ainda não tem um levantamento do número de pessoas que vivem em áreas de risco. O geólogo Flávio Erthal, presidente do Departamento de Recursos Minerais (DRM), órgão do governo do estado, disse que está sendo feito o mapeamento de 30 municípios para se definir as áreas de risco.

O cruzamento da previsão de mudança climática e dos dados geofísicos das áreas de risco vai permitir a implantação do sistema de alerta, que será construído junto com a Defesa Civil e as Forças Armadas. O sistema deverá ter uma sede central e cinco regionais, subordinadas ao pesquisador Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), que vai coordenar a implantação do projeto. Será necessário treinar as pessoas que vão trabalhar no sistema e a população que vive em áreas de risco. A ideia, segundo Mercadante, é criar um sistema que permita a mobilização dos órgãos públicos e da comunidade em seis horas.

- Se nós temos o acompanhamento da chuva que está acontecendo, temos a informação de uma forte precipitação e sabemos onde são as áreas de risco, nós vamos poder montar o sistema de alerta. O sistema de alerta vai reunir equipes junto com a Defesa Civil para mobilizar a população. A população tem de ser avisada com antecedência, tem de saber para onde ir no momento de crise e tem de ter um sistema que reconheça como alarme - disse Mercadante.

Como o prazo de implantação é de quatro anos, a prioridade será beneficiar as áreas com risco de deslizamentos e inundações. Dados disponíveis indicam que 58% dos desastres naturais no país ocorrem por deslizamentos e 11%, por inundações. O tipo de desastre é diferente por região. No Norte e no Centro-Oeste, são mais comuns inundações, secas e incêndios; no Nordeste, deslizamentos de encostas, secas e inundações; no Sudeste, deslizamentos, secas, inundações e ressacas; e no Sul, deslizamentos, secas, inundações, ressacas e vendavais.

Mercadante disse que o orçamento para implantação do sistema ainda será negociado com a Casa Civil e o Ministério do Planejamento. Segundo o ministro, os países que tiveram iniciativa semelhante registraram redução no número de mortes.

- É bom ter claro que isso não resolve o problema das perdas materiais, mas diminui substancialmente o número de mortes - afirmou.

O ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, afirmou que, paralelamente à implantação do sistema de alerta, será reforçada a rede de Defesa Civil em todo o país. Hoje, segundo ele, de cada cinco municípios, apenas um tem Defesa Civil. Para ele, será necessário fazer inclusive mudanças na legislação para reestruturar o sistema de Defesa Civil.

- A fragilidade do sistema de Defesa Civil nacional é uma realidade. Temos de encarar essa realidade e reagir a isso. Essa é determinação da presidente - afirmou Bezerra.

Segundo ele, Dilma cobrou "maior protagonismo do Ministério da Defesa e das Forças Armadas em relação à capacidade de pronta resposta no caso de tragédias da magnitude da que estamos vivenciando na Região Serrana do Rio".

Reforço de 580 militares na região

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que Exército, Marinha e Aeronáutica estão na Região Serrana com 580 homens e equipamentos. Ele afirmou que o Ministério da Defesa pode atuar em três tipos de ação: comando e controle, logística e mobilidade.

- A participação do Ministério da Defesa é uma decisão a ser tomada caso a caso pela presidente da República - afirmou Jobim.

Dilma determinou ainda que os ministros Jobim, Bezerra e José Eduardo Cardozo (Justiça) retornem hoje ao Rio. Bezerra disse que os ministros vão visitar as cidades atingidas pelas enxurradas para reforçar as ações de apoio ao governo do Rio e às prefeituras, além de iniciar o monitoramento das áreas de risco para evitar mais vítimas na região.

Só hoje, com o retorno dos ministros da Defesa, da Integração Nacional e da Justiça à área da tragédia, o governo vai estabelecer um esquema de coordenação das ações federais na região. Por ora, a ordem é manter o canal aberto com o vice-governador Luiz Fernando Pezão, que coordena os trabalhos nas áreas atingidas.

O interlocutor da União é o ministro Bezerra, porém as ações militares seguem um esquema diferente, no qual as ordens são dadas pelo general Oswaldo Ferreira, do comando do Exército. O governo ainda discute a utilidade de criar um gabinete de crise, nos moldes do que operou no Nordeste durante as enchentes de 2010, que mataram quase 60 pessoas.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A TRAGÉDIA DA NÃO PREVENÇÃO


A tragédia da não prevenção, por Cláudio Júnior Damin, Cientista politico e escritor.Zero Hora 17/01/2011

Abra-se a gaveta de qualquer prefeito brasileiro. Encontraremos o currículo de um correligionário prestes a ser nomeado, uma lista com emendas propostas por deputados federais ao município e, muito provavelmente, um plano para aumentar receitas a partir do aumento de impostos. O que certamente não encontraremos é um plano de emergência quando a cidade for atingida por um evento climático extremo, e menos ainda medidas preventivas contra desastres. Afinal, qual prefeito ousaria gastar dinheiro com algo que, por primeiro, não rende voto e, por segundo, não se mostra necessário no presente?

A lógica das autoridades brasileiras é a de remediar e não prevenir. É um raciocínio totalmente equivocado, mas que tem se reproduzido por décadas no país. Nossas autoridades pagam para ver, e, quando a tragédia e a calamidade destroem cidades inteiras, a culpa é transferida para o clima, para as pessoas que moram nos quintais dos rios; enfim, nossos governantes nada têm a ver com a tragédia.

E, com desavergonhada retórica, anunciam a liberação de milhões de reais para a reconstrução, para a volta à normalidade. Sabe-se, no entanto, que o dinheiro demora a chegar em função de outro desastre brasileiro, o de sua própria burocracia, que atravanca a ajuda às populações brasileiras. O caso de Angra dos Reis, atingida por deslizamentos no final de 2009 é prova disso, pois R$ 30 milhões, dos R$ 80 milhões prometidos pelo governo federal, até hoje não chegaram à cidade. O mesmo acontecerá com os deslizamentos na serra do Rio de Janeiro, é esperar para ver.

Há tempos que caiu por terra a lenda segundo a qual o Brasil é um país sem desastres naturais. É bem verdade que não temos terremotos ou vulcões, mas a estação das cheias dos rios e os deslizamentos já fazem parte do calendário de preocupações das populações. No calendário dos governos, no entanto, não passam de perfumaria sem qualquer importância. Ou os políticos em geral tratam a prevenção aos desastres naturais como uma prioridade nacional ou nos transformaremos em uma Bangladesh, que a cada chuva torrencial lamenta milhares de mortes sem que o governo faça algo, estando em permanente letargia.

As estruturas governamentais devem estar preparadas para as consequências de eventos climáticos extremos, e especialmente os prefeitos, pois são eles os agentes públicos que melhor entendem a realidade dos cidadãos nacionais. O lamento é que não há perspectivas de que isso aconteça, pois os desastres naturais são pensados hoje no Brasil como problemas que simplesmente acontecem em função da ação “natural da natureza” e, por isso, seria impossível fazer planejamento, prevenção ou planos emergenciais. Essa miopia apenas pode nos conduzir a novos e grandes desastres.

País com 500 áreas de risco - ZERO HORA 17/01/2011

O governo estima que haja no país 500 áreas de risco, onde vivem cerca de 5 milhões de pessoas. Um levantamento detalhado dessas áreas será tema de um encontro hoje em Brasília, prévia da reunião convocada para amanhã pela presidente Dilma Rousseff, para reestruturar o sistema nacional de defesa civil.

sábado, 15 de janeiro de 2011

PREVISÃO SEM PREVENÇÃO - DOR E DESTROÇOS



A mesma cena. E cada vez mais dor sob os destroços. A chuva era prevista. Mas não houve prevenção, fiscalização nas ocupações das encostas nem planos de contingência. O resultado de tanto descaso foi a maior catástrofe da história do Brasil - Francisco Alves Filho, de Nova Friburgo; Wilson Aquino, de Teresópolis; e Rafael Teixeira do RJ - Revista Isto É, N° Edição: 2149 = 14.Jan.11. Atualizado em 15.Jan.11

Foi tudo muito rápido, como sempre é. Não se passou uma dúzia de horas entre o início do que parecia ser mais uma simples tempestade de verão e as avalanches de lama, pedras e paus que colocaram fim à vida de mais de 500 pessoas e devastaram cidades inteiras da região serrana do Rio de Janeiro. Foi assim, de repente, que a cadeia de montanhas que encantam os cariocas há mais de um século abandonou a aparência sólida e se liquefez. No caminho entre as escarpas íngremes e verdes da Serra do Mar até os vales que a formam, a terra em estado líquido não fez distinção e levou com ela tudo o que estava à sua frente: árvores, pedras, casas, carros e uma quantidade aterradora de vidas. Quando amanheceu, o mundo ali era outro. Em Teresópolis, onde antes havia casas, ruas, escolas, um macabro cemitério ao livre surgiu. O charmoso centro de Nova Friburgo deu lugar a uma camada espessa de lama, detritos e entulhos, escondendo sob ela dezenas de corpos. Em São José do Vale do Rio Preto, o riacho que corta a cidade e serviu de inspiração para Tom Jobim escrever os célebres versos de “Águas de Março” transformou-se em uma corredeira de águas caudalosas, que com sua força destruiu casas, pontes e vidas. Foi assim, com uma rapidez e uma fúria impressionantes, que a maior tragédia natural da história brasileira encontrou seu desfecho numa típica noite quente e úmida de verão.

Sua gênese, no entanto, foi lenta e gradual, e o resultado, previsível. Marcada por características geológicas e climáticas instáveis, a região serrana do Rio de Janeiro está acostumada a recolher corpos sob a terra úmida. Tem sido assim desde as primeiras ocupações, mostram relatos de dom Pedro II, que, como faz hoje a elite carioca, subia à serra para fugir do calor inclemente que castiga a cidade do Rio de Janeiro no verão. Nem mesmo a carnificina de 1967, quando 300 pessoas morreram nas mesmas situações de agora, foi o bastante para se aceitar que, ali, a natureza não se intimida para determinar o curso da vida. Até agora, o resultado dessas tragédias se resume a uma ladainha cíclica de promessas que raramente se traduzem em ações concretas e que sempre terminam nos cemitérios. Foi assim em 1967, como foi em 2008, em Santa Catarina, ou no ano passado, em Angra dos Reis e em Niterói. “Não há desculpa para colocar a culpa nas chuvas, o Brasil não é Bangladesh”, diz a diretora do Centro para a Pesquisa de Epidemiologias da ONU, Debarati Guha-Sapir, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” no mesmo dia em que a Organização das Nações Unidas colocava o acidente fluminense como o décimo mais letal entre os deslizamentos de terra da história.

Debarati tem razão. Ao contrário do país espremido entre a Índia e Mianmar, há dinheiro, tecnologia e mão de obra farta no Brasil para evitar que tantas pessoas percam a vida em uma região tão propensa a acidentes. Dois casos recentes mostram como investimento, controle da ocupação do solo e preparação podem poupar vidas. Na Austrália, neste início de ano, choveu mais do que na região serrana do Rio. No entanto, apenas 19 pessoas perderam a vida por lá. Na Ilha da Madeira, uma região também montanhosa, choveu no ano passado tanto quanto choveu em Nova Friburgo, a cidade mais atingida nesta última tragédia. O número de mortes em Portugal não chegou a 10% das vítimas fluminenses.

Nesses tempos de pânico ambiental, as mudanças climáticas têm sido os algozes perfeitos dos governantes para justificar o injustificável. “Estamos falando de décadas e décadas de administrações omissas”, diz o cientista político Luiz Werneck Viana. “Faltou às prefeituras fiscalizar as zonas em que as ocupações irregulares acontecem, faltou aos Estados desenvolver planos para essas regiões, faltou ao governo federal priorizar a questão do planejamento urbano e da habitação.” A fatura pela falta de investimentos chegou, enfim, mais alta do que nunca.“Os governantes têm uma visão míope que só vale para os quatro anos de mandato”, critica David Zee, coordenador de mestrado em meio ambiente da universidade carioca Veiga de Almeida. “Estado, município e federação têm obrigação de trabalhar de forma integrada, mas todas essas esferas têm sido historicamente omissas.”

Como foram, mais uma vez, neste início de ano. Não há quem conteste que o volume de chuvas que castigou as cidades fluminenses foi de uma intensidade rara. Em menos de 12 horas choveu praticamente o mesmo que era esperado para todo o mês em Nova Friburgo. Mas o inadmissível em um caso como esse é a absoluta falta de preparação e coordenação do poder público para mitigar os efeitos de um desastre iminente e, pior, a completa ausência de planejamento prévio para lidar com suas consequências. Tudo parece ser feito de última hora, como se as soluções só pudessem ser encontradas diante dos acontecimentos. Não há dúvida de que as chuvas da madrugada da quarta-feira causariam deslizamentos e inundações, mesmo que não houvesse ocupação irregular do solo. Os danos materiais também são justificáveis por conta da dimensão das chuvas. Mas, se um simples sistema de alerta funcionasse, o número de vítimas poderia ser reduzido de forma drástica. A tragédia fluminense é repleta de exemplos de como nada disso foi feito, nas duas pontas da incompetência administrativa.

Na tarde de terça-feira, horas antes do início do temporal, o radar instalado pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro no ano passado já emitia dados mostrando que uma chuva de grande intensidade se aproximava da região serrana. O equipamento, conhecido como Doppler, foi adquirido após as chuvas que mataram mais de uma centena de pessoas na região metropolitana da capital fluminense e tem capacidade de cobrir um raio de 250 quilômetros, quase duas vezes a distância que separa o Rio de Nova Friburgo. Mas, por razões que ainda não estão claras, não havia técnicos disponíveis ou capacitados para analisar esses dados e disparar o alerta. Já o Instituto de Pesquisas Aeroespaciais, o Inpe, informou à Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro que um grande temporal estava se formando na região serrana. O órgão recebeu o aviso por volta das 15 horas de terça-feira e diz que emitiu o alerta às cidades por meio de e-mail. Mas a comunicação parece não ter sido benfeita. Os agentes da Defesa Civil de Teresópolis, onde mais de 200 pessoas perderam a vida, garantem que não receberam nada.

A tragédia desta semana só é atípica no número de mortes. No mais, é uma simples repetição do que ocorre ali há mais de um século, e que vem se agravando com o aumento da população. No entanto, horas após mais de cinco centenas de corpos estarem espalhados por toda a região, o poder público parecia não ter nenhum plano para lidar com uma situação como essa. Não havia, por exemplo, tarefas predefinidas para os atores públicos, como é de se esperar em uma região que anualmente sofre com desastres exatamente iguais a esse. Tudo parece ter sido resolvido de última hora. E as autoridades pareciam se orgulhar ao informar que a Marinha havia emprestado dois helicópteros, que o Bope, especializado no combate armado contra traficantes, havia liberado ônibus ou que o Exército enviara caminhões frigoríficos para dar conta do número extraordinário de corpos que eram recolhidos.

“É preciso criar os agentes comunitários, as brigadas locais em cada distrito, em cada município. São essas pessoas que dão as diretrizes em situações como essa e mostram o que fazer até a chegada do socorro oficial”, diz a vereadora Andréa Gouveia Vieira (PSDB/RJ). A família do marido de Andréa é proprietária do sítio que fora alugado para a estilista e designer Daniela Conolly e parentes. Invadida por água, lama e entulho, a casa foi soterrada junto com Daniela e mais sete membros de sua família (leia quadro). “A casa existia há mais de 70 anos. Nunca aconteceu algo dessa magnitude lá. O rio subiu em uma velocidade enorme, foi um volume de água impossível de ser contido. Havia 18 pessoas na casa, 14 morreram”, disse a vereadora. Embora seja política, seu discurso é o mesmo de qualquer cidadão comum: cansaço com as promessas nunca cumpridas de reflorestamento, limpeza dos rios, remoção de pessoas de áreas de risco.

Como em qualquer acidente, a causa não é uma só. É uma soma de erros de várias origens, entre as quais o inaceitável descaso com o meio ambiente. “Gerações foram criadas sem que houvesse uma preocupação ambiental. Houve uma ocupação desordenada com construção de residências em encostas”, aponta Luís Eduardo Peixoto, presidente do comitê de ações emergenciais de Petrópolis.

Aquecimento global e desmatamentos são algumas das causas de tragédias que têm acontecido no mundo. O aumento da população urbana é outra ponta do desequilíbrio. A pesquisadora mineira Waleska Marcy Rosa, 41 anos, do Centro Universitário Serra dos Órgãos, fez, em 2007, um estudo comparativo entre os municípios de Teresópolis e Petrópolis e concluiu que a ocupação das áreas de encosta dos dois municípios cresceu demasiadamente a partir da década de 1960, à sombra da fraca atuação do poder público, que, além de não conseguir impedir as ocupações irregulares, muitas vezes até as regulamentou. “É a desgraça do populismo, a permissividade de deixar a ocupação de áreas de uma maneira irresponsável como se eles (políticos) fossem aliados dos mais pobres”, comenta o governador Sérgio Cabral, obviamente excluindo-se da culpa que aponta nos outros governantes.

Não há como, no entanto, negar que a responsabilidade maior é do poder municipal. “São as prefeituras que regulam o uso do solo, autorizam construções e fiscalizam regiões de risco”, diz o cientista político Ignácio Cano, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para ele, a situação chegou a um ponto em que “é preciso uma política com um componente repressivo que impeça a construção irregular e remova quem está em área de risco”. A própria presidente Dilma Rousseff, que esteve na cidade na quinta-feira 13, reforça essa visão. “Ocupação irregular no Brasil não é exceção, é regra.” Segundo o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, no ano passado foram gastos 13 vezes mais com a resposta do que com a prevenção. Ele afirma que houve um investimento de R$ 2,3 bilhões para remediar e apenas R$ 167,5 milhões para prevenir. Castello Branco critica também a má distribuição de recursos federais. “Do montante do ano passado, 50,5%, mais de R$ 80 milhões, foram destinados à Bahia, enquanto o Rio ficou só com 0,6%, ou seja, R$ 1 milhão. São Paulo teve 5,6% e Minas Gerais, 6,2%”. Ao contrário do Rio, a Bahia não é um Estado com histórico de desastres ambientais tão frequentes como o Rio. Mas a diferença entre os dois Estados é que o ministro responsável pela distribuição dos recursos, Geddel Vieira Lima, é baiano e tinha como objetivo principal no ano passado ser eleito governador do Estado que tanto privilegiou com a distribuição dos recursos.

O resultado disso se vê em todas as esferas do poder público, que não consegue responder a uma crise das proporções da região serrana fluminense. Nos ineficientes e sucateados Institutos Médicos Legais das cidades atingidas, o cheiro da morte se espalhava pelos corredores e pelo entorno dos prédios. “Tenho que passar pomada com cheiro de menta no nariz para poder trabalhar. O mau cheiro está insuportável”, disse um dos funcionários responsáveis pelo transporte dos corpos em Nova Friburgo, que prefere não se identificar. Até a manhã da sexta-feira 14, a cidade chorava inacreditáveis 216 mortos na tragédia. A todo momento, caminhões e caminhonetes chegavam com corpos ao Instituto de Educação de Nova Friburgo, improvisado para funcionar como Instituto Médico Legal. Dia e noite, a porta da instituição ficava tomada por pessoas que buscavam saber se entre os mortos há algum parente ou amigo. “Não saio daqui enquanto não souber notícia de minha avó”, disse, ainda em estado de choque, a comerciária Regina Soares, 28 anos. Com tantos cadáveres e condições precárias, o trabalho no local tem sido sacrificante em Nova Friburgo e mostra que não há nenhuma preparação para enfrentar problemas como esse. Nem mesmo um plano de contingência para lidar com um número de mortos tão grande, algo que não é inédito por ali, parece haver.

Sem a resposta rápida e eficaz do poder público, a população se divide entre um estado de absoluta catatonia e de desespero. No centro de Nova Friburgo, famílias de várias classes sociais perambulavam nos dias que sucederam ao desastre com bolsas e sacolas em punho, buscando refúgio. Uma delas era o pedreiro Andrei Silva, 26 anos, cuja casa, localizada no bairro do Jardim Califórnia, foi inundada pela chuva e ficou prestes a desabar. Ele deixou o imóvel com sua mãe e duas irmãs. “Não sei para onde vou, mas para lá não volto mais”, prometeu. Não longe dele, a advogada Lia Vieira caminhava com os pés envoltos em sacolas de supermercado. “Perdi minha casa e meu carro no desabamento”, contou. “Agora, o que eu quero é sair daqui.”

CALAMIDADES - ESTADO GASTA POUCO NA PREVENÇÃO E MUITO NA RECUPERAÇÃO.

CNM faz alerta sobre repasses para desastres - JAMES TAVARES - SECOM/AFP/JC - 14/01/2011

O Rio Grande do Sul é o terceiro colocado no ranking dos Estados com mais Municípios que tiveram situação de emergência ou calamidade decretadas por causa da chuva ou da seca, aponta um levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Nos últimos oito anos, foram 2.011 portarias reconhecidas em 478 Municípios gaúchos, o equivalente a 96,4% de todo os Estado.

Mas enquanto as vítimas e os prejuízos aumentam, os recursos destinados à prevenção são 10 vezes menores do que o gasto na resposta aos desastres, afirma o estudo. Nos últimos oito anos, a União gastou, a nível nacional, R$ 538 milhões em prevenção e R$ 4,8 bilhões em resposta aos desastres.

O levantamento da CNM ainda ponta a existência de um grupo de Municípios em todo o País em que os desastres naturais são mais comuns. A entidade consolidou todas as portarias publicadas - reconhecidas - no Diário Oficial da União (DOU) relacionadas a esses desastres nos últimos oito anos, quase 13 mil em todo o Brasil. Em relação à chuva, são 4.792 portarias e relacionadas à seca, 7.954. Outros eventos, como incêndios e erosão, somam 213 portarias.

Deste total de 13 mil, a CNM apurou que, em 92% dos Municípios, não houve repasse direto de recursos por parte da União. Dos 8% que receberam auxílio, 39% deles não tinham nenhuma portaria publicada. De acordo com Ziulkoski, esses dados comprovam a falta de transparência na liberação das verbas.

De acordo com o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, "isso evidencia falta de planejamento e coordenação. Gasta-se muito mais com as conseqüências do que com as causas dos desastres". Segundo ele, faltam três coisas: um plano integrado, determinação política e recursos. "Mas temos que atuar, não adianta que a União, os Estados e os Municípios fiquem se acusando", completa.

No rio Grande do Sul, das mais de duas mil portarias, 744 foram reconhecidas em razão da chuva e 1.259 por causa da seca. Fontoura Xavier, Jacuizinho, Caçapava do Sul e Montenegro estão no topo da lista dos que mais tiveram portarias reconhecidas pela chuva, cinco cada um. Palmitinho, Pinhal, Machadinho e Vista Alegre lideram a lista da seca, cinco cada um.

São Municípios de apenas sete Estados do País os que mais sofrem com a força das chuvas. Santa Catarina figura em primeiro lugar com 31 Municípios com recorrentes portarias reconhecidas neste período - Camboriu está no topo do ranking. O Espírito Santo está em segundo e o Rio de Janeiro divide a terceira colocação com o Rio Grande do Sul.

Sobre a acusação de que os Municípios não enviam projetos para se prevenir contra os desastres, Ziulkoski rebate. "As prefeituras são, sim, responsáveis pela ocupação do solo, pela elaboração do Plano Diretor. Mas não adianta criar as leis, exigir, se a União e os Estados, donos de 85% da arrecadação nacional, não disponibilizam os recursos para este trabalho", critica.

Já os eventos relacionados à seca são os que mais provocam pedidos de reconhecimento de emergência e calamidade. Nos últimos oito anos, foram 7.954 portarias reconhecidas. O Ceará lidera o ranking dos que mais pediram ajuda ao governo federal. Em seguida estão o Alagoas, Pernambuco, Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Norte. Cacimbinhas, Município alagoano, lidera o ranking com 15 portarias.

Se os dados forem distribuídos pelo mapa brasileiro, fica claro que há uma diferença entre as regiões no país. A maior concentração de Municípios que sofrem problemas recorrentes à seca estão localizados na região Nordeste e os Municípios com problemas relacionados à chuva estão no litoral do Sudeste e no Sul do país. "Essas informações deveriam servir para orientar as políticas de prevenção desenvolvidas pela União e os Estados", explica Ziulkoski.

PREVENÇÃO EM ÁREAS DE RISCO

Prevenção em áreas de risco - Editorial Zero Hora 15/01/2011

O dramático episódio do Rio de Janeiro deve servir de alerta para os administradores municipais em relação às populações localizadas em áreas de risco, principalmente nas cercanias de morros e nas margens de rios e riachos. Esta não deve ser uma preocupação apenas de Porto Alegre, onde já foram identificados pela Defesa Civil sete locais considerados de alto risco, nos quais vivem pelo menos 600 famílias. O primeiro passo para o encaminhamento de soluções pode estar sendo dado pelo mapeamento que será realizado nos próximos meses pelo Centro de Estudos e Pesquisa em Desastres da UFRGS.

Tal estudo certamente irá apenas confirmar, com dados mais precisos, o que as autoridades já sabem. Vastas áreas de encostas foram ocupadas desordenadamente nas últimas décadas na Capital. É constrangedor para o setor público que, além do risco de tragédias decorrentes das condições geológicas, os moradores dessas ocupações se submetam a condições de vida muitas vezes degradantes, sem infraestrutura básica de água e esgoto. Cenário semelhante pode ser visto em outras cidades gaúchas, principalmente as que atraíram moradores das proximidades em consequência da industrialização. São ocupantes de morros ou de áreas próximas de cursos d’água, que não podem se valer da desculpa de que nunca enfrentaram problemas provocados por desastres naturais.

Também a região serrana do Rio era, até agora, considerada imune a tragédias, assim como as áreas atingidas por deslizamentos em Santa Catarina, em 2008. Em ambos os casos, as vítimas não foram apenas famílias pobres de ocupações irregulares, o que impõe a observação de que todos, independentemente de classe social, devem se submeter às avaliações de risco.

No caso de moradores de baixa renda de terras tomadas irregularmente, seria hipocrisia exigir que essas pessoas se retirassem abruptamente dos locais, até mesmo porque muitas delas dependem da proximidade com locais de trabalho e áreas comerciais para sobreviver. Mas é urgente que os municípios deem prioridade a planos de combate à ocupação irregular, oferecendo alternativas para estas populações. A solução somente será encontrada com planos de reavaliação da ocupação urbana que levem em conta todos os aspectos envolvidos, entre os quais a questão social.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

MORADIA DE RISCO E DESLEIXO HISTÓRICO


Dilma: "Moradia de risco é regra, não exceção" - 14/01/2011 08:40 - Elisa Soares e Igor Silveira - Correio Braziliense.

Rio de Janeiro e Brasília — A primeira viagem de Dilma Rousseff depois de receber a faixa presidencial foi para acompanhar os desdobramentos do maior desastre natural da história do Brasil, provocado por uma combinação de mau tempo na região serrana do Rio de Janeiro e ocupação desordenada das áreas de encostas e de margens de rios. Até o fechamento desta edição, os peritos do Instituto Médico Legal do estado contabilizavam 501 corpos.

Ontem, depois de sobrevoar as áreas atingidas e de caminhar em meio aos escombros de bairros de Nova Friburgo, Dilma, visivelmente consternada, disse que a prioridade é resgatar as pessoas, com ação integrada entre municípios, estado e União. Mais tarde, durante entrevista no Palácio Guanabara, na capital fluminense, ressaltou que, em um segundo momento, será preciso reconstruir as cidades e garantir estrutura para prevenir a repetição da tragédia. Na presença do governador do Rio, Sérgio Cabral, a petista anunciou o empréstimo de R$ 1 bilhão do Banco Mundial para o projeto Morar Seguro, que tem o objetivo de retirar pessoas que vivem em áreas de risco.

A moradia de risco no Brasil é regra, não exceção”, enfatizou a presidente. Segundo ela, houve um desleixo histórico no país com a população mais pobre. “É um processo que, cada vez mais, temos de cuidar para que não continue”, destacou, lembrando que a questão envolve as três esferas de governo. De acordo com ela, a missão dos governos federal e estadual é reduzir o estrago e oferecer recursos para projetos. Cabe aos municípios evitar que áreas de risco sejam ocupadas. Segundo a presidente, a chuva foi extremamente forte, mas, se a estrutura urbana ideal estivesse consolidada, o número de mortes certamente seria menor.

Dilma também prometeu destravar a burocracia que atrapalha a liberação de recursos, mas reforçou que são necessários projetos para que os municípios recebam a verba e prestação rigorosa de contas para evitar mau uso de dinheiro público. A presidente viajou na companhia de ministros diretamente envolvidos com ações de redução dos danos, incluindo o da Defesa, Nelson Jobim; o da Saúde, Alexandre Padilha; o da Justiça, José Eduardo Cardozo; o da Integração Nacional, Fernando Bezerra; e o de Relações Institucionais, Luiz Sérgio. “É, de fato, um momento dramático. As cenas são fortes. É visível o sofrimento das pessoas e o risco é grande”, disse Dilma.

Ao ser questionada por qual motivo o governo federal gastava mais na recuperação de cidades do que na prevenção de destruição causada por desastres naturais, Dilma citou o ex-presidente Lula e lembrou ações tomadas na gestão anterior que, segundo ela, serviram para melhorar a forma de ocupação no país, como o projeto Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A presidente afirmou que esses programas terão continuidade e serão fundamentais para evitar novos acidentes de grandes proporções. “Prevenção não é só questão de Defesa Civil, mas de saneamento, drenagem e política habitacional”, disse, lembrando que o governo vai destinar R$ 11 bilhões para essas ações.

Muro

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, lembrou que as três cidades mais atingidas pelas chuvas desde a noite de terça-feira — Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo — sofreram ocupação desordenada desde a década de 1980. O governo afirmou que, em todo o Rio de Janeiro, há cerca de 18 mil moradias em áreas de risco, segundo o Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (Geo-Rio). “Quando construímos um muro no Dona Marta (Zona Sul da capital fluminense) para evitar a expansão da comunidade, há dois anos, os oportunistas de plantão disseram que eu queria separar os ricos dos pobres”, reclamou. Segundo o governador, é papel da prefeitura cuidar não só da vida formal da cidade, mas das ocupações irregulares também.

“É preciso ter coragem porque educar muitas vezes é dizer não, não pode construir aqui”, disse Cabral, referindo-se a prefeitos que estavam presentes na entrevista, e lembrou que o PAC removeu mais de 8 mil famílias que moravam em locais de risco. “É um movimento que deve ser feito com mais frequência e consciência”, completou. O governador alertou que deve continuar chovendo nas próximas horas e pediu a colaboração para que os moradores saiam das áreas de risco. “Faço um apelo às pessoas para que saiam de casa. Há áreas de desabamento e a previsão de chuva não é tranqüilizadora”.

Também na entrevista, Dilma elogiou a capacidade de organização do Rio e anunciou medidas financeiras para ajudar na recuperação das cidades da região serrana. Na quarta, a presidente assinou uma medida provisória liberando R$ 780 milhões para reduzir transtornos causados pelas chuvas na Região Sudeste e em parte da Região Sul. Do total, R$ 600 milhões serão para ações da Defesa Civil, R$ 100 milhões para obras de prevenção e reconstrução de áreas afetadas e R$ 80 milhões para obras de emergência em rodovias federais danificadas.

CALAMIDADES - PROJETOS NÃO SAEM DO PAPEL


Projetos antienchente ficam parados no Congresso - Folha Online, 14/01/2011

Em meio às chuvas que deixaram milhares de vítimas e desabrigados no Rio e São Paulo, mais de 30 projetos com medidas para minimizar os efeitos das enchentes estão parados no Congresso.

De acordo com o texto, as propostas vão de benefícios fiscais para quem doa recursos às vítimas das chuvas até informações solicitadas ao governo federal em tragédias passadas que nunca chegaram ao Legislativo. A cada novo episódio com desabrigados e destruição de municípios, congressistas apresentam propostas que acabam, a maioria, sem sair do papel.

Em 2009, o senador Romeu Tuma (morto no ano passado) apresentou projeto que prioriza desabrigados pelas enchentes nas ações habitacionais do governo. Na época, Tuma foi motivado pelas chuvas que atingiram São Paulo no final de 2009. Até hoje a proposta espera por votação na Comissão de Desenvolvimento Regional do Senado.

LIÇÕES DAS TRAGÉDIAS

LIÇÕES DAS TRAGÉDIAS - Editorial Zero Hora, 14/01/2011

As tragédias climáticas registradas nos últimos dias na capital paulista e nas cidades da região serrana do Estado do Rio de Janeiro deixam lições importantes para todos, governantes e cidadãos. Uma delas, triste e óbvia, é a de que as centenas de mortos em consequência das cheias e os incalculáveis prejuízos de ordem financeira e emocional resultam de uma perversa combinação entre catástrofe natural e irresponsabilidade humana. A outra, que sempre se constitui num alento em momentos de dor para os brasileiros, é a percepção da sociedade sobre a importância de prestar solidariedade a quem enfrentou perdas de toda ordem. Um desastre desta dimensão mobiliza até mesmo pessoas que raramente se preocupam com questões ambientais, com a ocupação ordenada do solo e com o planejamento urbano.

Os brasileiros mal haviam tomado consciência da gravidade dos estragos das enxurradas e uma rede espontânea de ajuda já havia sido formada. As equipes oficiais de salvamento foram reforçadas por voluntários destemidos, doadores de sangue correram aos hemocentros, multiplicaram-se as contribuições em dinheiro, as ofertas de alimentos, de roupas, de brinquedos para as crianças, e também de um teto para quem perdeu tudo, inclusive a casa. Obviamente, as autoridades – em âmbito municipal, estadual e federal – retomaram promessas que se sucedem com uma regularidade semelhante à das próprias tragédias. Entre as mais recentes, estão a de 2008 em Santa Catarina, a de janeiro e a de abril do ano passado no próprio Rio de Janeiro e a de junho, também do ano passado, em Pernambuco e Alagoas. Entre as promessas feitas por autoridades ainda sob o impacto da dor e o que de fato foi feito depois de as águas baixarem, há sempre um abismo que não deveria ser repetido agora, quando os problemas apenas mudaram de lugar.

Por isso, o momento exige acima de tudo solidariedade e ajuda efetiva aos prejudicados pela intempérie, mas também maior conscientização sobre os efeitos catastróficos da incúria de sucessivos governantes. A própria natureza, ao reafirmar sua força desmedida, acaba fazendo soar uma espécie de alerta do quanto é importante respeitar as encostas, do quanto é preciso preservar as margens e os cursos dos rios, do quanto é urgente recorrer a mais moderação na pavimentação do solo e manejar o lixo com cuidado, entre outros cuidados básicos para deixar o mundo mais habitável para as atuais e as futuras gerações.

Este, portanto, é o momento de os governantes e a sociedade se comprometerem de forma transparente com providências emergenciais para as comunidades atingidas, a começar por gestos imediatos de solidariedade. Mas é também a hora de todos os brasileiros, dentro e fora do governo, se aprofundarem em debates mais amplos, envolvendo preferencialmente ações preventivas, que pouco aparecem e custam caro, mas podem atenuar e até mesmo evitar danos muitas vezes irreparáveis.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

CATÁSTROFES - PLANEJAMENTO É ESSENCIAL PARA EVITAR

Planejamento é essencial para evitar catástrofes - Zero Hora 13/01/2011

Cada vez mais populosas e produzindo mais lixo, as megalópoles brasileiras precisam de planejamento urbano adequado para evitar as tragédias da chuva, avaliam especialistas.

Para o presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea) do Distrito Federal, Francisco Machado, é importante estabelecer medidas de segurança como a contenção de encostas e o respeito ao plano diretor da cidade.

– A prefeitura não pode deixar as pessoas morarem em áreas de riscos, a lei é bem clara – diz.

A arquiteta Ana Paula Guedes, da ONG Arquitetura para Todos, destaca que o crescimento das cidades e o hábito de as pessoas jogarem lixo nas ruas favorecem os alagamentos.

– As obras de saneamento e drenagem pluvial deveriam ter sido feitas há muito tempo. Agora é difícil minimizar os problemas – afirma Ana Paula.

Como ocorrem os deslizamentos

Os deslizamentos de morros na região serrana do Rio são um fenômeno semelhante ao acontecido em Angra dos Reis no primeiro dia de 2010. De dezembro a março, a região Sudeste tem o seu período de chuvas. Além da mistura de calor e umidade que provoca as pancadas, o Rio de Janeiro está, desde terça-feira, sob um canal de umidade que direciona para ali a umidade trazida desde a Amazônia e carrega ainda mais as nuvens da região.

As chuvas que atingem todo o Sudeste provocaram mortes na região serrana do Rio, onde as nuvens são ainda mais fortes. Suporte para construções inadequadas e com o solo pesado pelas chuvas dos últimos dias, os morros cederam à precipitação de ontem. Meteorologistas alertam que deve chover até sábado na região. Veja no gráfico como ocorre.

RIO - OUTRO CENÁRIO, MESMA TRAGÉDIA


RIO, 12/01/2011 - Outro cenário, mesma tragédia - Zero Hora, 13/01/2011

A tragédia no Rio de Janeiro choca, mas não surpreende. O que ocorreu nas encostas de municípios serranos como Teresópolis e Nova Friburgo é a confirmação de que o Brasil não está preparado para desafios que a natureza impõe. Até investir em prevenção às enxurradas com seriedade, o país contará mortos como os da tragédia fluminense, que ontem ultrapassavam duas centenas

Morros desabam e soterram centenas

A chuva que caiu entre a noite de terça-feira e a madrugada de ontem, na região serrana do Rio, provocou deslizamentos da encosta de morros e centenas de mortes em pelo menos três municípios

Uma mescla fatídica de dilúvio e deslizamentos de terra fez a morte açoitar o Estado do Rio de Janeiro, mais uma vez no início de ano.

Desta vez, os rios de janeiro se formaram na região serrana, levando de roldão morro abaixo bairros inteiros e deixando, segundo informações oficiais, um saldo pelo menos 271 mortes até ontem à noite. Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis, as cidades atingidas com maior violência pela enxurrada, viveram um dia de horror, isolamento e destruição.

É o segundo ano consecutivo que começa com tragédia. Em 2010, a calamidade atingiu o sul do território fluminense, sobretudo Angra dos Reis, onde desmoronamentos mataram 50 pessoas. Em abril passado, os morros fluminenses voltaram a ceder com a água e 229 pessoas morreram, a maior parte soterrada no Morro do Bumba, em Niterói.

A tragédia agora é maior do que as duas do ano passado. Apenas em Teresópolis morreram ontem pelo menos 122 pessoas.

O município, de 160 mil habitantes e situado a 91 quilômetros do Rio, foi castigado, nos últimos dias, por uma quantidade de chuva equivalente ao esperado para todo o mês. Bairros ficaram submersos e deslizamentos ocorreram em pontos diversos, arrastando casas de ricos e de pobres. A cidade, famosa por ter sido um dos locais de férias da família imperial brasileira, registrou, em três horas, 160mm de chuva, mais do que o esperado para todo o mês de janeiro.

No meio da lama, a busca por desparecidos

O número de mortos em Teresópolis pode aumentar. No meio do dia, moradores ainda procuravam no meio da lama parentes desaparecidos desde a madrugada. A Defesa Civil do município mantém cerca de 800 homens nos bairros mais atingidos pela chuva, em busca de corpos e sobreviventes.

O prefeito Jorge Mário Sedlacek, que decretou estado de calamidade pública, estima que, além das mortes, a tempestade deixou R$ 100 milhões em prejuízos e mil desabrigados.

– É a maior tragédia da nossa história – definiu Sedlacek.

Em Teresópolis, a casa do motorista Antônio Venâncio, 53 anos, permaneceu de pé, mas foi invadida por lama. Ninguém da família ficou ferido, mas moradores vizinhos não tiveram a mesma sorte. Foram soterrados pelas águas de uma represa que estourou.

– Passei por seis corpos na minha rua. É uma tragédia enorme, o povo não sabe o que fazer diante de uma coisa horrível dessas – desabafou.

Em Nova Friburgo, 97 mortes foram confirmadas até o início da noite – quatro de bombeiros. Eles foram soterrados por um deslizamento quando trabalhavam no resgate de outras vítimas. Três outros bombeiros estão desaparecidos. O município de 180 mil moradores, situado a 136 quilômetros do Rio, está coberto de lama e com ruas alagadas. Várias casas e prédios desmoronaram.

Moradores tiveram de subir em árvores

Em Petrópolis, que fica a 68 quilômetros do Rio e tem 300 mil moradores, a Defesa Civil contabiliza 18 mortes.

A região do Vale do Cuiabá foi a mais atingida, com a água subindo mais de cinco metros. Manoel Cândido da Rocha Sobrinho, 45 anos, morador da área, conta que a maior parte das pessoas se salvou subindo em árvores. Muitas casas foram destruídas, e a comunidade foi isolada pela queda de pontes e pelo corte no fornecimento de água, luz e telefone.

– A gente está desesperado. O caseiro me ligou e disse que a chuva arrastou os carros, tudo o que tinha pela frente e destruiu a ponte. Ele me disse ainda que os pais do nosso eletricista morreram afogados e que há mortos entre os hóspedes de uma pousada no local – contou o economista José Roberto Afonso, que tem uma casa no Vale do Cuiabá.

O governador fluminense, Sérgio Cabral, solicitou ao comandante da Marinha, almirante Júlio Moura, a cedência de aeronaves para o deslocamento de homens e equipamentos do Corpo de Bombeiros para os municípios atingidos pela catástrofe. Toda a região serrana está isolada, e o governo estadual lutava para liberar pelo menos meia pista das estradas que ligam essa área ao Rio, na noite de ontem.

– Nunca vi nada igual, nem mesmo nos deslizamentos em Angra dos Reis no ano passado – desabafa o vice-governador, Luiz Fernando Pezão.

E a tragédia não tem data para acabar. O Instituto de Meteorologia (Inmet) prevê que as chuvas fortes continuarão nos próximos dias.

DEFESA CIVIL NO BRASIL É UMA PIADA!

Defesa Civil no Brasil é uma piada - Gastão Gal, Maj. Da Reserva da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul.

Convivemos com tragédias previstas e outras que são impossíveis de ser detectadas e fortuitas. Fui instrutor de defesa civil para policiais militares e trabalhei na coordenadoria estadual de defesa civil ao longo de minha carreira de policial militar. Treinei a tropa militar que foi para o Haiti e ao retornarem um oficial me agradeceu os ensinamentos ministrados antes de sua missão e disse que estes ensinamentos foram úteis, pois evitaram mortes e que eles tentaram ensinar ao povo noções básicas de defesa civil. Fui coordenador de defesa civil em minha Cidade Santa Cruz do Sul, e tive grandes dificuldades em conscientizar o prefeito e também os seus secretários na importante estruturação da defesa civil em meu município, usei recursos próprios para ao menos dar operacionalidade a coordenadoria municipal de defesa civil.

Até o computador para monitoramento climático foi comprado com meus recursos. O gabinete era jogado de um lado para o outro quando deveria ser estruturada uma sala de operações integrada com os órgãos municipais, estaduais e federais para dar uma pronta resposta em caso de calamidade. Certa vez solicitei uma verba de R$ 10 mil reais para treinamento em caso de grave acidente no aeroporto da cidade e a resposta foi: “Nem pensar”. Obras inócuas, desnecessárias foram construídas e o que era necessário para salvar vidas era obstaculizado.

Vejam que isto em um município com um dos maiores considerado rico do estado do Rio Grande do Sul. Realizei em conjunto com o governo estadual e federal vários cursos de preparação em ações de defesa civil e todos dos recursos para organizar foram dispendidos de meu salário. Esta é a defesa civil em todo Brasil. Em todos os cursos que participei a queixa era sempre a mesma falta de apoio para qualquer implementação de programas de defesa civil. Quem sofre nestas omissões são as pessoas que compõem nossas comunidades.

Defesa Civil deveria ser uma entidade que possuísse amplos poderes para gerir nas calamidades, onde todas as entidades participantes seriam imediatamente coordenadas pelo gabinete de defesa civil até o término da calamidade. Verbas deveriam estar disponíveis imediatamente e não como acontece hoje. Não existe um fundo de reserva para emergência se existe é modesto e com uma burocracia burra. As pessoas precisam do socorro imediatamente.

Entendo que também deveria fazer parte da Coordenadoria de Defesa Civil o ministério público para que após avaliação dos locais de risco onde habitam as pessoas, deveriam ser removidas e colocadas em moradias dignas e seguras e não jogadas em abrigos provisórios ou na rua como acontece hoje.

Também entendo que todas as coordenadorias, municipais, estaduais, e federal, deveriam ser providas por técnicos em defesa civil e não por políticos, pois estes não entendem deste assunto tão importante. A coordenadoria nacional de defesa civil deveria ser coordenada por um oficial general que agiria imediatamente após tomar conhecimento da calamidade e de sua gravidade enviando tropas federais em auxilio as áreas atingidas. Hoje existe uma lacuna até e demora até ser tomada uma decisão para utilização destes meios.

Em uma enchente de gravidade em minha cidade Santa Cruz do Sul, após se exaurirem os meios municipais, estaduais necessitei usar meios federais e imediatamente o Cmt. do 7º BIMtz, Cel. Newton Cléo Bocchi disponibilizou carros anfíbios e nenhuma vítima fatal tivemos há lamentar. Graças à iniciativa e rapidez na disponibilização dos meios adequados, mas, isto aconteceu porque este comandante agiu de maneira rápida e conhecendo a legislação de defesa civil que lhe autorizava este emprego imediato.

A defesa civil deveria possuir uma sala de operações moderna com meios e recursos para analisar e determinar prontamente a remoção de famílias que habitam em áreas de risco. Este mapa deveria ser feito em todos os municípios do país e após este estudo medidas tomadas rapidamente de maneira preventiva para evitar futuras calamidades.

Muito mais deveria ser feito, mas este é um ponta pé inicial para tirar estes gestores públicos na ociosidade e desta inércia secular e demagógica. Enquanto isto não acontecer a defesa civil no Brasil será uma piada e de muito mau gosto.